Nas regiões de fronteira, o tráfico de pessoas, um dos crimes que gera mais lucros para as
redes criminosas internacionais, é uma das maiores ameaças, especialmente para
as pessoas mais vulneráveis. Mas, ao mesmo tempo, é algo que se torna
invisível, escondido, muitas vezes devido ao risco de o denunciar.
Seminário de formação
Combater
esta realidade é um dos objetivos da Rede de Enfrentamento Tráfico de Pessoas na
Tríplice Fronteira, que desenvolve o seu trabalho no Peru, Colômbia e Brasil, e
que de 1 a 3 de setembro realizou o seu seminário anual de formação, com o tema
"Tráfico de Pessoas na Tríplice Fronteira, uma realidade invisível",
na comunidade de Puerto Alegría (Peru), um encontro que faz parte do projeto
"Igreja Sinodal com Rosto Magüta".
Segundo
informaram a leiga missionária xaveriana Marta Barral e o irmão Lautaro Soria,
de La Salle, membros da coordenação do Seminário, o encontro contou com 50
participantes, homens e mulheres de diversos setores: educativo, sanitário,
social, pastoral, religioso, indígena, juvenil, e de diferentes
comunidades e cidades do triângulo amazônico Peru, Colômbia e Brasil, e contou com a assessoria da irmã Rose Bertoldo, da Rede Um Grito pela Vida de Manaus e secretária
executiva do Regional Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB). Ao longo do seminário analisaram a realidade para reconhecer os diferentes tipos de violência
que são vivenciados no dia a dia e como, consequentemente, o tráfico de pessoas
está ganhando espaço nessa realidade.
O encontro foi realizado em ticuna, português e espanhol, uma diferença linguística que não foi
impedimento, pois ao longo dos dias prevaleceu a vontade de partilhar, aprender
e trabalhar em conjunto. Para isso, começaram por tomar consciência da
violência que existe à sua volta: abandono familiar, abandono escolar, alcoolismo,
droga, fome, falta de trabalho, suicídio, desintegração familiar, destruição do
ambiente, turismo sexual, maus tratos, violência familiar, corrupção, abuso
sexual, feminicídio, bandas criminosas, gravidez precoce, trabalho infantil,
assédio, casamento forçado, prostituição, recrutamento de crianças, pobreza,
falta de justiça...
Realidades interligadas
Realidades
às quais é importante dar nomes, ter consciência de que muitas delas estão
interligadas, que uma mesma pessoa pode sofrer várias formas de violência, como
foi sublinhado durante o seminário. Mas, acima de tudo, ficou claro que elas
não devem ser naturalizadas, que nenhum tipo de violência pode ser normalizado
ou justificado culturalmente.
Os
participantes no seminário trabalharam os conceitos de abuso e exploração
sexual, que estão presentes na região e estão intimamente relacionados com o
tráfico de pessoas. Discutiram também as diferentes finalidades do
tráfico: exploração sexual, trabalho escravo, extração e venda de órgãos,
adoção ilegal, casamento servil, servidão doméstica, mendicância, recrutamento
para atividades ilícitas, tornando visíveis algumas situações encontradas nas
comunidades da Tríplice Fronteira.
Causas do tráfico
As causas
destes crimes são a mercantilização da vida, pois, como foi referido no
seminário, o dinheiro está no centro do sistema económico capitalista, tudo é
útil para ganhar dinheiro. Outro elemento que emergiu foi a desigualdade
socioeconómica, onde a riqueza está concentrada nas mãos de poucos, enquanto os
pobres são vulneráveis à exploração. Também foi observada a exploração do
trabalho, que gera competitividade e busca pelo lucro máximo, criando empregos
em condições de escravidão. Outro fator foi o patriarcado, o machismo e o
racismo, a ideia de superioridade dos homens sobre as mulheres, que favorece a
sua objetificação e o tráfico de seres humanos. A demanda também apareceu, pois
para que as pessoas sejam comercializadas, há uma demanda, clientes dispostos a
comprar, a pagar para usar. Por último, foi salientado que os migrantes e os
refugiados têm o direito de procurar melhores condições de vida sem serem
considerados ilegais.
Os
participantes no seminário insistiram na necessidade de formação para poderem
identificar casos de tráfico, a fim de poderem proteger e denunciar, para
acabar com a impunidade e a invisibilização do tráfico de seres humanos. O
maior desafio reside no fato de se pensar como se pode agir perante estas
situações. A coordenação do encontro insiste que ver e reconhecer o que está a
acontecer na região é um primeiro passo, mas é necessário passar do ver para o
ser encorajado a encontrar e construir em conjunto uma resposta para enfrentar
uma realidade que viola os direitos de todas e todos.
Cuidar, apoiar, prevenir
O seminário
foi uma oportunidade para insistir no apelo do Papa Francisco para cuidar e
apoiar as vítimas e trabalhar na prevenção. Um apelo que provocou a procura de ações
concretas em defesa da vida nas diferentes comunidades de origem dos
participantes. Um compromisso que deve centrar-se nos jovens e adolescentes,
fazendo um chamado a ações de sensibilização dirigidas a eles. O objetivo é também chegar
aos locais onde estão os consumidores e abusadores: autoridades públicas,
igrejas, serviços turísticos, entre outros, de forma a sensibilizar e garantir
que, em todos estes locais, existem pessoas capazes de identificar e agir
perante possíveis casos de tráfico de seres humanos.
Um seminário
que é visto pelos organizadores e participantes como intenso e produtivo,
destacando-se o espírito de trabalho e participação de todo o grupo, por ter
criado um espaço de construção coletiva, criatividade e fortalecimento da rede
de defesa da vida na Tríplice Fronteira.
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