quinta-feira, 10 de junho de 2021

A Igreja no mundo urbano: “fermento de fraternidade na cidade”



Como acontece toda primeira-quinta feira de cada mês, desta vez na segunda pela festa de Corpus Christi, celebrada quinta-feira passada, o webinar “Igreja no Brasil Painel” tem refletido neste 10 de junho sobre “A Igreja no mundo urbano e os desafios pastorais”.

Conduzido por Dom Joaquim Mol, o encontro virtual contou com a presença do padre Francisco de Aquino Júnior, autor do livro “Pastoral Urbana: novos caminhos da Igreja no Brasil”, e o assessor das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) na Comissão Episcopal Pastoral para o Laicato da CNBB, o teólogo Celso Pinto Carias.

Em maio de 2019 a 57ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), refletiu sobre a evangelização do mundo urbano, uma reflexão que faz parte das atuais Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, para o quadriênio 2019-2023.  A temática também foi trabalhada no 14º Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), realizado em 2018, em Londrina (PR).

Segundo o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB o objetivo destes encontros virtuais mensais é “refletir e compartilhar assuntos e realidades importantes para a vida dos cristãos e cristãs, e para todos que de boa vontade, desejam ver e vivenciar a Igreja em saída para as periferias e também desejam ver e vivenciar um Brasil melhor, um outro Brasil possível”, insistindo em que “aqui nós trabalhamos à luz do Magistério do Papa Francisco e da CNBB. Assim vamos conectando, formando redes, de partilha de conhecimento, de fé, de boas práticas evangelizadoras, de boas práticas sociotransformadoras”.




O mundo urbano é uma realidade muito presente no Brasil, pois 85% dos brasileiros vivem nas cidades. As cidades brasileiras sofrem cada vez mais as consequências do baixo crescimento econômico, do alto desemprego, segundo Dom Mol. Ele define o atual como “um tempo em que se recuou muito as políticas públicas e sociais determinadas pela receita do neoliberalismo e assumida pelo Governo Federal e por vários governos estaduais”.

Tudo isso provoca, segundo o bispo auxiliar de Belo Horizonte que as cidades brasileiras sofram com a violência, a dificuldade na mobilidade, a especulação imobiliária, que tira os mais pobres dos lugares principais das cidades. O bispo se perguntava como ser Igreja nas periferias das cidades brasileiras, com seus impactos sociais, econômicos, ambientais, que gera exclusão social e degradação do meio ambiente.

Dom Mol apresentava o padre Francisco Aquino Junior, como um dos maiores teólogos pastoralistas da Igreja do Brasil, e Celso Pinto Carias, teólogo leigo, assessor nacional das CEBs, homem experimentado na caminhada eclesial, cheio de esperança e confiante que devemos avançar no processo de comunitarização eclesial, porque não há Igreja sem comunidade, insistia o bispo.

A revolução industrial marcou o crescimento das cidades, segundo Francisco Aquino Junior, tendo a desigualdade e a segregação como elementos que as definem. O modo de vida na cidade, vai se gestando baseada nos bens, nas relações entre as pessoas e a realização das pessoas nessas relações e na satisfação de suas necessidades. “Essa forma segregacionista de organização da cidade, ela repercute nas relações que as pessoas vão estabelecendo umas com as outras. Ela repercute nos valores e nas práticas que vão se tornando cotidianas na vida das pessoas, e ela repercute na realização ou frustração da vida humana”, insiste o teólogo.



Ele se perguntava como entender a Igreja em meio disso, lembrando o número 41 das atuais Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, onde diz que “é tarefa da Igreja fazer com que o Evangelho de Jesus Cristo chegue ao coração das pessoas, às estruturas sociais e às diversas culturas”. Aquino Junior lembra o princípio da fraternidade, uma ideia impulsada pelo Papa Francisco, que leve a “se relacionar de uma forma harmoniosa, saudável”, o que deve repercutir na cultua, algo “relevante no contexto que a gente está vivendo, de tanta tensão, de tanta polarização, de tanto ódio, de tanta aversão aos direitos humanos, de tanta guerra nas redes sociais, às vezes verdadeiras milicias digitais que vão tomando conta de nossas comunidades”.

O papel da Igreja na cidade e fazer com que “o Evangelho chegue no coração das pessoas e interfira na sociedade, configure por dentro a cultura”, segundo o pastoralista, que citando Paulo VI insistia em que a evangelização não pode ser verniz. O caminho privilegiado para isso, segundo as Diretrizes, é a comunidade como lugar de vida fraterna, onde a gente sabe que não está sozinho, a comunidade como lugar de acolhida e de consolo, daqueles que vivem momentos de angustia e de desespero, a como fermento de fraternidade na cidade, colaborando no processo de democratização e as lutas por direitos.

No coração da cidade a Igreja se constitui como lugar onde se aprende a viver como irmão e como fermento de fraternidade, resgatando e afirmando os valores fundamentais do Evangelho, a dignidade e a democratização da cidade, algo que vai fazer com que a Igreja se constitua como hospital de campanha, como casa de portas abertas, como fermento de transformação, segundo Aquino Junior.  

Pensar a Igreja na cidade implica considerar as cidades concretas onde a gente está, com uma desigualdade profunda, que nega a grande parte da população as condições necessárias para uma vida digna, decente, o que gera tensão, violência e frustrações. Aquino Junior lembrava a insistência do Papa Francisco de que “no centro da fé cristã está a fraternidade”, a forma cristã de viver a filiação divina. Ele resumia o papel da Igreja na cidade em ser “comunidade em torno da Palavra, do Pão e da Caridade, com a missão de ser fermento de fraternidade, renovando a cidade a partir de dentro com a força do Evangelho”.




Celso Pinto Carias também insistia em que não há uma preocupação do direito à cidade. Ele refletia a partir de exemplos concretos, lembrando uma conversa com Dom Sérgio Castriani, recentemente falecido, em que o então arcebispo de Manaus dizia saber muito bem como trabalhar nas comunidades ribeirinhas, mas que o grande desafio era Manaus, se questionando sobre o desafio de articular as periferias.

Essa vida na cidade se concretiza na vida do povo, como aconteceu com seu irmão motorista de ônibus naquele tempo que foi convidado para ser padrinho de batismo e não conseguia participar dos encontros de preparação a serem realizados durante três domingos, pois na cidade o domingo não é mais dia de folga para muita gente.

Segundo o professor da PUC -Rio, falando sobre a realidade do mundo urbano, “estamos demorando, do ponto de vista da evangelização a buscar mecanismos que atendam esse desafio”. Ele refletia sobre a evangelização superficial, sobre o fato de que “a gente não vai às raízes das questões que perpassam o processo de evangelização, que é um diálogo com profundidade”. Celso Carias se perguntava o que significa ser família nessa realidade urbana? O trabalhador passa muitas horas foras de casa, sem folga, sem condições de cuidar das relações familiares. Junto com isso, o fato de que muitas mulheres são chefes de família, o que o leva a afirmar que o modelo tradicional de família exclui muita gente.

O teólogo insiste na necessidade de repensar um modelo, tendo como ponto de partida as diretrizes, pensando o que significa fazer missão, ser comunidade, articular a paróquia. Nesse ponto lembrava de José Comblin, que em 1989, numa assessoria à CNBB, foi um dos primeiros em levantar a questão da evangelização da cidade. Lá, o teólogo belga falava sobre a burocratização das paróquias, que podem se tornar verdadeiros cativeiros paroquiais. Nesse ponto se referia ao Documento 100 da CNBB, que segundo ele ainda não foi bem recebido, se questionando sobre quantas paroquias no Brasil funcionam enquanto rede de comunidades, insistindo em que “esse é o caminho”. Segundo Carias, “a comunidade precisa ser o lugar do encontro”, e junto com isso “esse lugar onde as pessoas sejam reconhecidas na sua condição humana” e “espaços de solidariedade e de festa”.




“Essa forma de organizar a vida que concentra bens, que segrega pessoas, ela é alimentada por uma forma de individualismo muito aguçado em que cada um deve pensar em si mesmo”, afirma Aquino Junior. Ele reflete sobre a tentativa de que as pessoas se despreocupem pelos outros, de romper vínculos de solidariedade, de tornar as pessoas insensíveis ao sofrimento dos outros, criando a cultura da indiferença, a cultura do descartável. Segundo ele, “o individualismo acompanha e justifica a lógica do capitalismo”.

Diante disso, o que torna a vida possível na cidade diante de tantas tragedias são os vínculos que se criam: família, amigos, vínculos afetivos, os grupos. Nessa realidade, a Igreja deve ser lugar de vínculo, de fraternidade num nível que vai além do sangue, alargando os vínculos que se fundamentam num Deus que é amor e comunhão Trinitária. Nesse contexto, “a Igreja é chamada a ser sinal de reconciliação dos seres humanos entre si e com Deus”, segundo o teólogo. Ele vê a Igreja como “lugar de vínculos fundado no Mistério amoroso de Deus e na ação do Espírito que é quem reúne”. Frente à lógica do ódio, cada vez mais presente na sociedade brasileira, a Igreja, nesse contexto, tem que ser fermento de fraternidade.

Diante da questão do pentecostalismo, Celso Carias partia da ideia de que a espiritualidade pentecostal é uma espiritualidade legítima. Por outro lado, ele afirmava que “a teologia que sustenta o mundo pentecostal permite uma flexibilidade que pode ser utilizada por aqueles que são mal intencionados”, o que deu lugar ao neopentecostalismo. Na sua opinião, a lógica do poder precisa de um mecanismo que o sustente.

Daí a necessidade de não esquecer que o centro é o caminho de Jesus, é o Reino de Deus, para não ser utilizado pelos centros de poder. O caminho a seguir deve vir do fato de ter a coragem de dialogar, mesmo diante da dificuldade de fazê-lo, inclusive com espaços pentecostais dentro da Igreja católica. Na sua opinião, a paróquia não deveria ser lugar de oferta de um único modelo espiritual, o que ajudaria a superar essa crise que estamos passando no momento.





Luis Miguel Modino, assesor de comunicação CNBB Norte 1


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