domingo, 8 de setembro de 2024

Cardeal Steiner: “Existe de fato uma surdez interior, que hoje podemos pedir a Jesus para tocar e curar”


No 23º Domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, cardeal Leonardo Steiner, iniciou sua reflexão dizendo que “Jesus, no Evangelho proclamado, a tocar os ouvidos e a língua e ordenar: abre-te!”, uma imploração já presente na primeira leitura, citando o texto de Isaías.

Segundo o arcebispo, “ao abrir os ouvidos se recebe a graça da palavra; palavras inteiras e sedutoras. As palavras nascidas da escuta, desatam a língua. Desata porque recuperamos a escuta, os ouvidos.” Citando o texto do Evangelho, ele disse que “a alma humana no meio da multidão perde o ouvido e a fala, e por isso morre. No meio de tantos rumores, contradições, tormentos, dissabores, notícias falsas, calúnias, perde-se o ouvido, a escuta. Perde-se não só as palavras, mas o rumo, a direção, o horizonte, o sentido do existir. Ao perdermos a escuta, vamos tateando, vagando entre tantos ditos e não ditos, que acabamos perdendo a morada, perdemos as relações, definhamos, morremos”.

Em palavras do cardeal Steiner, “razão tinham os habitantes da Decápole de apresentar a Jesus o surdo-mudo para que impusesse as mãos. Estava como que perdido no meio da multidão dos conflitos e dessabores da vida. Jesus em vez de impor as mãos o leva para fora da multidão e, num tu-a-tu, coloca o dedo nos ouvidos, cuspiu e, com a saliva tocou a língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: ‘Efetá, que quer dizer abre-te!’” Ele lembrou que escutávamos no Evangelho: “Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade”.

O cardeal recordou que “Papa Francisco ensina que a condição daquele homem tem um valor simbólico. Ser surdo-mudo é também um símbolo. E este símbolo tem algo a dizer a todos nós. Trata-se da surdez. E Jesus, para curar a causa do seu mal-estar, “coloca primeiro os dedos nos ouvidos, depois na boca; mas antes nos ouvidos! Salienta Papa: “Todos nós temos ouvidos, mas muitas vezes não conseguimos ouvir. Por quê? Irmãos e irmãs, existe de fato uma surdez interior, que hoje podemos pedir a Jesus para tocar e curar. A surdez interior é pior do que aquela física, porque é a surdez do coração. Tomados pela pressa, por mil coisas a dizer e fazer, não encontramos tempo para parar e ouvir quem fala conosco. Corremos o risco de nos tornar impermeáveis ​​a tudo e de não dar espaço a quem tem necessidade de ser ouvido: penso nos filhos, nos jovens, nos idosos, em muitos que não têm tanta necessidade de palavras e de pregações, mas de serem ouvidos”.



Escutar não é a capacidade de ouvir sons, ruídos. Quantos não ouvem e ouvem melhor que nós; quantos não falam e falam melhor que nós”, enfatizou o arcebispo. Segundo ele, “ouvir é próprio do ser humano, é a sua grandeza de percepção de todas as coisas. No ouvir se estabelecem relacionamentos com as pessoas, toda a realidade, com Deus. Ao escutarmos a palavra do outro, escutamos o seu coração, a sua vida, não os seus sons. Por detrás da palavra está a busca de uma vida, de uma existência. Na palavra está cada pessoa com seus anseios, esperanças, dificuldades, sonhos, amores. E no meio do burburinho da multidão escutamos apenas sons e compreendemos apenas sons e não compreendemos e não escutamos o tu, a alma do outro. Temos dificuldades de escutar a Deus!”

“Abre-Te! Somos necessitados e pedintes de novos ouvidos e novas palavras! Somos necessitados, necessitadas, de ouvidos que saibam distinguir no meio da multidão das aflições, das acusações, do silêncio, do vagar das palavras, a presença do outro que vem ao nosso encontro com busca de compreensão, de diálogo. Na desatenção, às vezes, apenas ouvimos as acusações, o desabafo e entramos no jogo das palavras, não percebendo o quanto há de necessidade e acolhida naquelas palavras, ou melhor, o outro que se manifesta na palavra. E nós fechados na multidão de nós mesmos, incapazes de sair com alma aberta para escutar o outro que nesse momento vem ao encontro de modo inesperado e inusitado: desabafando”, ressaltou o arcebispo de Manaus. 

Segundo ele, “no contínuo escutar, no aprimoramento da escuta, na sensibilidade do ouvido que o tempo concede, que o tempo gratuito propõe, ressoam as realidades, as palavras, os anseios, desejos e amores e, assim, a palavra se torna concatenada e flui. No exercício da escuta e da fala, não mais a fala vazia e a imitação, mas palavras que expressam sentimentos, preocupações e frustrações, alegrias e realizações, sempre iluminados pela esperança e a transformação. E na vivacidade do dizer, nos é dado pintar o mundo das realizações e meditações. E em ouvindo e deixando de ouvir, na fala e deixando tantas vezes de falar: silenciamos. Mas mesmo no silêncio continuamos a escutar e a falar. Não os sons das palavras, mas as palavras elas mesmas a circular na interioridade”.

O cardeal Steiner perguntou: “Nesse sentido, entramos em sintonia com os outros? Pai e mãe, pais e filhos, filhos e pais? Nos dispomos à escutar? Mas escutar o coração do outro. Conseguimos permanecer juntos sem palavras, nos escutando? Deixamo-nos tocar pela vida do outro, das pessoas em necessidade, dando tempo a elas, especialmente as que estão próximas de nós?”, fazendo um chamado a “ajudar, depois de escutar. E todos nós, antes escutar e depois responder”.



Na segunda leitura, ele destacou que “a nos acordar para a escuta e a fala justa, apropriada, sem acepção de pessoas. Naquele Efetá, no abre-te tem a força e a graça da escuta daqueles que ninguém quer e que a sociedade rejeita. No ensina o apóstolo Tiago: “Meus queridos irmãos, escutai: não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o ama?” (Tg 2,5) Sim irmãos e irmãs, o Senhor nos concede ouvidos para escutar as necessidades mais prementes, mais sofridas. Essa escuta exige de nós os ouvidos da fé, da Palavra de Deus. Mas também as palavras melhores e mais consoladoras: palavra-palavra, palavra gestos, palavra pão, palavra prato”.

“No escutar e dizer entramos em comunhão com os outros, e podemos na grandeza de ser, dizer ao outro e receber do outro. A palavra se torna expressão da vida, porque encarnação de amor do Amor”, ressaltou. Segundo o presidente do Regional Norte1, “ouvir e pronunciar a palavra expressa a relação com Aquele que é invisível aos olhos. O encontro amoroso entre Deus e cada ser humano acontece no ouvir e dizer. A oração que nasce da escuta e se torna prece. A oração como o dizer da alma humana que busca, cada vez, encontrar Aquele que na expressão de Santo Agostinho vem dito como: inquieto está meu coração até que não repouse em vós. O dizer que expressa a grandeza de quem tem sede de Deus. E todo dizer, toda oração, nasce da escuta da fala de Deus. E quando a oração se torna silenciosa, sem sons, sem exteriorização, a oração se faz escuta-palavra, palavra-escuta. Esse momento único e vivificador não separa a palavra da escuta, e nem a escuta da palavra. Na oração somos de joelhos ou sentados ou de , todo-ouvidos-balbuciando! Mas, como nos ensinava o Evangelho, começamos a falar sem dificuldade”.

Ele lembrou que “no mês de Bíblia somos despertados para escutar a Palavra de Deus. Deixar ressoar em nós o Evangelho. Jesus é a Palavra: se não paramos para ouvi-lo, Ele passa. Santo Agostinho dizia: ‘Tenho medo do Senhor quando Ele passa”. E o medo era de deixá-lo passar sem ouvi-lo’. A Palavra de Deus que Cristo nos transmite precisa de silêncio para ser acolhida como Palavra que cura, reconcilia e restabelece a comunicação”.

São Francisco tinha verdadeira reverência para com a Palavra Deus”, disse o cardeal, citando as palavras do santo de Assis: “Admoesto todos os meus irmãos e os conforto em Cristo, a que, onde encontrarem as divinas palavras escritas, as venerem como podem. E quanto couber a eles, se elas não estão bem guardadas ou indignamente por ali dispersas, recolham-nas e as resguardem, honrando o Senhor nas palavras que pronunciou. Pois muitas coisas são santificadas pelas palavras de Deus. E, em virtude das palavras de Cristo se realiza o sacramento do altar”. 

Finalmente, o cardeal fez um chamado a pedir a Jesus “que toque os nossos ouvidos e a nossa língua para podermos bem escutar e, bem escutando, pronunciar a palavra quevida. Aquela vida que transforma a terra árida de nosso ser em um lago e as regiões sedentas de nossas relações, em fontes de água viva”.


                                                                   Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Nenhum comentário:

Postar um comentário