Toda Igreja local é responsável pela missão aos confins do
mundo, uma reflexão presente na conferência de Dom Esmeraldo Barreto de Farias,
bispo de Araçuaí (MG), no 5º Congresso Missionário Nacional, que está sendo
realizado em Manaus de 10 a 15 de novembro de 2023.
Retomar as intuições do Concílio Vaticano II
O tema do 5º Congresso Missionário Nacional nos permite retomar as grandes intuições do Concílio Vaticano II, seu
impulso missionário, e dos documentos do Magistério Latino-americano, sobretudo
o Documento de Aparecida, “aprendemos que o dinamismo missionário é da natureza
da Igreja e que somos chamados a assumi-lo como discípulos missionários de
Jesus Cristo”, segundo o bispo, que destacou a necessidade do desenvolvimento
de uma identidade missionária, que “não é um processo uniforme, nem todos os
fiéis têm consciência dessa necessidade”.
Dom Esmeraldo denunciou as “resistências à reflexão, à
prática e à espiritualidade propostas pelo Vaticano II”, que se explicitam em
uma mentalidade de cristandade, com um modelo eclesial piramidal e
não de Igreja Povo de Deus e Corpo de Cristo, onde não se permitem atitudes
críticas, com uma pastoral de manutenção, centrada no pároco e uma transmissão da
fé na família. Nessa realidade também destacava a piedade popular, que “visava
ajudar as pessoas das periferias urbanas e rurais a descobrirem a força do
Evangelho em sua vivência cotidiana, unindo palavra e vida”.
Caráter trinitário e existencial da missão
Em sua reflexão sobre a responsabilidade da Igreja Local
pela missão aos confins do mundo, o bispo de Araçuaí destacou o caráter
trinitário e existencial da missão, os aportes do Vaticano II e o lugar e a
responsabilidade da Igreja local como protagonista da missão, sinal de comunhão
com a Igreja universal. “A missão tem sua origem no
Deus-Trindade, no amor fontal de Deus”, enfatizou, até o ponto de que “Jesus
Cristo assume a natureza humana para vincular todos e todas à sua missão”.
O bispo ressaltou que “para a vida missionária no
seguimento a Jesus Cristo e na contemplação da ação do Espírito Santo, é
imprescindível estar com as pessoas que vivem nas periferias
sociais, geográficas, existenciais e eclesiais e, ao mesmo tempo, ser com elas
periferia”. Segundo ele, “escutar o
clamor dessas periferias é descobrir, ouvir e acolher os apelos de Deus, estando
aí como presença missionária e se deixando iluminar pela sua Palavra, acolhendo
o que Ele diz através dessas pessoas, especialmente das que sofrem e são
consideradas, na prática, descartáveis”. Um cuidado que brota do amor, como testemunhou
Madre Teresa de Calcutá, de um amor que é “doar-se até doer”.
Um olhar ampliado da missão
Se faz necessário passar de um olhar restritivo a um olhar
ampliado sobre a missão, algo que nasce do Vaticano II e seu modo de acolher a
História, destacando a centralidade da Palavra de Deus, a ação do Espírito
Santo, a renovação da Liturgia, a consciência de que a Igreja é Povo de Deus, a
necessidade de partilhar as alegrias e esperanças de toda a humanidade e
sobretudo dos pobres, das periferias. Para entender isso apresentou o novo modo
de entender a missão nascido do Vaticano II, que “contribuiu para que a
concepção de missão ganhasse amplitude de sentido”. Isso leva a descobrir que “a missão é o paradigma, o eixo que sustenta e nutre toda a Igreja,
todo gênero humano e não um apêndice ou uma tarefa que se cumpre em terminados
momentos e lugares.
Após o Vaticano II, “a
evangelização é e deve ser sempre missionária. A
Igreja não vive para si mesma. Ela assume um movimento de saída de si mesma”,
destacou o bispo, relatando os aportes dos diferentes papas do pós Concilio à
reflexão missionária. “As palavras dos sucessores de Pedro sinalizam para as
eclesiologias que emergem do Vaticano II: uma eclesiologia do Povo de Deus, uma
eclesiologia de comunhão, ecumênica”, disse Dom Esmeraldo. Uma dinâmica assumida
pelas conferências episcopais e as Igrejas locais, também no Brasil.
Igreja universal como comunhão de Igrejas locais
“O Vaticano II nos leva a refletir sobre o dinamismo
missionário da Igreja local, sua responsabilidade e disponibilidade para a
missão sem fronteiras”, disse o bispo, lembrando que “o Vaticano II considera a
Igreja universal como uma comunhão de Igrejas locais”, e insistindo em que “quando
se fala de Igreja Universal, não se trata de uma soma de igrejas locais que
possam ser consideradas meras repartições administrativas de uma ‘sede
principal’. A Igreja local só é Igreja quando faz comunhão com as demais
Igrejas”. Uma Igreja local que “não é tanto o espaço físico enquanto tal, mas a
comunidade-sujeito, espaço afetivo e de humanidade onde pessoas vivem a fé e
manifestam sonhos, desejos, esperanças, com suas próprias raízes culturais e
tradições”.
Dom Esmeraldo analisou o chamado do decreto Ad gentes à responsabilidade
e abertura da Igreja local à missão sem fronteiras, algo que tem que levar a “redescobrir
o espírito de comunhão presente na Igreja primitiva e vivê-lo na experiência
com as outras Igrejas locais, no sentido de solicitude e ajuda mútuas”. Essa
Igreja local recebe um apelo à sinodalidade missionária, pois “não há dúvidas
de que o caminho da sinodalidade é o que Deus espera da Igreja do nosso século.
Um caminho que se inscreve nas pegadas do aggiornamento da Igreja
proposto pelo Vaticano II”, e do atual processo sinodal.
Uma Igreja que acompanha as vítimas
Algo que chama a Igreja a acompanhar as vítimas das
injustiças sociais e eclesiais, a promover e defender a dignidade da vida, a escutar
o clamor dos pobres, excluídos e descartados, a dar prioridade a uma ecologia
integral, a acompanhar os povos originários e afrodescendentes na defesa da
vida, da terra e das culturas.
Um ser Igreja missionária que demanda “compreender bem em
que consiste esta transformação missionária da Igreja”. O bispo insistiu em que
“os cristãos leigos(as), nesse processo de renovação conciliar, são sujeitos e
não objetos da evangelização”, o que chama à se sentir “corresponsável pelo
modo de ser e agir da Igreja, e não colaborador do clero”, algo que demanda “avançar
numa mudança de mentalidade que retire a igreja de sua estrutura piramidal e a
coloque numa estrutura em que as relações humanas não sejam determinadas pela
verticalização hierárquica”, uma Igreja ministerial.
Um ser Igreja em saída que “não se trata de uma saída sem
rumo ou despreparada, mas de uma saída em direção à humanidade sofredora com o
intuito de viver a fraternidade, curar suas feridas, socorrer suas
necessidades, participar de suas lutas por direitos”, disse Dom Esmeraldo.
Segundo ele, “isso é determinante na sinodalidade, que consiste no ‘caminhar
juntos’ do povo de Deus, com o objetivo de descobrir a ação de Deus presente nas
várias realidades e ser sinal dessa ação que, em Jesus Cristo e pela força do Espírito
Santo, nos conduz para a eternidade”. Isso porque “a missão deve ser assumida
por todos os batizados, a sinodalidade deve ser compreendida e vivida na missão
e em função da missão em termos pessoais, das pequenas comunidades e da
participação da Igreja local na vida da Igreja universal”, concluiu Dom
Esmeraldo Barreto de Farias.
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