“Dá-me de beber!”, são as palavras de “Jesus
necessitado, sedento”, que pede de beber, disse o Cardeal Leonardo Steiner no
início da homilia do 3º Domingo da Quaresma. “Sedento, necessitado da nossa
humanidade”, afirmou o Arcebispo de Manaus, relatando a cena: “lá estava
Jesus sentado junto ao poço de Jacó à espera de que alguém viesse e lhe desse
de beber. Depois de longa caminhada, cansado da viagem, enquanto os discípulos
vão em busca de alimento, Jesus está à espera de alguém que lhe mate a sede.
Ele ali sentado, só, ao lado do poço, ao meio-dia, com sede, à espera de alguém
que lhe tire água e lhe dê de beber. No meio-dia uma samaritana se aproxima”.
“Ela com olhar voltado para a terra, se
aproximando, à busca de água. Ela quase pronta para descer o cântaro e retirar
água do poço, se surpreende, com o pedido: ‘Dá-me de beber’. Ao vê-lo,
surpresa, quase incrédula, ela samaritana, mulher, mulher samaritana abordada
por um homem judeu que lhe pede: ‘Dá-me de beber’. Ela samaritana,
mulher, a do outro povo, da outra gente, do outro culto, da outra religião,
surpresa, paralisada, espantada com o pedido: ‘Como é que tu, sendo judeu,
pedes de beber a mim que sou samaritana?’ Ela apenas viu o outro, o inimigo, o
não do meu povo, aquele que adora em Jerusalém, aquele que não podia pisar a
Samaria. Ele homem, ele desconhecido, ele quase atrevido, falando comigo,
mendigando água”, lembro Dom Leonardo.
Segundo o Arcebispo, “ela nele via o judeu, o
homem, o estrangeiro, o atrevido; não vira nele o seu Senhor e Deus. Ela não
via, não sabia, não percebia que seu Senhor e Deus ali estava à sua espera e
lhe pedia. Pedia água. ‘Se tu conhecesses o dom de Deus e quem é que te pede:
Dá-me de beber, tu mesma lhe pedirias a ele, e ele te daria água viva’. Não
sabia e não via e não se apercebia que seu Senhor e Deus ali estava à sua
espera e lhe pedia para saciar a sua sede. Pedia água, para oferecer-lhe a
água viva que jorra para a eternidade”.
“Olhando, fitando, perscrutando, interrogando,
duvida da força e do poder daquele que pede água. Ele não era maior que o pai
Jacó que dera o poço, Ele não era maior que Jacó que bebera do poço. Não era
maior que Jacó dera de beber do poço a todos os seus filhos e a todos os seus
animais. E pensa: como me daria Ele de beber? Ele nem sequer tem um balde para
tirar água. Ele é um sedento, um pedinte inoportuno, pobre coitado que apenas
me pede água e agora me oferece a água para que não tenha mais ter sede. Ele me
oferecendo uma fonte de água que jorra para vida eterna. Ela não sabia, não
compreendia, não intuía, não se apercebia, quem era aquele lhe pedia água e lhe
oferecia a água viva”, afirmou o Cardeal em relação à samaritana.
Citando Santo Agostinho, ele lembrou que “Como
a mulher trazia consigo um cântaro para buscar água, admirou-se que um judeu
lhe pedisse de beber, pois os judeus não costumavam fazer isso. Mas aquele que
pedia de beber tinha sede da fé daquela mulher. Escuta agora quem pede de
beber. Jesus respondeu: Se conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te
diz: ‘Dá-me de beber’, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva (Jo 4:10). Pede
de beber e promete dar de beber. Apresenta-se como necessitado que espera
receber, mas possui em abundância para saciar os outros. Se conhecesses o
dom de Deus, diz ele. O dom de Deus é o Espírito Santo. Jesus fala ainda
veladamente à mulher, mas pouco a pouco entra em seu coração, e vai lhe
ensinando”.
O Santo de Hipona diz no seu comentário: “se
conhecesses o dom de Deus e quem é aquele que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu lhe
pedirias, e ele te daria água viva. Que água lhe daria ele, senão aquela da
qual está escrito: Em vós está a fonte da vida? (Sl 36,10). Pois, como
podem ter sede, os que vêm saciar-se na abundância de vossa morada? (Sl 36,9). (...)
A mulher disse a Jesus: “Senhor, dá-me dessa água, para que eu não tenha mais
sede, nem tenha de vir aqui tirar água” (Jo 4:15). A necessidade a obrigava a
trabalhar, mas sua fraqueza recusava o trabalho. Se ao menos ela tivesse ouvido
aquelas palavras: Vinde a mim, todos vós que estais cansados e carregados de
fardos, e eu vos darei descanso! (Mt 11,18). Jesus dizia-lhe tudo aquilo para
que não se cansasse mais; ela, porém, ainda não compreendia”.
“Na tentativa de abrir-lhe os olhos ao dom da
água viva, para que ela acordasse, para que ela percebesse quem estava ali
sentado à espera da água e se oferecia como água era o seu Senhor e Deus, Jesus
toca no desejo de sua alma, na sua intimidade, nos seus amores”, afirmo Dom
Leonardo, citando o texto em que Jesus lhe pergunta pelo marido.
Daí que “tocada no mais íntimo do seu íntimo,
nas razões de seus viver e desviver, no mais íntimo do seu íntimo da perda de
seus amores, reconhece que está só. Só quase solitária é que busca água no
poço da vida. Ela era uma mulher que apenas convivia: tinha um homem, mas não
tinha marido. Perdera cinco e não tinha nenhum. Ela tinha perdido o convívio,
ela tinha perdido a razão da vida. Ela mulher, mas não era esposa, desposada.
Ela aquela que tentara amar, que talvez, não se deixasse amar e não conseguisse
amar. Ela aquela que vem à fonte na busca de água. Ela a sedenta, ela
necessitada, ela que agora é buscada. Nos desencontros, agora encontrada, ela
busca, agora encontrada”.
O Cardeal Steiner insistiu em que “Jesus
estava à sua espera. Ele ali sentado à beira do poço, pedindo: ‘dá-me de beber’.
Ele pedindo para ser por ela amado. Ele pedindo e insistindo para que ela
apenas se apercebe que ele não era um judeu qualquer, mas o seu Senhor e Deus
fonte de água viva que jorra para a vida eterna. Sim, agora terás um marido,
isto é, a quem amar, porque te amo. Lança o cântaro no poço, busca a água,
serve a água e não terás mais sede, somente sede de vida eterna, de eternidade,
de Deus. E ela feliz, ela transbordando, e ela, saltitando, ela cantado, e ela anunciando:
acho que Ele é o Cristo, o Deus. Sai a anunciar, pois encontrou o Messias”.
Diante desse encontro, trazendo para a
realidade das pessoas, o Arcebispo de Manaus disse que “e nós nesse tempo da
quaresma desejosos e desejosas de sermos visitados pelo nosso Senhor e Deus, no
Crucificado-ressuscitado. E Ele apenas sentado à beira do poço de nossa existência,
a nossa espera. Ele apenas desejoso da água de nossa vida. Ele apenas pedindo
dá-me de beber”.
“E nós aqui estamos como samaritanos e samaritanas,
admirados e quase entusiasmados com nosso Senhor e Deus tão perto, tão desejoso
de nós. Ele nos oferecendo a si mesmo como água que jorra para a vida eterna.
Ele mesmo aqui no meio de nós, ao nosso lado, no meio de nós dizendo: ‘Dá-me de
beber’. Convidou a samaritana sair de seu mundo, de sua situação de estranhamento
voltada para si mesma, para buscar a água viva. Nos convida a sair,
oferecer, água; sair, oferecer, vida; sair, para espaços e horizontes mais
largos, perenes, eternidade. Sair, encontrar-se deixar-se encontrar.
Talvez, o mais difícil seja deixar-se encontrar”, afirmou Dom Leonardo.
“E nós como a samaritana anunciando,
saltitando, proclamando: o Filho de Deus, o Cristo que está aqui e me pede
água. Deus aqui pedindo água, Deus aqui pedindo cuidado. O Homem das
dores a despertar em nós na quaresma um tempo novo, vida nova, fonte, perenidade.
É, por isso, que nós faremos de tudo para desarmar nossas realidades e
estabelecer relações que servem a água da vida, o pão, a comida da partilha.
Ofertar o alimento, oferecer a água que refaz, reaviva as existências
destruídas pela violência do descaso da irmandade”, sublinhou o Cardeal.
Ele fez um chamado: “aproximemo-nos da Fonte
da água da viva. Aceitemos o convite que ele nos faz: ‘dá-me de beber’.
Aproximemos da Fonte, do Pão da vida e deixemo-nos enviar por sua palavra: ‘Dai-lhes
vos mesmos de comer´, lembrando o lema da Campanha da Fraternidade 2023”.
Dom Leonardo identificou o pedido por água e o
pedido por alimento. Daí ele fez ver que “as periferias das grandes cidades e
médias cidades, abrigam enormes bolsões de miséria e pobreza, onde milhões de
pessoas são obrigadas a conviver diariamente com a fome. Na nossa cidade de Manaus
temos irmãos e irmãs passando fome. A Caritas e tantos irmãos e irmãs com a
mãos estendidas oferecem o alimento para comer. As pessoas são profundamente
agradecidas pelo alimento que recebem. Mas, nem todos recebem o mínimo
necessário”.
O cardeal denunciou que “a fome no Brasil
não tem sido uma prioridade. Alimentar os cidadãos não tem sido a primeira
preocupação dos projetos governamentais. Os números demonstram que a prioridade
maior é o lucro. Aos pobres resta a fome, o desemprego. Como nos ensina Papa
Francisco, sem teto, terra e trabalho digno, nenhum ser humano pode viver com a
dignidade de filho e filha de Deus”.
Finalmente, Do Leonardo pediu que “Deus nos
conceda a graça, como Jesus que é água a jorrar para a eternidade, de servirmos
e sermos água que sacia a sede, o pão que mata a fome!”.
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