domingo, 3 de março de 2024

Dom Leonardo: “Não importa a pessoa, importa o ganho, o lucro mesmo que seja à custa dos pobres”


No Terceiro Domingo da Quaresma, o cardeal Leonardo Steiner iniciou sua homilia lembrando que “ouvimos e vimos o zelo de Jesus pela Casa de Deus, pelo templo. O zelo e cuidado o leva a expulsar os vendiam dentro do templo. O zelo que deseja a purificação do espaço da sacralidade, do encontro, das preces, das oferendas. O espaço de peregrinação, de culto, das festas litúrgicas, onde se ofereciam os sacrifícios de animais em louvor a Deus, se resgatavam os primogênitos, se ouviam os ensinamentos. Era a expressão do centro da fé do povo de Israel”.


O arcebispo de Manaus recordou que “no início, nos primeiros tempos das celebrações, das peregrinações, os locais de compra e venda das oferendas e os animais para os sacrifícios, ficavam distantes do templo. Como o passar dos anos, os negócios, a compra e venda, a troca do dinheiro, começaram a acontecer no próprio templo. E o templo tornou-se lugar de negócio, uma espécie de mercado. Poderíamos imaginar que no tempo de Jesus o templo, além do lugar da expressão da fé, tinha se transformado num conjunto de ‘lojas’ ou dependências ‘comerciais’ para atender os fiéis peregrinos que desejavam fazer suas oferendas e sacrifícios”.


“O lugar do encontro, das oferendas, da peregrinação, da oração, das promessas, da palavra, da escuta, transformado em negócio”, destacou Dom Leonardo. Segundo ele, “lá onde deveria haver oferendas, ofertas, se negociava, se trocava, se fez uma casa de negócios”, recordando que “um místico medieval nos diz que a expulsão dos vendilhões do templo, ou a purificação do templo é próprio de quem deseja deixar a casa livre para Deus habitar. Livre para que as relações entre Deus e os peregrinos, sejam sem trocas e viva somente da beleza do amor gratuito. As oferendas e os sacrifícios poderiam ser expressão da gratidão, da ação de graças. Uma relação livre e benévola”.


Segundo o místico, “o templo é a imagem de quem somos. Somos o templo, a morada de Deus. Jesus indica que deseja o templo de cada pessoa desocupado, livre para comunicar os seus dons e conceder gratuitamente a suas graças. Uma disponibilidade ao encontro. Encontro que acontece no templo que somos nós!” Como nos diz um místico, recordou o cardeal: “Deus quer ter esse templo vazio, a ponto de ali não haver nada mais do que Ele só. Esta é a razão por que Ele se sente tão bem aconchegado nesse templo, sempre que nele só Ele se encontra.”, citando os Sermões alemães.





“Somos o templo, e Deus a arde em desejo de habitar em nós, nos plenificar. Mas nós muitas vezes imaginamos que na fé devemos negociar com Deus”, disse o cardeal Steiner. Ele destacou que “rezamos, jejuamos, damos esmolas para que Deus nos ajude ser melhores. Fazemos como que uma troca, um negócio”. Frente a isso, “Deus na sua bondade está sempre a nos oferecer todas as bênçãos e graças. O jejum, a esmola, a oração que nos pede o tempo da Quaresma, deveria ser sinal da nossa disponibilidade e receptividade. Não é troca, não é negócio, não é petição, e como Jesus nos ensina: é purificação, libertação”.

Somos convidados a uma fé de relação amável, afetiva, livre”ressaltou Dom Leonardo. “Por isso, expulsar as trocas, as negociações, a compra e venda. O Evangelho não é negócio; não se vende e nem se compra. É um modo de vida, onde Deus é tudo para nós, pois nos cumula de bênçãos e graças. Mesmo quando nos encontramos em situação de aflição, pobreza, injustiça Ele está conosco. Esse movimento de corresponder a Deus é expressão de nosso desejo de nosso de purificação, de uma espécie de esvaziamento para que o Ressuscitado more em nós”, insistiu.


O arcebispo de Manaus questionou: “Se somos templos onde Deus deseja estar, morar para nos plenificar, onde chegamos com nossa mentalidade de negócio e de mercado?” Diante disso, “as pessoas viraram mercado, negócio. Não importa a pessoa, importa o ganho, o lucro mesmo que seja à custa dos pobres”. Uma realidade que lhe levou a destacar, “como é consolador e motivo de ânimo e de bondade ver irmãos e irmãs sempre atentos às realidades sofridas e saem ao encontro dos mais pobres, não para oferecer esmola do que sobra, mas para oferece justiça, dignidade e também o pão. Tudo na liberdade de quem crê”.


“O templo que somos nós depois da morte e morte de cruz e da ressurreição de Jesus, adquiriu uma dignidade tal que exige a superação do ser vilipendiado, destruído, agredido, espancado, violentado, ignorado, descartado. É um sofrimento ver e dizer: tudo porque não produzem, não dão lucro, não ajudam no mercado. É inaceitável que os nossos idosos sirvam apenas dar lucro porque necessitam de medicamentos, que são uma despesa através das políticas públicas, que os pobres são um estorvo. Jesus no Evangelho de hoje nos ensina que eles são o caminho da libertação, da purificação do templo que somos nós, quando somos na gratuidade”, enfatizou.


Segundo o cardeal Steiner, “somos templo, morada de Deus! Ao meditarmos a nossa dignidade de casa de Deus, recordamos que a sexualidade que faz parte do templo onde Deus habita. Ela está a implorar dignidade, cuidado, afeto, superando da violência, da animalidade das relações, a sua exacerbação. Quanta propaganda, quanto lucro, quanto despudor em relação à sacralidade da sexualidade. Não se trata de moralismos, de achaques ou arroubos de tradicionalismo. É a necessidade de cuidado e recato com o que temos de íntimo, de relações de intimidade, de vida. Quanto temos que purificar o templo da nossa humanidade quanto à sexualidade! Quanto trabalho em nossa humanidade para que participemos da liberdade que Jesus nos oferece com sua morte e ressurreição. Não precisamos negociar com Deus. Coloquemo-nos diante dele como filhas, filhos com o desejo de sermos por Ele amados e cuidados”.





Comentando a segunda leitura ele destacou “o segredo da cruz, do Crucificado; o anúncio do Crucificado!”. Segundo Dom Leonardo, “a cruz é gratuidade! Jesus nada trocou no alto da cruz. Tudo entregou, livre e gratuitamente. Naquele ‘nas tuas mãos eu entrego o meu espírito’, está a liberdade de quem se joga sem saber se o outro o vai amparar. Nada mais solto, livre e gratuito que o Crucificado. Ali a verdadeira transformação, ali a ressurreição! Nada mais de si tudo ao Pai. Na cruz deu tudo, na cruz tudo recebemos. A Cruz é o extasiamento da bondade de Deus, a gratuidade de uma relação. Paulo reconhece “escândalo para os judeus e insensatez para os pagãos. Mas, para os que são chamados, tanto judeus como gregos, esse Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus”. A fraqueza da bondade e da gratuidade do amor do Crucificado é a fraqueza de Deus, e a nossa libertação! Deus não sabe ser diferente, não pode ser diferente; não seria Deus! Com Deus não necessitamos negociar, trocar, comprar e vender. Nele tudo é gratuito, pois ofertado na Cruz. O que temos que não recebemos?”

“O tempo da Quaresma sempre está a nos lembrar a conversão, a mudança de vida, a purificação, a liberdade da vida segundo o Evangelho. Tudo para que estejamos prontos a receber a vida nova que Jesus nos oferece com sua morte e ressurreição. Na caminhada de purificação e libertação somos despertados para a necessidade de reconciliação entre nós, nas famílias, comunidades, na sociedade. Expulsar, na expressão do Evangelho, as afrontas, as desditas, as maledicências, a violência, a indiferença, os abusos, para recuperarmos o espaço do amor-liberdade e haja o reencontro de uma vida de cuidado, de afeto, respeito e justiça”, destacou o arcebispo de Manaus.

Ele lembrou as palavras de Papa Francisco em sua mensagem para a Campanha da Fraternidade 2024, onde diz que: “somos convidados a construir uma verdadeira fraternidade universal que favoreça a nossa vida em sociedade e a nossa sobrevivência sobre a Terra, nossa Casa Comum, sem jamais perdermos de vista o Céu, onde o Pai nos acolherá a todos como seus filhos e filhas. (…) A Campanha da Fraternidade, auxilie às pessoas e comunidades no seu processo de conversão, superando toda divisão, indiferença, ódio e violência”.


Comentando a Primeira leitura, que diz “Eu sou o Senhor teu Deus”, o cardeal Steiner disse que “Deus é tudo para o Povo de Israel, como é tudo para nós. Não apenas porque não tem outros deuses, mas porque Deus estabeleceu uma relação de intimidade e história com seu povo. É o Deus de Abraão, Isaac e Jacó, Deus de nossos pais; todos nos sentimos descendentes dos patriarcas, dos pais na fé, e, por isso, Ele continua a ser tudo e todo. Mandamentos são mais que preceitos; são cuidados, purificações de nossas ações diárias para que Ele seja o Senhor nosso Deus. Permanecer na presença do Senhor e confessar sempre de novo que Deus é senhor nosso Deus”.


Finalmente, fez um chamado a que “façamos o jejum, a oração, a esmola de modo que a mão direita não saiba o que faz a esquerda. Tudo apenas como admiração de como Deus é o nosso Deus e como Ele reconstrói o templo com a ressurreição”.




Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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