No dia 8 de
novembro de 2023, o Papa Francisco nomeou o padre Raimundo Vanthuy Neto, do
clero da diocese de Roraima como novo bispo da diocese de São Gabriel da
Cachoeira. Nascido no Rio Grande do Norte, ele se diz amazônida de coração, pois
chegou em Roraima com 9 anos. “A Amazônia tem uma das características mais
bonitas, que é a acolhida de quem chega aqui”, uma marca secular. Ele coloca
uma imagem: “é como se debaixo das árvores pudesse ter outras árvores pequeninas,
e elas não incomodar; debaixo dos rios tem um lugar para todo mundo”, se dizendo
contente de saber que seus pais foram acolhidos em Roraima, fugidos de situações
de desemprego, da fome, da seca do Nordeste.
Gestado na Igreja de Roraima
“A Igreja
de Roraima me fez padre da Amazônia, com uma preocupação principal do cuidado
com os povos indígenas, com a casa comum”. Segundo Mons. Vanthuy, “eu fui
gestado na Igreja de Roraima e no Seminário São José de Manaus”, onde ele conviveu
com seminaristas de São Gabriel e onde posteriormente ajudou na formação de
alguns dos atuais padres dessa diocese. Isso lhe leva a dizer que “ao mesmo
tempo que eu me sinto um total estranho, não sou um estranho total da região”.
O fato ter
sido formado na Amazônia para servir como bispo à Igreja da Amazônia, “isso
deixa a gente livre, mas deixa preocupado, que nem sempre profeta dentro de
casa responde”, uma das experiências que diz ter mais sentido nas primeiras
horas depois da nomeação, inclusive com as muitas ligações em que as pessoas o
diziam ser a pessoa certa e acreditar nele. Algo que lhe produz alegria, mas
que também o leva a se perguntar se está apto a responder a isso que o povo
espera dele.
Corresponsável com os outros
Uma
situação que levou o bispo eleito a se questionar: “E se é Deus que me chama? E
se lá eles já me esperam? E se no desígnio de sua vida estava também colaborar
com a Igreja de São Gabriel”. Ser bispo na Amazônia é vivido como uma graça
grande, “me sinto responsável, porque os outros me fazem homem corresponsável.
A responsabilidade não é coisa minha, mas é também um dom que os outros me
fazem”.
Mons. Vanthuy
afirma ir para São Gabriel, “como um irmão que entra na barquinha da Igreja de São
Gabriel, uma barca que tem marcas, por exemplo a grande marca dos Salesianos de
Dom Bosco, das Salesianas, mais de cem anos de história”. Ele lembra de Dom
Edson Damian, que abriu uma picada, veio de uma outra concepção, não religioso,
não salesiano, brasileiro. Segundo o bispo eleito, chegando em São Gabriel, “eles
vão perceber que eu sou padre brasileiro, nordestino que chegou na Amazônia e
encontrou acolhida, que tal vez foi mandado a São Gabriel pela questão dos
povos indígenas de Roraima, pela opção que a Igreja fez de lutar pela terra, e
que lá eu me fiz próximo”.
Chegar como um aprendiz
“Diante de
23 povos, 16 línguas faladas, eu chego lá muito como aprendiz”, insiste. “Um
aprendizado que não vai ser o mais importante da minha vida, mas com certeza
será um dos mais marcantes”, afirmando viver em um ambiente eclesial que tem
esses sinais. “O Papa Francisco quer ajudar a Igreja a ser aberta e eu chego lá
para descobrir uma Igreja que tem caminhado com seus passos bonitos, mas também
com seus limites, mas numa abertura de querer aprender, numa abertura de escutar
e de dar passos juntos”. Ele é consciente que não será fácil, dadas as
dificuldades económicas, mas sabendo que “Deus vai ajudar e eu não vou lá para
resolver problemas de tudo”, tentando achar as saídas e as possibilidades.
Um desafio,
mas que também vê como consolação, é “saber trabalhar com o possível”, afirma o
bispo eleito. Ele fala dos sonhos que tem ido tentando concretizar ao longo de
sua vida, insistindo em “querer fazer as coisas junto com os outros, não
sozinho, nem a partir de mim, mas a partir de um grupo de pessoas que sonham
juntos e que vão tentar fazer juntos”. Ele coloca como primeiro sonho, “um bom
diálogo, uma boa abertura, uma boa confiança nos padres de São Gabriel, eles
podem ser a minha porta mais bonita da minha vida lá como bispo”, com os limites
que cada um tem. Esse trabalhar com o possível “tem por trás o Verbo Encarnado,
que quando se encarnou, o sonho dele era a mudança do mundo, mas Ele trabalhou
com os homens e as mulheres que lhe foram dados”, afirma.
Harmonia entre as sociedades e a natureza
Pelo fato
dessa região ser um dos espaços ainda menos tocados pela mão humana, pela “experiência
da destruição”, ele destaca que “há ainda uma harmonia muito grande entre as
sociedades e a natureza na região de São Gabriel”. Uma região onde vai ter que
aprender a puxar o bote nas cachoeiras, a superar o medo a nadar, afirmando que
o principal sinal dele, “não será as insígnias de outros bispos, mas será o
colete salva-vidas, para ir ao encontro das pessoas”, dizendo querer vencer
seus medos das águas, dos banzeiros altos, das intempéries, “para poder chegar aonde
Deus me espera e lá eu tenho que descobrir algo de Deus”.
O bispo
eleito denuncia o avanço sobre o Rio Negro da mão forte do agronegócio, do
garimpo, da pesca predatória, da negação do direito dos indígenas. Isso o leva
a um sonho de aliança com os povos de lá, que já vivem isso e onde diz entrar “como
coirmão, como cooperador, como aquele que quer ajudar”, afirmando que os povos
indígenas têm um papel muito importante, especialmente no cuidado da Amazônia.
Igreja aberta à inculturação
Ele se
referiu a “uma Igreja que se abre a essa experiência tão falada, tão esperada
da inculturação”, dizendo ter que se sentar perto dos missionários que lá
estão, “e avançar na coragem”, dado que é algo que aparece em diversos
documentos, como Aparecida ou o Documento Final do Sínodo para a Amazônia, onde
“fala de um avançar na inculturação, porém, quando chega na prática a gente
pode ficar um pouquinho com o alegórico, que é bonito, mas tentar entrar em
algo mais profundo, e aí entra o tema da ministerialidade”.
Mons.
Vanthuy se diz consciente de chegar “numa Igreja marcada pelos leigos, os poucos
padres, os poucos missionários, e as comunidades que levam para frente o
anúncio do Evangelho e da fé”. Diante dessa realidade diz chegar “com o desafio
de avançar, de dar passos mais largos nessa questão da inculturação e do diálogo
interreligioso”. Ele vê como um dos papeis mais bonitos da Igreja, dos pastores
da Amazônia, “ajudar a salvar os caminhos religiosos que Deus instaurou com
estes povos, com estas culturas”, dizendo não ver “contradição entre o anúncio
do Evangelho, a propagação da fé e a salvação”.
No diminuir o caminho religioso dos indígenas
“Quando um
caminho religioso de um povo indígena, de uma comunidade é diminuído, é negado,
é como a gente ficasse cego diante de uma luminosidade de um olhar e de um caminho
que Deus instaurou para a humanidade”, destacou. Segundo ele, “a Igreja de São
Gabriel tem um papel importante de diálogo, mas também de Soteriologia, de ajudar
a descobrir que salvar os caminhos religiosos dos povos
indígenas é também missão da Igreja, que recebeu esse papel de cooperar com
a salvação da humanidade”.
Igualmente destaca
a experiência da Igreja do Regional Norte1 da CNBB como grande alicerce para o
ministério, lembrando pessoas que fizeram parte de seu caminho, que define como
“partícipes de um caminho que essa Igreja foi vivendo de comunhão e de
participação. A gente não falava da palavra sinodalidade, mas esse desejo de
caminhar juntos, de acertar juntos”, destacando como experiências bonitas em
sua vida de padre as assembleias em todos os níveis. Ele fala das vezes em que “uma
senhorinha do interior, ela pode levantar a voz e dizer para o arcebispo, dizer
para o missionário, missionária, eu acho que a Igreja poderia tomar esse caminho.
E aí, quando se coloca em votação, se descobre que aquela ideia se tornou uma
pista, uma diretriz para a Igreja local”.
Escuta e caminhar juntos
“Aí está a
base daquilo que será meu ministério lá, além de escuta, de caminhar juntos, de
descobrir que com o povo de Deus nós vamos a acertar um caminho, vamos trilhar
aquilo que já está de uma certa forma indicado”, ressaltou. Ele diz levar essa
bagagem, uma Igreja que tenta caminhar juntos, que tenta responder ao Evangelho
juntos, de uma comunhão estreita com os bispos, de uma tentativa de pensar os
padres, pensar a vida religiosa juntos, e não separados”, relatando experiências
vividas em Roraima, onde “todo mundo faz as coisas juntos”. Ele insiste na
continuidade, mas também avanço.
Recordando
seu lema episcopal, “Servir na Caridade e na Esperança”, ele fala da Populorum
Progressio, onde Paulo VI “deu uma luz para a Igreja da Amazônia”, algo que
também aparece no Documento de Santarém. “A caridade é ajudar as pessoas a sair
de condições menos humanas para condições mais humanas”, um propósito para sua
missão em São Gabriel, o que tem a ver com negar o alimento, a dignidade, o egoísmo,
o ser fechado em si mesmo. Diante disso, ele propõe o testemunho, de modo especial
com a palavra do Evangelho, a escuta de Jesus, o que leva a concretizar esse
passar para condições mais humanas. Um dom da caridade que Jesus deixou na Última
Ceia, que coloca o amor como medida da caridade, apontando para a dignidade, eu
vim para que todos tenham vida.
Apontar a esperança do Reino
Com relação
à esperança, ele disse que “diante de um mundo que se fecha, um mundo marcado
pelo fechamento às questões culturais, às questões humanas, um mundo que se isola,
uma sociedade cada vez mais individualista, apontar a esperança do Reino,
apontar a esperança de homens e mulheres que sabem trabalhar juntos, apontar a
esperança da vida comunitária, apontar a esperança da corresponsabilidade pelo
bem dos outros, apontar a esperança do cuidado da casa comum, é sonhar com um
outro mundo possível, é sonhar com outra Igreja”. Algo que segundo o bispo
eleito, “só é possível a partir dos homens novos, como São Paulo diz, que
brotam do Evangelho, mas brotam de relações fraternas”.
Nesse
ponto, considera que em São Gabriel, “o humus é de primeira, porque não tem
cultura que tenha uma sensibilidade tão grande para a vida comunitária como as
culturas indígenas, de uma corresponsabilidade dos outros”, o que se faz
presente em práticas concretas de vida. “O terreno é por demais bom, o desafio
é nós acertar na semente”, colocando a Palavra como uma delas, e os humanos
como a outra semente, “somos os homens e as mulheres que fazemos essa semente
não só se espalhar, mas também ganhar força”, aí onde é preciso ter esperança.
O lado da
Palavra de Deus é garantido, o lado das culturas, o adubo é de primeira, o
cuidado com a casa comum, a vida comunitária, o menor não abandonado, o zelo pela
natureza, a mística envolvida que tudo é sagrado. Diante disso vê como desafio
acreditar nas possibilidades que tem, pedindo a luz de Deus para ele e para a Igreja
de São Gabriel, não ter medo. Ele pede que quando o medo surgir, São Gabriel faça
a mesma coisa que fez com Maria, “não tenha medo, e que são Gabriel nos empuxe
na coragem, nos lance na valentia, nos lance pelo caminho da caridade e da
esperança”.
Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1
Lindas palavras Monsenhor Vanthuy. Tenho certeza que São Gabriel ganha muito com a sua nomeação. Deus o ilumine e proteja nessa nova jornada.
ResponderExcluirFará muita falta para nós em Roraima. Mas Deus lhe chama para mais um missão linda que é o cuidado com os povos indígenas. DeDeus sbrn
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