No
23º Domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus e presidente do Regional
Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, cardeal Leonardo Steiner,
iniciou sua reflexão dizendo que “Jesus, no Evangelho proclamado, a tocar os ouvidos e a língua e ordenar: abre-te!”, uma
imploração já presente na primeira leitura,
citando o texto de Isaías.
Segundo
o arcebispo, “ao abrir os ouvidos se recebe a graça da palavra; palavras
inteiras e sedutoras. As palavras nascidas da escuta, desatam a língua. Desata
porque recuperamos a escuta, os ouvidos.” Citando o texto do Evangelho, ele
disse que “a alma humana
no meio da multidão
perde o ouvido e a fala,
e por isso morre. No meio de tantos rumores, contradições, tormentos,
dissabores, notícias falsas, calúnias, perde-se o ouvido, a escuta. Perde-se
não só as palavras, mas o rumo, a direção, o horizonte, o sentido do existir.
Ao perdermos a escuta, vamos tateando, vagando entre tantos ditos e não ditos,
que acabamos perdendo a morada, perdemos as relações, definhamos, morremos”.
Em
palavras do cardeal Steiner, “razão tinham os habitantes da Decápole de
apresentar a Jesus o surdo-mudo para que impusesse as mãos. Estava como que
perdido no meio da multidão dos conflitos e dessabores da vida. Jesus em vez de
impor as mãos o leva para fora da multidão e, num tu-a-tu, coloca o dedo nos
ouvidos, cuspiu e, com a saliva tocou a língua dele. Olhando para o céu,
suspirou e disse: ‘Efetá, que quer
dizer abre-te!’” Ele lembrou que escutávamos no Evangelho: “Imediatamente seus
ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem
dificuldade”.
O
cardeal recordou que “Papa Francisco ensina que a condição daquele homem tem um
valor simbólico. Ser surdo-mudo é também um símbolo. E este símbolo tem algo a
dizer a todos nós. Trata-se da surdez. E Jesus, para curar a causa do seu
mal-estar, “coloca primeiro os dedos nos ouvidos, depois na boca; mas antes nos
ouvidos! Salienta Papa: “Todos nós temos ouvidos, mas muitas vezes não
conseguimos ouvir. Por quê? Irmãos e irmãs, existe de fato uma surdez interior,
que hoje podemos pedir a Jesus para tocar e curar. A surdez interior é pior do
que aquela física, porque é a surdez do coração. Tomados pela pressa, por mil
coisas a dizer e fazer, não encontramos tempo para parar e ouvir quem fala
conosco. Corremos o risco de nos tornar impermeáveis a tudo e de não dar
espaço a quem tem necessidade de ser ouvido: penso nos filhos, nos jovens, nos
idosos, em muitos que não têm tanta necessidade de palavras e de pregações, mas
de serem ouvidos”.
“Escutar
não é a capacidade de ouvir
sons, ruídos.
Quantos não
ouvem e ouvem melhor que nós; quantos não
falam e falam melhor que nós”,
enfatizou o arcebispo. Segundo ele, “ouvir é próprio
do ser humano,
é a sua grandeza
de percepção de todas as coisas. No ouvir se estabelecem relacionamentos com as pessoas, toda a realidade, com Deus. Ao
escutarmos a palavra do outro, escutamos o seu
coração, a sua
vida, não
os seus sons.
Por detrás da palavra está a busca de uma vida,
de uma existência. Na palavra está cada
pessoa com seus anseios, esperanças, dificuldades,
sonhos, amores. E no meio do burburinho da multidão escutamos apenas sons e
compreendemos apenas sons e não
compreendemos e não escutamos o tu, a alma do outro.
Temos dificuldades de escutar a Deus!”
“Abre-Te!
Somos necessitados e pedintes de novos ouvidos e
novas palavras!
Somos necessitados, necessitadas, de ouvidos
que saibam distinguir
no meio da multidão
das aflições, das acusações,
do silêncio, do vagar
das palavras, a presença
do outro que
vem ao nosso encontro
com busca de compreensão,
de diálogo. Na desatenção, às vezes, apenas ouvimos as acusações,
o desabafo e entramos no jogo das palavras,
não percebendo o quanto
há de necessidade e acolhida naquelas palavras, ou melhor, o outro
que se manifesta
na palavra. E nós fechados na multidão de nós mesmos,
incapazes de sair com
alma aberta
para escutar o outro que nesse momento
vem ao encontro de modo
inesperado e inusitado:
desabafando”, ressaltou o arcebispo de Manaus.
Segundo
ele, “no contínuo escutar, no aprimoramento
da escuta, na sensibilidade do ouvido que o tempo concede, que
o tempo gratuito
propõe, ressoam as realidades, as palavras, os anseios, desejos e amores e,
assim, a palavra se torna concatenada e
flui. No exercício da escuta e da fala, já não mais a fala vazia e a imitação,
mas palavras que expressam
sentimentos, preocupações
e frustrações, alegrias e realizações,
sempre iluminados pela esperança e a transformação. E na vivacidade
do dizer, nos é dado pintar
o mundo das realizações
e meditações. E em ouvindo e deixando de
ouvir, na fala
e deixando tantas vezes de falar: silenciamos. Mas
mesmo no silêncio
continuamos a escutar e a falar. Não os sons das palavras,
mas as palavras
elas mesmas a circular
na interioridade”.
O
cardeal Steiner perguntou: “Nesse sentido, entramos em sintonia com os outros?
Pai e mãe, pais e filhos, filhos e pais? Nos dispomos à escutar? Mas escutar o
coração do outro. Conseguimos permanecer juntos sem palavras, nos escutando?
Deixamo-nos tocar pela vida do outro, das pessoas em necessidade, dando tempo a
elas, especialmente as que estão próximas de nós?”, fazendo um chamado a “ajudar,
depois de escutar. E todos nós, antes escutar e depois responder”.
Na
segunda leitura, ele destacou que “a nos acordar para a escuta e a fala justa,
apropriada, sem acepção de pessoas. Naquele Efetá,
no abre-te tem a força e a graça da escuta daqueles que ninguém quer e que a
sociedade rejeita. No ensina o apóstolo Tiago: “Meus queridos irmãos, escutai:
não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do
Reino que prometeu aos que o ama?” (Tg 2,5) Sim irmãos e irmãs, o Senhor nos
concede ouvidos para escutar as necessidades mais prementes, mais sofridas.
Essa escuta exige de nós os ouvidos da fé, da Palavra de Deus. Mas também as
palavras melhores e mais consoladoras: palavra-palavra, palavra gestos, palavra
pão, palavra prato”.
“No
escutar e dizer entramos em
comunhão com
os outros, e podemos na grandeza de ser, dizer ao outro e receber
do outro. A palavra se torna expressão
da vida, porque
encarnação de amor
do Amor”, ressaltou. Segundo o presidente do Regional Norte1, “ouvir e pronunciar a palavra expressa a relação
com Aquele que
é invisível aos olhos.
O encontro amoroso
entre Deus
e cada ser humano acontece no ouvir e dizer. A oração que nasce da escuta
e se torna prece.
A oração como
o dizer da alma
humana que
busca, cada
vez, encontrar
Aquele que
na expressão de Santo
Agostinho vem dito como:
inquieto está meu coração
até que
não repouse em
vós. O dizer que expressa a grandeza de quem
tem sede de Deus.
E todo dizer,
toda oração,
nasce da escuta da fala
de Deus. E quando
a oração se torna
silenciosa, sem
sons, sem
exteriorização, a oração se faz
escuta-palavra, palavra-escuta. Esse momento único e
vivificador não separa a palavra da escuta, e nem
a escuta da palavra. Na oração somos de joelhos
ou sentados ou
de pé, todo-ouvidos-balbuciando! Mas,
como nos ensinava o Evangelho, começamos a falar sem dificuldade”.
Ele
lembrou que “no mês de Bíblia somos despertados para escutar a Palavra
de Deus. Deixar ressoar em nós o Evangelho. Jesus é a Palavra: se não paramos
para ouvi-lo, Ele passa. Santo Agostinho dizia: ‘Tenho medo do Senhor quando
Ele passa”. E o medo era de deixá-lo passar sem ouvi-lo’. A Palavra de Deus que Cristo nos transmite precisa de silêncio para ser
acolhida como Palavra que cura, reconcilia e restabelece a comunicação”.
“São Francisco tinha verdadeira reverência para com a
Palavra Deus”, disse o cardeal, citando as palavras do santo de Assis:
“Admoesto todos os meus irmãos e os conforto em Cristo, a que, onde encontrarem
as divinas palavras escritas, as venerem como podem. E quanto couber a eles, se
elas não estão bem guardadas ou indignamente por ali dispersas, recolham-nas e
as resguardem, honrando o Senhor nas palavras que pronunciou. Pois muitas
coisas são santificadas pelas palavras de Deus. E, em virtude das palavras de
Cristo se realiza o sacramento do altar”.
Finalmente,
o cardeal fez um chamado a pedir a Jesus “que toque
os nossos ouvidos
e a nossa língua
para podermos bem escutar
e, bem escutando, pronunciar
a palavra que
dá vida. Aquela vida
que transforma a terra
árida de nosso
ser em um lago e as regiões sedentas de nossas relações,
em fontes
de água viva”.
Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1