domingo, 20 de junho de 2021

Dom Alcimar, homem de alma franciscana


A espiritualidade de São Francisco de Assis, pautada no desapego, na capacidade de se colocar no lugar do outro, sobretudo, dos mais pobres, inspira a sua vida religiosa, como evangelizador, catequista e animador de comunidades. O lema que carrega na alma “Tens em mim um amigo” (Carta de São Paulo a Filemon) expressa muito bem a sua maneira de ser e de se relacionar com todas as pessoas, diante das mais gritantes desigualdades e conflitos sociais, assumindo com o povo o compromisso de pastor e a presença da Igreja Serva e Libertadora. Bispo que é Mestre, Pastor e Pontífice; Sinal visível e eficaz de Cristo; Construtor de unidade; Santificador; e Promotor da Justiça e Defensor dos Pobres.

Assim é Dom Alcimar Caldas Magalhães, amazonense, filho dos nordestinos e trabalhadores de seringais Cosme Alves Magalhães e Alzinda Caldas Magalhães, já falecidos. Nasceu no dia 2 de fevereiro de 1940, em Igarapé de Ourique, no Município de Benjamin Constant (AM), na região do Alto Solimões.

 Aos 13 anos, já não aguentava a inquietude de ir para o Seminário. Queria ser padre. Então, no ano de 1953, foi recebido no Seminário São José, em Manaus. No ano seguinte, já estava entre os Capuchinhos, onde recebeu o nome de Frei Evangelista de Benjamin Constant, sendo enviado para a cidade de Messejana (CE) para cursar o Seminário Menor. Em 1959, já está em Guaramiranga (CE) como noviço; e, no ano seguinte, na cidade de Parnaíba (PI), para iniciar os estudos filosóficos.



Em 1965, é enviado para estudar Teologia na Itália, na cidade de Perúgia. Solenemente ordenado sacerdote em 1967, na Basílica de São Francisco em Assis. No ano seguinte, é licenciado em Teologia Dogmática, pela Lateranense de Roma, e Jornalismo, na Rede Audiotelevisiva Italiana (RAI), na Itália.

O retorno para o Alto Solimões aconteceu em 1969, quando Frei Evangelista foi atuar como vigário e coordenador da Pastoral na Prelazia. De 1974 a 1979, foi o superior dos Capuchinhos do Amazonas, sendo o primeiro frade brasileiro a dirigir os rumos da missão no Amazonas. Terminado esse ministério, é enviado a inaugurar uma casa de formação do Postulantado (etapa de formação para aqueles que querem assumir a vocação de ser frade), em Tabatinga. Era o ano de 1979. Ele se punha como protagonista de uma nova geração de Capuchinhos autóctones sendo formados em nossa região.

Mas foi em 1981, aos 16 de setembro, que o Papa João Paulo II (hoje, São João Paulo II) o nomeou Bispo de Carolina no Maranhão. E, no dia 25 de outubro, em Manaus, a Igreja Paroquial Nossa Senhora Aparecida (atualmente, Santuário de Aparecida) deu-se sua Ordenação Episcopal. Entre os anos de 1983 a 1989, atuou na Pastoral da Juventude e da Pastoral da Comunicação no Regional Nordeste IV da CNBB, Maranhão e Piauí. E, em 1990, é, finalmente, nomeado para a Prelazia do Alto Solimões, onde desenvolveu por 24 anos (até 2015) intenso trabalho pastoral e social.



Ser humano inquieto e sonhador

De espírito sensível e dócil, de olhar sereno e profundo e de sorriso fácil e verdadeiro, nos seus mais de oito décadas de existência, Dom Alcimar acumula uma vasta cultura e humildade encarnadas no seu jeito cortês em acolher as pessoas e transformar suas vidas.

Ao longo dos municípios que constituíam a sua diocese, englobando as cidades de Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Tabatinga, Santo Antonio do Iça, São Paulo de Olivença, Amaturá e Tonantins, no Alto Solimões, protagonizou a execução de projetos de desenvolvimento sustentável, com participação ativa nas causas sociais.

Tendo como seu predecessor Dom Adalberto Marzi, reuniu prefeitos, vereadores e lideranças, na tentativa de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento da região. Foi então que surgiu uma pastoral de fundo político, uma pastoral de fundo de compaixão, uma pastoral social com um âmbito maior. E, juntamente com as lideranças, iniciou o Consórcio dos Municípios, o Fórum da Meso-Região, ligado ao Ministério da Integração Nacional, devido ao baixíssimo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região. Implantou projetos de segurança alimentar e de alimentos compatíveis com as culturas indígenas, como de produção de óleo de dendê para biodiesel, agronegócios para comunidades, flores tropicais.



Foi ali que também organizou e executou, no ano de 2002, em parceria com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o Programa de Zoneamento Ecológico, Econômico e Participativo, na região do Alto Solimões. Não por acaso foi eleito, em 1999, conselheiro do Estado do Amazonas para o setor primário, condecorado com a medalha Marechal Cândido Rondon.

Atuando em municípios com grande extensão territorial, fronteira com dois países, área de rota do tráfico de drogas, grandes populações indígenas, e grandes problemas, como assistência nas áreas de saúde, alimentação, segurança, educação e oportunidades de trabalho e geração de renda, Dom Alcimar não mediu esforços para possibilitar às pessoas sonharem com uma vida mais digna. “Podíamos ter escolhido catequese, cursos de Bíblia ou outros tipos de presença pastoral. Porém, o clamor mais forte, mais urgente, mais cristão e mais humanitário no momento é o lado social. É nessa maré que remamos. Saciado de palavras que não enchem barriga e, quando a barriga está vazia, a fome é uma péssima conselheira e não leva ninguém a ser solidário, a ser fraterno e irmão”, disse ele, certa vez.

Sua missão evangelizadora focava na recuperação da auto-estima dos índios, ribeirinhos e marginalizados urbanos; no planejamento de ações eficazes para evitar o esvaziamento das comunidades ribeirinhas e indígenas;  em iniciativas de segurança alimentar – preocupado com esgotamento das reservas de peixes e abandono da agricultura familiar; e no descobrimento e capacitação de novas lideranças políticas com boa formação ética e cristã, além do envolvimento dos universitários com a realidade da região. A existência da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) na localidade é outro fruto dessa grande mobilização que fazia, com cursos básicos, na formação de políticos, professores, lideranças, técnicos, sonho de nossa região.



Sempre acreditou que estava numa escola espetacular de convivência evangélica, de encontro e raças, de cultura e etnias. Dizia que eram poucos. Mas que, diante do Divino Pai, eram o suficiente. A oportunidade de serem humildes, abertos para receber ajuda, de viver a experiência de Deus junto ao seu povo. “Essa é a meu ver uma messe (colheita), com um campo de ação muito parecido com aquilo que Aparecida indica como um caldeamento de raça dessa nossa América Latina e, portanto, de desafio maior para a missionariedade da nossa Mãe Igreja”.

Hoje, Dom Alcimar vive a graça dos seus 81 anos! Com disposição para viver a espiritualidade amazônica, na entrega amorosa de toda a sua história de vida, no silêncio. E na fronteira geográfica que legitima a fraternidade e a busca do bem viver dos povos. Continua seu testemunho vivendo em Tabatinga, onde dá seus conselhos e orienta as pessoas na busca constante da sustentabilidade para a Região do Alto Solimões. Cheira a povo e em nenhum momento dele se distanciou, nem depois que deixou seu pastoreio. Evangelização com testemunho, com caridade e com a participação do coração. Assim, continua ensinando ao povo de Deus a amar seus irmãos como eles são, conforme os ensinamentos deixados por Jesus Cristo.


Frei Paulo Xavier Ribeiro

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