domingo, 19 de janeiro de 2025

Cardeal Steiner: “Vivemos numa sociedade onde o amor desinteressado, gratuito, vai se diluindo”


O Evangelho proclamado nos fez ver a festa de casamento em Caná da Galileia, numa pequena aldeia de montanha, a quinze quilômetros de Nazaré”, disse o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Ulrich Steiner na homilia da missa do Segundo Domingo do Tempo Comum. Ele lembrou que “na Galileia, o casamento entre as pessoas do campo durava de vários dias. Familiares e amigos, juntos a celebrar: comiam, bebiam, dançavam com ritmos próprios de casamento e cantando canções de amor. Uma grande festa!”

Segundo o presidente do Regional Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Norte1), “o centro do Evangelho das Bodas de Caná é Jesus. Não conseguimos ver o rosto da noiva, nem do noivo, como também não ouvimos a voz, nem as ações de cada um. E na celebração do casamento vemos o primeiro sinal de Jesus: ‘Este foi o início dos sinais de Jesus, em Caná da Galileia’”.

Os esponsais lembram uma relação nova: nova vida, novo início, novo horizonte. Recordam a fecundidade, a prodigalidade, a partilha. Os esponsais, expressam o que há de mais próprio e único em cada pessoa humana: o amor. O casamento como o de Caná da Galileia, canta a presença do amor, e o amor revelado por Deus em Jesus Cristo. As núpcias, os esponsais, como nos lembra a Sagrada Escritura, falam, dizem, expressam, cantam a beleza, a nobreza, a singeleza, a cordialidade, da relação de Deus com cada um de seus filhos e filhas. Deus, o eterno amante em busca de seus amados, de suas amadas”, ressaltou o arcebispo.

“No meio das danças, dos cantos, da festa, a mãe de Jesus percebe: ‘Eles não têm mais vinho’”, mostrou o cardeal Steiner. Ele questionou: “Como vão prosseguir cantando e dançando? Como continuar com a festa das núpcias?”, lembrando que “o vinho era indispensável num casamento. O vinho era o símbolo mais expressivo do amor e da alegria”. Ele recordou que diz uma tradição: “O vinho alegra o coração”. Igualmente, disse que “o Cântico dos Cânticos eleva o vinho como sinal de alegria e símbolo do amor: o amor é mais doce do que o vinho. O seu aroma é uma delícia! E o seu nome é como o melhor dos perfumes. Ficamos alegres por você e nos lembraremos que o amor que você tem é mais doce do que o vinho’ (1,1-8).” Daí o arcebispo perguntou: “O que acontece com um casamento sem alegria e sem amor? O que se pode celebrar com o coração triste e vazio de amor?”



“No pátio da casa estão seis talhas de pedra. Nelas cabem cerca de 100 litros de água em cada uma. Estão colocadas ali de maneira fixa, firme. Nelas se guarda a água para as purificações. A piedade religiosa daqueles camponeses que procuram viver puros diante de Deus. Antes das núpcias todos haviam, certamente, realizado as abluções, a purificação para serem dignos de participar da festa. Jesus diz aos que estavam servindo: Enchei as talhas de água”, recordou.

“Da casa à fonte, da fonte à casa. Indo e vindo com os cântaros, com as vasilhas vazias na ida e cheias de água na volta. A água colhida, retirada na fonte, carregada sobre os ombros, sobre a cabeça, devagar enchendo as talhas. Das idas e vindas, de muitas ida e vindas, ali estão as talhas cheias, repletas, transbordantes, pois os que serviam encheram-nas até a boca”, afirmou.

Em palavras do arcebispo, “o voltar-se para a fonte das águas é a possibilidade da plenitude da purificação: transformação. Jesus faz o segundo convite: ‘Agora tirai e levai ao mestre-sala’. E retiraram a água das talhas e levaram ao mestre-sala. O mestre-sala não sabia de onde viera esse vinho saboroso, melhor que o primeiro, de fina espécie, mas o sabiam os servos do caminho que haviam colhido, carregado, suado, sofrido a água, e haviam enchido as talhas. Sim eles sabiam da transformação. Eles os servos das núpcias, os que servem, os que fazem a festa acontecer, os que obedecem... sim, os servos sabiam de onde era o vinho mais saboroso.”

O cardeal Steiner enfatizou que “Jesus transforma a água em vinho, manifestando novo amor e nova alegria naquelas pessoas que celebravam. O primeiro sinal: a alegria de viver, de conviver, de celebrar! A graça do amor que deixa festejar e fecundar a vida.”




Ele lembrou que “Papa Francisco nos ensina: é bom pensar que o primeiro sinal que Jesus realiza não é uma cura extraordinária nem um milagre no templo de Jerusalém, mas um gesto que responde a uma necessidade simples e concreta das pessoas comuns, um gesto doméstico, um milagre, discreto, silencioso. Ele está pronto para nos ajudar, para nos aliviar. E assim, se estivermos atentos a estes “sinais”, somos conquistados pelo seu amor e tornamo-nos seus discípulos. Há outra caraterística distintiva do sinal de Caná: o vinho melhor. Geralmente, o vinho que se oferecia no final da festa era o menos bom; também hoje se faz desta forma, naquele ponto as pessoas já não distinguem muito bem se é um bom vinho ou um vinho ligeiramente regado. Jesus, ao contrário, certifica-se de que a festa se conclua com o melhor vinho. Deus quer o melhor para nós, Ele quer que sejamos felizes. Ele não estabelece limites nem cobra juros. No sinal de Jesus, não há lugar para segundos fins, para pretensões em relação aos noivos. Não, a alegria que Jesus deixa no coração é alegria plena e abnegada. Nunca é uma alegria diluída!”, citando suas palavras no mesmo domingo do ano 2022.

O casamento em Caná é um convite para vivermos com sabor, de modo compassivo, fraterno, amoroso. É uma inspiração para buscar caminhos mais humanos, mais sóbrios, mais partilhados, numa sociedade que busca o bem-estar afogando o espírito e matando a compaixão. O texto pode despertar o gosto por uma vida mais elevada, mas equânime em pessoas vazias de interioridade, pobres de amor, necessitadas de esperança. Um convite a sair para as periferias do espírito e geográfico, para manifestar o verdadeiro sentido viver com prazer!”, ressaltou.

Ele disse que “a vida do amor se expressa em um movimento próprio. É essencialmente entrega e cuidado, cuidado e entrega na gratuidade. Esse ir à fonte e voltar, voltar à fonte, sempre e continuamente, cotidianamente, é o caminho de maturação no amor. É um longo processo transformativo, vigoroso-suave. Esse cuidado e entrega que sai, não se acomoda, não se acostuma como a repetições, mas criativo, dinâmico, é um movimento que desperta dos esquecimentos e distrações. Vai em busca de renovação, volta à fonte do primeiro amor. Volta à fonte do encontro, do despertar, da atração, da iluminação de uma possibilidade de vida.”



Segundo o cardeal Steienr: “Vivemos numa sociedade onde o amor desinteressado, gratuito, vai se diluindo. Frequentemente, o amor se reduz a um intercâmbio mútuo, prazenteiro e útil, onde cada pessoa busca seu próprio interesse. A narrativa Joanea a indicar a transformação da vida, da existência humana. Maria participando da festa, das nossas núpcias, dos encontros de amor, da vida, percebendo a falta, a penúria, a necessidade, a quase mendicância da vida, atenta à pobreza, à fraqueza, diz: “Eles não têm mais vinho”! Como a alertar: falta-lhes o essencial, falta-lhes o vital, o mais importante, falta o quesentido ao encontro: o amor! “Falta o vinho”! Sem o essencial, sem o vital, não acontece a festa, vem a morte, desaparece o encanto de viver, a força de viver. Falta o amor!”

“O Evangelho a nos indicar que o amor que dá sentido à vida tem seus contratempos, é exigente, é caminho. E, por isso eleva e transforma os dias, desperta para a graça da festa verdadeira. O amor ao próximo como alguém digno de ser amado de maneira generosa, despretensiosa, gratuita. O amor é um vinho que renova, suaviza e transforma as relações, pois movimento plenificado das núpcias do amor: o vinho da alegria, a dança e canto de quem foi tomado pelo enamoramento. O outro a plenificar a vida, transformando-a na graça da participação do banquete da vida”, destacou.

“Irmãs e irmãos, as Bodas de Caná, tem um significado maior que um simples milagre de Jesus. Nada mais triste do que dizer: Não têm mais vinho. Somos provocados a superar a água conservada em talhas de pedra: uma fé triste, vazia. Somos convidados a cuidar da alegria e do amor. Da alegria da vida e do amor entre nós! O encher as talhas é um cuidado escondido, delicado, cheio de benevolência, cordialidade e gratuidade. Nesse servir e sair e voltar é que somos maturados, transformados no amor. Especialmente nas nossas relações familiares, mas também tu-eu. O caminho da fonte é Jesus que nos conduz às Núpcias do Cordeiro imolado”, disse o arcebispo.

Finalmente, ele fez um pedido: “Não falte o vinho da benevolência e da cordialidade entre os esposos, nas nossas famílias. Não falte o vinho na vida de cada um de nós para permanecermos fiéis no amor que nos convida à maturidade humano-divina. Amém.”



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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