No dia 31 de janeiro de 2020, Dom
Leonardo Steiner iniciava sua missão como arcebispo de Manaus, algo pelo qual
será “sempre grato ao Papa Francisco”. Depois de um
ano, ele faz um balanço desse tempo em que em que “apesar da pandemia vou
conhecendo as comunidades e a realidade da Arquidiocese”.
Ele tem descoberto situações de descaso, mas também tem
aprendido muito com a igreja da capital do Amazonas, uma das cidades do mundo mais
atingidas pela pandemia da Covid-19, que segundo dados oficiais, reportados
pela Fundação de Vigilância em Saúde do Estado do Amazonas, até 31 de janeiro, eleva
o número de contágios na cidade de Manaus a 120.160 e 5.575 falecidos, 2.195 no
mês de janeiro. Tudo isso, consequência, em grande parte, de um sistema de
saúde sucateado no Amazonas.
Na Arquidiocese de Manaus faleceram
cinco padres, vítimas da Covid-19, até 31 de janeiro, o que deve levar, segundo o arcebispo, “a pensar melhor o nosso modo de
ser Igreja, onde os leigos exerçam mais ministérios”, insistindo no desafio de “instituir
ministérios leigos que ajudem as comunidades na dinâmica da vida do Evangelho”.
Inclusive ele já pensa na convocatória de “uma assembleia diocesana tão logo
for possível”, e assim “ver propostas para a pós pandemia”.
O impacto econômico da pandemia está atingindo também à
Igreja católica, o que deve levar a ser “uma Igreja de comunhão e participação,
onde nos sentimos todos Arquidiocese nas necessidades, na pobreza, na riqueza e
nos dons”. Para superar a pandemia, a vacina, que é vista por Dom Leonardo como
“uma questão da ética do cuidado”, se torna uma questão fundamental, sendo
difícil entender que “altas autoridades do país ataquem a vacina como se não fosse
necessária”.
O senhor está
completando um ano do início da sua missão como arcebispo de Manaus. O que
marcou sua vida ao longo dos últimos doze meses?
É uma graça estar na Amazônia. Serei sempre grato ao Papa
Francisco por ter-me enviado para Manaus. Apesar da pandemia vou conhecendo as
comunidades e a realidade da Arquidiocese. Não deixa de chamar a atenção o
descaso com a saúde, com a periferia da cidade de Manaus, com os indígenas; o
nosso descuido com o meio ambiente, especialmente em relação ao lixo e o
saneamento básico; a admirável arquitetura das construções, infelizmente
abandonada.
Esses meses aprendi muito com a religiosidade das
comunidades, a solidariedade e generosidade do nosso povo. A pandemia veio
despertar ainda mais a solidariedade e o cuidado para com os pobres. É tocante
ver como as pessoas tem preocupação com os mais necessitados e sabem repartir. Os
leigos são ativos, sentem-se Igreja, e existe no clero um senso de pertença a
Igreja que está em Manaus.
Manaus tem sido uma das cidades mais atingidas
pela pandemia da Covid-19, tanto na primeira como na segunda onda, tendo graves
consequências na vida do povo e da Igreja manauara. O que isso tem representado
e quais os ensinamentos que a sociedade e a Igreja deveriam tirar de vista do
futuro?
Um dos motivos de tantas mortes foi o colapso do sistema público de
saúde. Os governos têm ignorado, tem sucateado o sistema de saúde no Amazonas. As
pessoas morrerem sufocadas por falta de oxigênio demonstra uma realidade que
pede ação da Justiça e um movimento da sociedade de fiscalização do dinheiro
público; exigir uma gestão digna, justa. O que espanta é a indiferença e a
incapacidade de demonstrar solidariedade com os entes federativos e com as
famílias enlutadas. Ficou evidente o descaso com os indígenas que vivem na
cidade.
Aprendemos como Igreja a estar ainda mais ao lado dos pobres, com os
pobres. Aprendemos a organizar ainda mais a nossa caridade. A impossibilidade
de participação presencial nas igrejas nos responsabilizou no viver o
evangelho. Estarmos distantes significou proximidade na oração, na leitura da
Palavra de Deus. Cresceu o desejo de nos encontrarmos nas celebrações. Foi
necessário encontrar modos de continuar a iniciação à vida cristã das nossas
crianças, jovens e adultos. Foi e está sendo um exercício no seguimento de
Jesus.
A Arquidiocese de Manaus tem perdido cinco padres
desde o início da pandemia. A falta de clero na Amazônia e na arquidiocese
sempre tem sido um desafio. Qual tem sido seu sentimento como arcebispo, diante
da perda desses seus colaboradores mais próximos?
Sim, vieram a óbito cinco padres, mas também irmãos e irmãs que eram
lideranças nas comunidades, que exerciam diversos ministérios. A sensação de
perda, na realidade, apenas nos remete para a realidade definitiva, o Reino na
sua plenitude. Os presbíteros são os colaboradores mais próximos das comunidades
na Igreja. Eles são os animadores, formadores das comunidades e os que presidem
sacramentos.
Somos levados a pensar melhor o nosso modo de ser Igreja, onde os leigos
exerçam mais ministérios. Manaus é uma igreja que dá muita importância às
lideranças das comunidades. Seremos provocados a instituir ministérios leigos
que ajudem as comunidades na dinâmica da vida do Evangelho. Mas, não nos
esqueçamos que os irmãos e irmãs que vieram a óbito, continuam conosco, pois
vivemos na Comunhão dos Santos. Eles e elas nos acompanham nas nossas
tentativas de ser presença do Reino da verdade e graça, da justiça, do amor e
da paz.
A pandemia tem acrescentado o enfrentamento
social e político no Brasil. Quais são as causas de tudo isso e quais deveriam
ser as consequências?
A pandemia veio desnudar a nossa realidade social, política, econômica,
mas também religiosa. Temos mais pobres do que calculávamos e teremos bem mais
passada a pandemia. Trouxe às claras o modo da indiferença em relação aos que
padecem com o vírus, do negacionismo em relação à ciência, da violência em
relação à dor e às mortes, das políticas públicas não discutidas, aprovadas e
executados nesse tempo da pandemia. Lideranças políticas transgrediram as
recomendações da ciência e desejaram impor tratamentos sem comprovação
científica. Falta quem lidere, organize a vacinação da população.
Não podemos esquecer que lideranças religiosas acharam que seriam
capazes de expulsar o vírus, prestando um desserviço no enfrentamento da
pandemia. Não conseguimos como sociedade nos unir para oferecer uma estratégia
para a superação do vírus e chegamos à uma segunda onde ainda mais mortal. As
notícias falsas e as desinformações não nos ajudaram. A consequência é uma
segunda onde mortal.
Certamente estamos diante da necessidade de uma comunhão e partilha
maior. Seremos mais pobres economicamente, mas mais Igreja. Significa: colocar ainda
mais em comum os nossos recursos financeiros e os nossos bens de humanidade, de
fé. Seremos uma Igreja de comunhão e participação, onde nos sentimos todos Arquidiocese
nas necessidades, na pobreza, na riqueza e nos dons. Uma realidade
significativa na igreja de Manaus é o sentimento de pertença, de ser
Arquidiocese.
Essa pertença deverá refletir-se também economicamente para que as nossas
comunidades do interior e das periferias, se sintam, uma igreja na partilha dos
bens e dos dons. Tudo para que ninguém fique para trás e nem passemos pelo
outro lado sem perceber que alguém ficou pelo caminho. Somos nesse momento
provocados a sair ao encontro dos mais necessitados. Teremos mais rostos de
homens e mulheres pobres entre nós, depois da pandemia. Será nosso propósito
que eles façam parte da nossa Igreja, pois são carne de Cristo.
O episcopado brasileiro, seguindo a postura do
Papa Francisco, está fazendo uma forte defesa da vacina. O Brasil é um dos
países onde existe maior rejeição à vacina, inclusive da parte de alguns
católicos, qual a reflexão que essa postura provoca no senhor?
Deveríamos questionar a falta de inciativa e organização da parte do
governo federal na busca da vacina. Nós temos centros de pesquisa de renome; o
que foi feito com eles? O Brasil tem tradição de pesquisa de vacinas e tradição
em vacinação. É difícil entender como está presente na sociedade uma ignorância
em relação à vacina. Ainda mais difícil que altas autoridades do país ataquem a
vacina como se não fosse necessária.
Trata-se de um olhar egoísta infundado. Uma falta de solidariedade para
com todos os brasileiros e brasileiras, pois é o modo oferecido pela ciência de
sairmos da espiral da morte. Mas tenho a impressão que esses irmãos e irmãs
passarão a outra compreensão depois de terem perdido um ente querido ou tiveram
que olhar a morte. Só assim sairão de seu mundo fechado e ignorante. A vacina é
uma questão da ética do cuidado.
Diferentes vozes dentro da Igreja estão
refletindo sobre a necessidade de novas estruturas e modelos pastorais após a
pandemia. Como deveria se concretizar esse tempo pós pandemia na Igreja de
Manaus? Quais os gritos que a realidade de Manaus coloca na frente da Igreja
local de em vista do futuro?
Vejo a necessidade, e já estou conversando com os vigários episcopais, padres, leigos a respeito de convocarmos uma assembleia diocesana tão logo for possível. Realizarmos com as comunidades uma avaliação da nossa realidade eclesial e ver propostas para a pós pandemia. Na escuta e ação sinodal continuarmos o caminho que o Evangelho nos propõe. Existem aprendizados, e existirão realidades diferentes. Certamente teremos mais pobres, mais pessoas vivendo nas nossas ruas, mais trabalho informal. Um bom número das lideranças de nossas comunidades veio a óbito.
Como ajudar a curar as feridas? Como estar mais
presente nos meios de comunicação? Como estar junto do povo de Deus? Perceber
que o Evangelho é um modo de vida, não de ideologia; é seguimento de Jesus e
não devocionismo. Talvez possamos sair da pandemia melhores: solidários,
consoladores, samaritanos, fraternos, cordiais, gratuitos. Quando nesses dias
somos levados e pensar e meditar a morte, temos a chance de perceber o
essencial da vida, perceber o crístico do ser cristão.
Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1
Ajudar mais e compartilhar com quem nada tem é uma forma de amor ao próximo. É preciso mais empatia com o povo Amazonense.....
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