O Evangelho do 16º Domingo do
Tempo Comum, “a nos ensinar que Jesus que busca um lugar deserto para descanso,
pois havia tanta gente saindo e entrando que não tinham nem tempo para comer”,
disse o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Steiner. Segundo ele, “a agitação
acontece depois das narrativas da missão realizada: pregação, curas,
libertação. Os discípulos enviados para o anúncio do Reino de Deus para curar
de espírito impuros, voltam da missão e são tomados pela necessidade de narrar
tudo o que haviam feito e ensinado. É no meio do burburinho e agitação da
missão realizada e da missão que continua com sua quase fadiga, Jesus convida
os discípulos para o deserto para a solidão”.
“Deserto, solidão!”, disse dom
Leonardo, vendo a solidão como “uma palavra cheia de significado: soli-tudo. O
estar na harmonia do todo, o ser aceito pelo todo que dá vida. O Tudo que nos
faz ser todo por inteiros, íntegros, transparentes. Íntegros, por inteiros,
pois a sós com Aquele que deixar ser todas as coisas e todos os seres do
universo. Nesse sentido solidão se desvencilha da compreensão de que estamos
sós, perdidos, sem ninguém”. Pelo contrário, afirmou o cardeal, “estamos com ‘Aquele
que me dar forças’, na expressão de São Paulo; Aquele que é ‘Meu Deus e meu
Tudo’, na oração de Francisco de Assis”.
“Solidão que deixa de lado o
isolamento para estar com Aquele que constitui o nosso TUDO. Soli-tudo: só com o
Tudo, Todo. Dirigir-se para o deserto é bem mais que dirigir-se a um lugar
geográfico, inóspito, de desolação”, ressaltou o arcebispo de Manaus. Segundo
ele, “é a busca do Mistério que recolhe todas as realidades de síntese, de
contradição, de reconciliação. Nesse sentido Jesus conduz os discípulos para um
lugar onde possam perceber que nele há salvação, Ele a graça do tudo, do todo.
Ele a razão da pregação e da cura! Para que os discípulos percebessem que a
pregação e a liberdade não partiam deles era necessário busca o Todo, o Tudo”.
“Ao chegar ao Tudo, ao Todo, a
presença dos mesmos necessitados, dos mesmos desesperos, das mesmas desilusões,
das mesmas doenças, das mesmas necessidades, dos mesmos desfigurações, das
mesmas frustrações, dos mesmos desejos, esperanças e buscas”, afirmou o cardeal
Steiner. “Ali novamente uma humanidade necessitada de cuidado, de cura e
libertação. Ali na solidão, no lugar afastado, a percepção de que no Tudo e
do Todo se percebe melhor a fragilidade humana, a humanidade fragilizada”,
segundo dom Leonardo.
Citando o texto: “E ao
desembarcar, Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, porque eram como
ovelhas sem pastor”, dom Leonardo destacou que “Viu! Buscava solidão e viu! O
olhar de Jesus que não se fecha diante da multidão que procura enquanto ele
busca a solidão. Olha e fica comovido. As pessoas não incomodam a Jesus.
Ele percebe a procura, a desilusão no rosto daquelas mulheres e daqueles
homens. Percebe o abandono no qual vivem. Ele capta o sofrimento, a solidão, a
confusão, o abandono que experimentam. Jesus viu a necessidade mais profundas
daquelas pessoas: “eram como ovelha sem pastor”. Homens e mulheres, sem
destino, sem cuidado, sem orientação. Vivem sem que ninguém cuide delas. Homens
e mulheres sem quem defenda e guie. Foi tomado de compaixão, teve compaixão,
tornou-se compadecido. As necessidades, os necessitados, os fragilizados, dos
desencaminhados, os tomados de maus espíritos, ali estavam e ele vendo-os todos
é tomado de compaixão”.
Novamente a partir do texto: “Teve
compaixão, porque eram como ovelhas sem pastor”!, o cardeal enfatizou,
inspirado no Dicionário Etimológico: “compaixão, compadecer-se, ter compaixão,
se compadecer de alguém. Com-paixão: com
estar junto de, ser lançado para a proximidade de, estar na companhia de
alguém; paixão, patior, o padecer uma
ação, ser tocado pela dor, pelo sofrer; ser atingido pelo sofrer do outro”. Segundo ele, “a pessoa que sente compassio,
compaixão, é atingida pelas necessidades do outro que sofre e, por isso,
sai-lhe ao encontro. No evangelho de Lucas lemos: “Um samaritano que estava
viajando, chegou perto de ele e, ao vê-lo, moveu-se de compaixão. Aproximou-se
dele tratou-lhe as feridas, derramando nelas azeite e vinho.” (Lc 10,33-34) O
samaritano é atingido pela dor, pela necessidade, pela quase morte do que fora
assaltado. Porque atingido, é movido para a proximidade, o quase morte o
atrai, e é que é atingido pela paixão, pela dor e por isso faz, misericórdia,
próximo, pois, tornou-se compadecido”.
“Ao ensinar a partir da compaixão
de Deus pela nossa fraqueza”, disse, lembrando as palavras de Papa Francisco,
em O Nome de Deus é Misericórdia: “O Deus feito homem deixa-se comover pela
miséria humana, pela nossa necessidade, pelo nosso sofrimento. O verbo
grego que traduz essa compaixão é splanchnízomai
e deriva da palavra que indica as vísceras do útero materno... É um amor
visceral... Jesus não olha para a realidade do exterior sem se deixar tocar,
como se tirasse uma fotografia: ele se deixa envolver. É dessa compaixão que
precisamos hoje, para vencer a globalização da indiferença. É desse olhar que
precisamos quando nos encontramos diante de um pobre, um marginalizado, um
pecador. Uma compaixão que se nutre da consciência de que também somos pecadores.”
Neste sentido a compaixão, lembrou
citando Walter Kasper: “transcende o egoísmo e o egocentrismo e não tem o
coração centrado em si mesmo, mas centrado nos outros, em especial nos pobres e
nos afligidos por todo o tipo de misérias. Transcender-se a si mesmo até aos
outros, esquecendo-se assim de sua pessoa, não é debilidade, mas fortaleza.
Nisso consiste a verdadeira liberdade. Essa autotranscedência é, por isso,
muito mais do que enamoramento de si mesmo na entrega ao próprio eu: pelo
contrário, trata-se da livre autodeterminação e, por conseguinte, de
autorrealização. É tão livre que pode ser livre inclusive em relação a si
mesmo, pode superar-se, esquecer-se de si e ultrapassar, por assim dizer, os
seus próprios limites.”
Voltando ao texto do Evangelho “Começou
a ensinar-lhes muitas coisas”!, o cardeal Steiner disse que “o Evangelho a iluminar
a compaixão. a nos oferece, insinua um sentimento de alegria e gratidão. Em
sendo tocado, em sendo atingido pela compaixão, isto é, pela necessidade e
fragilidade da multidão começa ensinar. Desperta para as necessidades mais
profundas e começa servir, a oferecer. É um servir quase cândido, meio
silencioso. Serve como servo, não como senhor. A compaixão de Jesus
manifesta-se na presença humanada de Deus. Ao tomar sobre si as dores, os
sofreres, as misérias, a pobreza, nos ensina a aliviar, a curar, salvar. Como
que sofre os sofrimentos, carrega com cada necessitado o peso dos pecados, as
dores no corpo e na alma”.
“Ao meditarmos a primeira leitura
a partir da compaixão que o Evangelho suscita em nós”, dom Leonardo ressaltou
que “percebemos um grito de condenação e de esperança (Jr 23,1-6). Condenação,
pois distanciamento de Deus, traição, dispersão, afastamento; pastores que
dispersam, deixam perder-se os que deveriam cuidar e se compadecer. “Porque
abandonaram a aliança do Senhor, seu Deus, prostraram-se diante de deuses
estrangeiros e os serviram” (Jr 21,8-9). Esperança, pois Deus não abandona o
seu Povo e faz suscitar pastores que cuidarão e conduzirão pelo caminho da
compaixão, da vida. O profeta proclama uma mensagem de salvação naquele
momento em que tudo parecia soçobrar. A esperança maior é que nascerá aquele
que fará valer a justiça e a retidão sobre a terra. E Ele se manifesta no
Evangelho como a verdadeira esperança do povo, pois é compaixão, compadecido, a
guiar, sarar, confortar”.
Citando a Carta de Paulo aos
Efésios: “criar em si um só homem novo, estabelecendo a paz. Ele destruiu em si
mesmo a inimizade. Ele veio anunciar paz a vós que estáveis longe, e a paz aos
que estavam próximos”, o cardeal Steiner afirmou que “veio despertar para a
paz, superando a inimizade. Veio pela compaixão aproximar-nos uns dos
outros e já não vivemos mais separados, distantes, mas próximos. A compaixão
aproxima e redime. Na compaixão formamos um só corpo, pois pertencemos a um só e
mesmo Espírito”.
“Como é extraordinária a
compaixão! Deveríamos pedir a graça da compaixão, do compadecimento”,
enfatizou dom Leonardo. Ele lembrou as palavras de Papa Francisco em Evangelii
Gaudium: “Saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! ...
Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas,
a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias
seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa
num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve
santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos
nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo,
sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida”.
“Compaixão,
antes e acima de tudo, é amor às pessoas que encontramos”, destacou o cardeal. Ele
pediu que “se desejamos ser seguidores, seguidoras de Jesus, deixemo-nos
atingir pela compaixão. Não se vive melhor fugindo dos outros, escondendo-nos,
negando-nos a partilhar, fechando-nos na comodidade. A compaixão concede vida,
transforma nosso viver. A compaixão a graça que nos liberta, o bem que aquece,
a proximidade que nos redime!”, concluiu.
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