A
Assembleia Sinodal terminou, mas não o Sínodo, que é um processo, nem a
Sinodalidade, que é uma forma de ser Igreja. Quatro semanas podem ou não valer
muito, mas estou convencido de que o tempo gasto durante a Segunda Sessão da
Assembleia Sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, que teve lugar na Aula Paulo
VI de 2 a 27 de outubro de 2024, com dois dias de retiro prévio, dará frutos,
trinta, sessenta ou cem por cento.
O timoneiro
Depois de
tudo o que vi, resta-me aquilo a que chamaria o timoneiro, o orientador e a concretude.
Os anos ajudam-nos a sedimentar, sobretudo quando vivemos e contemplamos a
realidade do ponto de vista de Deus. O timoneiro de tudo o que a Igreja está a
viver neste momento não é outro senão o Papa Francisco. Digo-o com base nas
suas duas homilias e nos seus dois discursos, na abertura e no encerramento. Na
missa da manhã de 2 de outubro, convidou-nos a procurar o caminho a seguir para
chegar aonde Deus nos quer levar, tarefa nada fácil, dada a diversidade de
proveniências e de ministérios eclesiais dos membros. Aqueles que sentem que
perderam ou ganharam não compreendem o apelo de Francisco para que a Assembleia
Sinodal seja um lugar de escuta em comunhão, não um parlamento.
A
arrogância está presente quando, movidos pela autossuficiência, acreditamos que
a nossa é a única forma de ser Igreja, com uma agenda a impor, e desprezamos
aqueles que vemos como adversários; isso é superado pela fraternidade em
comunhão, que leva a falar espontânea e abertamente, sem medo de rejeição,
tornando-se pequenos e querendo estar entre os pequenos, nas periferias,
ouvindo a voz do Espírito consolador, imagem do Deus misericordioso, que sabe e
quer perdoar sempre e a todos.
O timoneiro
procurou que todos remassem juntos e na mesma direção, apesar dos rebeldes que
insistem em desafinar para que a sinfonia não soe bem. Na Igreja, ninguém é o
que é sem o outro, incluindo o bispo de Roma, que deve também escutar para
melhor orientar o leme de um barco em que ninguém falta, um barco sem muros,
sem rigidez, que avançará na diversidade, sem condenações, através da
experiência concreta que leva a descobrir o Espírito que sopra em todo o lado.
Para isso, a Igreja não pode ficar sentada, muda, cega ou estática; temos de
escutar o Senhor e sair de nós mesmos para caminhar juntos atrás d´Ele e com Ele.
O orientador
Considero
Timothy Radcliffe como um dos grandes mentores da sinodalidade. O dominicano
inglês é capaz de fazer uma leitura espiritual para ajudar a avançar nesta
forma de ser Igreja a partir da escuta do Espírito Santo, que gera um
sentimento de liberdade, que nos permite caminhar juntos e tomar decisões,
pensar, falar e escutar sem medo. Só assim a Igreja Católica se pode renovar e
responder a novas situações, assumindo “novas formas de ser Igreja que nos
permitem estar em comunhão uns com os outros de uma forma mais profunda em
Cristo e para Cristo”.
Antes de
alguns o fazerem, Radcliffe já tinha avisado que “podemos ficar desiludidos com
as decisões do Sínodo”, a quem deu a resposta: “pertençam à Igreja e digam
Nós”. De fato, “não precisamos de ter medo do desacordo, porque nele atua o
Espírito Santo”, Deus “atua suave e silenciosamente, mesmo quando as coisas
parecem estar a correr mal”, como tem feito ao longo da história,
“conduzindo-nos ao Reino por caminhos que só Deus conhece. A sua vontade para o
nosso bem não pode ser contrariada”. De fato, “este é apenas um sínodo. Haverá
outros. Não temos de fazer tudo, apenas tentar dar o próximo passo”.
Haverá
sempre perguntas difíceis de responder, uma delas é: como pode a Igreja ser a
comunidade dos batizados, todos iguais, e, no entanto, o Corpo de Cristo com
diferentes papéis e hierarquias? Uma questão colocada pelo dominicano à
Assembleia Sinodal. Para Radcliffe, “muitas pessoas querem que este Sínodo dê
um Sim ou um Não imediato sobre várias questões”, daí a decepção de alguns. São
aqueles que veem o Sínodo como um espaço “para negociar compromissos ou para
bater nos adversários”. Perante isto, uma questão fundamental: “Teremos a
coragem de confiar uns nos outros, apesar de alguns fracassos?”
A concretude
Finalmente,
descobrir o que já temos de sinodalidade, que é algo que em maior ou menor grau
existe, algo que o Arcebispo de Manaus, Cardeal Leonardo Steiner, fez. De fato,
a sinodalidade tem a ver com diferentes realidades, entre elas o meio ambiente,
já que na “Querida Amazónia, o Papa Francisco dá-nos uma hermenêutica da
totalidade que é tremendamente sinodal”. Mas a sinodalidade também se manifesta
na caminhada da Igreja na Amazônia. Ali, as mulheres, um dos grandes temas
deste processo sinodal, “fizeram avançar as comunidades e hoje fazem avançar as
nossas comunidades”.
Além disso,
e aqui entra a questão das diaconisas, ele disse que “várias das nossas
mulheres são verdadeiras diaconisas, sem terem recebido a imposição das mãos. E
a estas diaconisas, gostaríamos de lhes chamar diaconisas, mas para não criar
confusão com o ministério ordenado, ainda não encontrámos uma palavra
adequada”. A partir daí, sublinhou que “é admirável, admirável, quantas
mulheres são responsáveis pela nossa Igreja, é admirável”, mulheres que “estão
à frente das comunidades”, ao ponto de que “a nossa Igreja não seria a Igreja
que é sem a presença das mulheres”.
São passos
que estão a ser dados, talvez não ao ritmo que gostaríamos, mas ao ritmo de
todos, um processo que nos deve levar a compreender que “o Sínodo para a Amazônia
abriu a possibilidade de ter um Sínodo de Sinodalidade”, e que “a sinodalidade
é um caminho sem retorno”, porque “estamos todos a entrar num movimento de ser
Igreja, estamos a ser convidados a participar num modo de ser Igreja onde todos
aqueles que receberam a graça do batismo e da confirmação, foram revestidos do
Espírito Santo e de Jesus, se sentem responsáveis pela missão”.
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