Citando o texto evangélico: “Se queres tens
poder de curar-me. Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e
disse: Eu quero: fica curado!”, e lembrando que na Escritura, a palavra “lepra” indica
enfermidades que deformam a pele, que causa impureza ritual e recebe forte
significado religioso, iniciou Dom Leonardo Steiner o comentário às leituras do
6º Domingo do Tempo Comum.
Segundo o arcebispo
de Manaus, “Jesus, a mão da compaixão e da misericórdia do Pai, estende,
toca e cura, libertando do que corrompe e dilacera a integridade humana,
abrindo espaço de reintegração para quem foi descartado”. Ele disse que “Senhor, se queres, podes purificar-me! é o pedido
que o leproso dirige a Jesus. Este homem não pede somente para ser curado, isto
é, curado integralmente, no corpo e no espírito”.
O
cardeal destacou que “a lepra e os leprosos eram motivo de medo e segregação
entre os povos antigos e, por isso, eram sinal ou símbolo, mais
significativo do pecado e dos pecadores. Destruindo o homem em sua integridade
e vitalidade física, a lepra era, um sinal expressivo da desintegração interior
e religiosa do homem; por isso, todo leproso era considerado como um
excomungado por Deus, que devia ser excluído da comunidade”, seguindo o
comentário de Fernandes e Fassini.
Citando
o texto do Levítico, recolhido na primeira leitura, Dom Leonardo disse que “nos
fez sentir como os hansenianos, os leprosos, eram segregados e excluídos”. Eles
erão vistos como “separados, segregados, descartados, porque fora da sociedade,
fora da cidade, distanciados. Um muro de isolamento os separava de tudo e de
todos. Além do medo de serem transmissores da doença, eram vistos como
pessoas degradadas, religiosamente castigadas. Homens e mulheres que perdiam a
sua dignidade e eram tidos como moral e espiritualmente doentes. Leproso é,
ainda hoje, figura e símbolo da condição humana, em sua vulnerabilidade não só
física, mas também psíquica, moral e espiritual”.
O
cardeal insistiu em que “diante do distanciamento, da separação, da segregação,
do medo, da impureza, da maldição, da quase inumanidade, nos encanta o
extraordinário mover-se desse homem tomado pela doença. Não aceita a sua
situação, não se acomoda; sente-se um necessitado, um excluído, mas não se
exclui. Sente-se abandonado por todos, mas não se sente abandonado por
Deus. Porque é necessitado, porque deseja recuperar a sua dignidade no meio de
seu povo, porque deseja participar das celebrações, rompe com as normas,
transgrede o mandamento, abre espaço no meio da multidão. Pouco importa o que
pensam, o que irão dizer, as consequências. Está tomado por uma medida que é de
vida ou morte: ser curado, purificado. Tem diante de si, apenas Jesus”.
“Nos
toca profundamente este homem ferido em sua humanidade, em sua integridade, na
sua dignidade, na sua religiosidade”, disse o presidente do Regional Norte1
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Segundo ele, “nós o vemos
entrando na cidade com as vestes rasgadas, os cabelos revoltos, barba
desalinhada, descalço, chagado: gritando imputo, impuro. E o vemos com os olhos
fixos em Jesus e dele se aproximar. Prostrado, por terra, terrificado, feito
húmus, humildade e súplica: ‘Se queres tens
poder de curar-me’. Reúne todas as forças que a enfermidade lhe concede,
deixa-se guiar pela esperança da vida nova, da purificação. Revê a sua busca, o caminho provado pela
enfermidade que o distanciava de tudo e de todos. Admirável esse ícone da
fragilidade humana que da fraqueza, da miséria, do descarte, faz o caminho da
da cura, da purificação, da salvação.
Comovente vê-lo prostrado diante de Jesus com sua súplica”.
O arcebispo de Manaus sublinhou que “não poderia ser de outro modo: Jesus
é tocado nas suas entranhas por este homem das dores”. Citando o texto: “Jesus,
cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: Eu quero: fica
curado!”, o cardeal disse que “sentir compaixão, padecer, sofrer, ser atingido
por; um apaixonado, um compadecido com a liberdade, com o desejo da cura. O
leproso com a sua súplica atinge o coração, as entranhas de Jesus”. Ele lembrou
que “André Chouraqui,
atento à sensibilidade da língua hebraica, traduz: ‘foi pego nas entranhas’. Ele sofre o padecimento desse
servo sofredor. Compaixão é próprio de quem sofre, padece em si o sofrer do
outro. Atingido na sua intimidade se volta para o sofrido com compadecimento
misericordioso”.
“Tão compadecido que se aproxima de quem deveria permanecer à distância.
Se aproxima ainda mais e estende a mão a quem fora excluído do convívio; toca a
quem não pode ser tocado”, destacou o arcebispo de Manaus. Segundo Dom
Leonardo, “o movimento da aproximação do leproso nos pega nas entranhas,
a mão de Jesus que se move, se estende e toca, silencia todo o nosso ser e
respiramos a compaixão de Deus. Um encontro: toda a fraqueza e desumanidade que
se faz imploração “úmica” e inclinar-se compadecido de Deus a curar, purificar”.
“Tomado,
pego, pela afeição das entranhas diz: ‘Eu
quero: fica curado!’”, lembrou o cardeal. Ele destacou que “o querer de
Jesus ressoa como amor-misericórdia, com-paixão-cordial. É esse olhar, essa
afeição, essa boa vontade do amor, que torna puro todo e por inteiro. A cura, a
transformação: a lepra
desapareceu e ele ficou curado! Na
receptividade amorosa, no toque do sopro do Espírito, na vontade da doação
gratuita, aquele leproso se apercebe livre do corpo chagado e do descarte em
que vivia. Tudo volta à sua mais ancestral, primeva e prístina pureza. Como o
amanhecer de todas as coisas emergindo do nada da Palavra criadora: quero;
faça-se!”.
“Talvez,
desintegrado também na sua interioridade, havia rompido com sua origem.
Ingressara em um processo de ruptura com Deus, corrupção e desintegração
consigo mesmo, com sua comunidade, seu povo e com todas as demais criaturas. A
ruptura é primeira e mais agressiva de todas as lepras, causa e origem de
todas as demais lepras ou doenças espirituais, morais e físicas”, enfatizou o
presidente do Regional Norte1.
“Este
homem quase feito desumanidade ousa olhar a sua desintegração e ruptura”, disse
o arcebispo. Ele ressaltou que “em Jesus o olhar se estende para além da
fragilidade e da doença; busca o espaço perdido, rompe com as normas que o
isolam, reencontra seu lugar no coração de Deus. Ele, na perda de quase tudo,
aprendeu e, agora, sabe que a vida é dom de Deus. Por ter trilhado o caminho da
solidão, da dor, sabe-se amado e cuidado, e busca a medicina de Deus. Às duras
penas, no silêncio de seu coração sabe que a verdadeira cura só pode vir de
Deus, Deus de Abraão, Isaac e Jacó”.
“Na
purificação de toda a sua pessoa sente-se reintegrado no Povo de Deus, à
Comunidade dos eleitos pela Aliança. Mergulhado na compaixão e misericórdia
do Filho de Deus volta a sentir-se descendência Abraão, Isaac e Jacó. Já
não está só, já não necessita do grito impuro, agora pode oferecer o sacrifício
do testemunho de sua purificação; pode voltar a oferecer e rezar no templo.
Talvez, não tenhamos a sensibilidade necessária para darmo-nos conta do prazer,
da alegria, do júbilo de quem sente-se acolhido por Deus e reintegrado na vida religiosa,
social e familiar”, afirmou o cardeal.
Dom
Leonardo lembrou as palavras de São Paulo na segunda leitura: “sede meus
imitadores, como eu o sou de Cristo”, fazendo um chamado a “sermos
imitadores de Jesus. Acolher, escutar o grito da purificação, estender a mão e
tocar a pessoa ferida em sua existência, sempre com a palavra que tudo refaz e
salva: Quero fica curado! O que depender de mim, purificação, transformação,
conformação; vida que retorna à graça da convivência. Imitemos a Jesus! Não
deixemos que os muros de nós mesmos separem, excluam as irmãs e os irmãos pelas
chagas do corpo e do espírito”.
O
arcebispo lembrou as palavras de Papa Francisco que “nos oferece uma meditação
do caminhar do homem desejoso de purificação”. Ele insistiu que
“a Palavra de Deus de hoje, nos infunde ousadia, ultrapassamento da nossa
existência de exclusão e desagregação. Somos convidados a nos colarmos a
caminho com as nossas fraquezas e desintegrações e ir ao encontro de Jesus para
pedir que ele nos cure, transfigure. Pedir que ele nos purifique,
plenifique!”.
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