sexta-feira, 14 de julho de 2023

Mauricio López: “É necessário reafirmar o papel das mulheres para curar este planeta destruído”


As perspectivas teológico sinodais e territoriais para o futuro da Amazônia foi o tema de reflexão de Mauricio López Oropeza no 35º Congresso da SOTER que está acontecendo de 11 a 14 de julho. Uma meditação que teve como porta de entrada a oração com Pierre Teilhard de Chardin, afirmando: “mergulhei no mistério de Deus como uma expressão da vida que, paciente e permanentemente, se entrelaça nas fendas mais inesperadas. A vida é um fluxo que se move à medida que a consciência se eleva e se avança em direção a uma verdadeira comunhão universal”.

Mauricio López definiu a vida como “a soma de retículas associadas umas às outras, buscando a expansão da fraternidade em nosso planeta finito, mas que no amor sempre abre infinitas possibilidades”, e a Deus como “uma exibição de grandeza indomável naquilo que está sempre presente ali e pelo qual passamos em uma cegueira sistemática que nos impede de amar a beleza, que nos impede de respeitar o delicado equilíbrio de tudo e a fonte de esperança para o amanhã”.

Segundo o diretor do Centro de Programas e Redes e Ação Pastoral do Conselho Episcopal de América Latina e do Caribe, “somos chamados a ser veículos, receptáculos, do poder de Deus e do mistério da vida em propagação que busca se expandir apesar da morte. Estamos matando todas as expressões da vida radial expansiva para controlar os mercados por uma visão tola de ganho momentâneo que fica nas mãos de muito poucos”. Por isso, ele vê necessário nos projetar em direção a “um Cristo cósmico e universal como meta última de nossa vida e da existência de cada ser, de cada povo, de todos os povos e de nossa Querida Amazônia”.

 


Ele definiu a territorialidade “como uma construção social e simbólica”, de “uma rede complexa de relações de interconhecimento, inter-reconhecimento e interdependência”, defendendo a interconexão de territórios, algo que reconhece nos exercícios de Santo Inácio, considerando o mundo “expressão de nossa humanidade pobre e esperançosa que nos mostra nossa finitude, nossas limitações e também nosso potencial”, nos permitindo “entender a noção de território ligada à premissa teológica que sustenta a contemplação da Encarnação. O caminho para a redenção ocorre em uma realidade material concreta, em um território”. Território relacionado a espiritualidade, origem e identidade dos povos, lhes fornecendo o “bem viver”. Algo que se alcança desde a ecologia integral.

Em palavras de Mauricio López, “na territorialidade amazônica, especialmente a partir da cosmovisão dos povos originários, essa visão de interconexão e pertencimento ao todo sempre esteve presente em sua identidade e práticas”, algo muitas vezes irrelevante para as sociedades ocidentais e a Igreja Católica, em defesa da “suposta ‘verdade única’ e estabelecer o ‘progresso’, sempre a partir de uma visão dominante externa”.

Nessa perspectiva, “o Sínodo para a Amazônia contribuiu para o desenvolvimento de novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral nesse e com esse território” segundo o auditor sinodal, buscando “criar as condições que permitam aos povos que habitam o vasto território amazônico viver com dignidade e olhar para o futuro com esperança”. O desafio diante da maior crise socioecológica planetária, é “abandonar os caminhos fracassados e reconhecer em outras tradições”.

 


Mauricio López ajudou a enxergar com alguns dados a riqueza e vulnerabilidade da vida da Amazônia, mostrando as ameaças aos povos da Amazônia, vindas dos Estados, que ignoram os tratados e leis assinados, e empresas estrangeiras. Frente a isso, desde sua experiência na REPAM relatou seis padrões para garantir o pleno exercício dos direitos dessas comunidades: o direito à autoidentificação e ao reconhecimento; o direito à autodeterminação; o direito à propriedade coletiva; as obrigações estatais de proteção; a proteção especial contra a discriminação étnico-cultural; e o direito a uma vida digna, conforme entendido nas cosmovisões indígenas.

O conferencista destacou a importância das mulheres na Amazônia como voz profética, dizendo que “é necessário reafirmar o papel das mulheres nessa ruptura epistemológica que é exigida hoje para curar este planeta destruído”. Ele denunciou que “muitas mulheres, tanto na Igreja quanto na sociedade, são vítimas de injustiça estrutural e exclusão que parecem não ter fim”. Na Igreja da Amazônia, as mulheres representam 70% da presença missionária, mas ocupam apenas 30% dos cargos de liderança, afirmou, relatando os principais desafios enfrentados pelas mulheres na Amazônia: violência de diferentes tipos, falta de visibilização de seu papel, violação dos direitos, perda da cultura, falta de acolhida na Igreja, desigualdades na educação, saúde.

Diante disso relatou a contribuição das mulheres para as sociedades amazônicas: resiliência, construção de diversos espaços de luta e resistência, reconhecimento das dores, força e organização, diálogo intercultural sobre igualdade de gênero, uma Igreja desde uma identidade de mulheres povo de Deus. Daí os horizontes para a conversão a partir das visões das mulheres, que faça realidade “uma igreja que seja irmã e aprendiz, não mais mãe e professora. Uma igreja inclusiva”, desconstruída, com raízes vivas das culturas.

Recordando de novo as palavras de Teilhard de Chardin: "não somos seres humanos tendo uma experiência espiritual; somos seres espirituais tendo uma experiência humana", Mauricio Lópeez ofereceu valores necessários para mudar a sociedade atual: gratuidade e reciprocidade, sinodalidade, territorialidade; apelos urgentes e inegociáveis: desigualdade pecaminosa, violação dos direitos humanos e superar uma abordagem funcional; transformação pessoal, comunitária e institucional: metanoia, alteridade e parresia.

 


Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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