No dia 12 de fevereiro, a exortação pós-sinodal
Querida Amazônia completou um ano de sua publicação. Nela, o Papa Francisco nos
diz que “sem as mulheres, ela [a Igreja] se desmorona, como teriam caído aos
pedaços muitas comunidades da Amazónia se não estivessem lá as mulheres,
sustentando-as, conservando-as e cuidando delas”. Essas palavras nos ajudam a
entender as histórias de vida que fazem parte da Igreja da Amazônia. São
histórias com rosto feminino, como a de Maria Luiza Lahan Lamarão, alguém que é
só um exemplo dentre os muitos que a gente pode encontrar na Amazônia, no
Brasil e no mundo.
Ela é uma das coordenadoras da comunidade de São
Raimundo, na paróquia do mesmo nome, formada por três comunidades. Mulher
sempre presente no dia-a-dia da paróquia, situada num dos bairros mais antigos
da capital do Amazonas, numa pequena colina na beira do Rio Negro, a pandemia a
impactou, “foi uma surpresa grande, que me levou a me perguntar, como é que eu
vou fazer para continuar contribuindo”. Mulher acostumada a olhar a vida com
esperança, ela conta que “eu aprendi no caminhar a não ficar para trás, sempre
olhar para frente, e Deus sempre mostra uma alternativa em meio aos desafios e
dificuldades”.
Sua vida nunca foi fácil, mas sempre soube dar a volta
por cima e continuar. Ela mesma conta que grávida de 7 meses do seu filho mais
velho, ela perdeu seu pai, “e fui eu quem deu coragem, esperança para minha
família”. Mais tarde, com 37 anos, Maria Luiza ficou viúva, com 3 filhos, o
mais velho com 13 anos. “No momento da morte do meu marido chorei, gritei, mas
depois rezei e me coloquei pronta de novo, de pé, para seguir a vida”, conta
alguém que aprendeu a ver a vida a partir da confiança em Deus.
Neste tempo de isolamento, “tem sido muito intenso
também a minha dedicação às orações, hoje eu digo que eu rezo muito mais do que
eu rezava antes, eu me dedico muito, muito mesmo, para minha própria
espiritualidade”, afirma Maria Luiza. Segundo ela, “quando a gente se dedica à
missão, a gente transborda tudo o que tem dentro da gente, o amor que a gente
tem, o Espírito de Deus, e aí a gente precisa se recarregar”. Para isso tem
aprofundado na leitura orante, na oração, “aprendi um outro modo de rezar”, ela
insiste, afirmando que tem cuidado de continuar evangelizando sua família,
mesmo de longe, “de estar sempre motivando os filhos, as famílias deles, a
continuar rezando, se unir mais na oração”.
Um dos dons de Maria Luiza é a música, ela estudou
música e foi colocando seus conhecimentos ao serviço da Igreja. Ela lembra que
sua mãe, que foi quem a incentivou nesse campo musical, “quando a gente estava
na frente do caixão do meu marido, ela me disse, nunca abandones a comunidade,
nunca deixes de celebrar a fé, que isso é o que vai lhe manter”, algo que,
“mesmo com todas as dificuldades, com meus 3 filhos, nunca deixei de ir para as
celebrações, para a igreja, nunca deixe de ter minha participação, meu serviço,
sempre dentro das minhas disponibilidades, das minhas possibilidades, mas primeiro
a minha fé, e eu acho que eu ajudei muito meus filhos na questão da educação na
fé”.
Durante a pandemia, junto com seu neto de 13 anos, que
mora com ela, começou tocar o culele, “eu descobri que
Querida Amazônia faz a proposta de “que as mulheres
tenham uma incidência real e efetiva na organização, nas decisões mais
importantes e na guia das comunidades”, algo que faz parte de Maria Luiza. Junto
com isso, um mês atrás, o Papa Francisco promulgava um motu proprio em que
abria oficialmente os ministérios do leitorado a acolitado às mulheres, uma
prática comum em muitos lugares, dentre eles a Arquidiocese de Manaus.
Ao ser perguntada sobre como ajudar as pessoas a se
sentir comunidade neste tempo de isolamento, Maria Luiza reconhece que é bem
complicado. Mas logo, com seu otimismo afirma que “como eu já tinha um trabalho
intenso na comunidade, e sou muito conhecida, as pessoas me procuravam, as
pessoas queriam me ouvir, as pessoas querem se sentir acolhidas, mesmo
distantes”. Ela diz que “eu sempre procuro dar uma palavra de motivação para as
pessoas não deixarem de se sentir parte, de se sentir igreja. Nas minhas falas,
nas redes sociais, nos meus áudios que eu falo pessoalmente para cada um pelas
redes sociais, pelo WhatsApp, foi uma descoberta também de como eu posso ser
útil com a minha fala, mas também escutar, sempre gostei de escutar as pessoas”.
Maria Luiza insiste em que “isso de um certo modo, dá
uma credibilidade, uma confiança para as pessoas. As pessoas não tem medo de
falar comigo as coisas”. Ao mesmo tempo, ela afirma que “eu também aprendi a
silenciar quando alguma coisa não me agrada, muitas vezes é melhor escutar e
ficar calada do que responder”. Ela afirma que “eu tenho ajudado assim também,
nas redes sociais, telefonando, perguntando como estão as coisas, as pessoas
ligam para mim. Eu sinto que a igreja é a extensão da minha casa e a minha casa
é extensão da igreja. Eu vivi toda a vida assim, e eu digo que quando eu cuido
das pessoas, Deus cuida de mim”.
As últimas semanas tem sido um tempo de muitas mortes
em Manaus. A grande maioria das pessoas viram como gente próxima, familiares,
amigos, conhecidos morriam, muitas vezes sem o atendimento necessário. “Algumas
partidas eu senti muito, eu chorei a partida de muitos. Mas eu senti que eu
deveria ser anunciadora da esperança de dar a minha solidariedade, mas também
de mostrar que Deus não abandonou aquele que passa por momentos de sofrimento”,
afirma Maria Luiza.
Ela, que é uma das voluntarias da Rede de Escuta
Espiritual criada pela Arquidiocese de Manaus, diz que “sempre aconselho para
no momento que puder se juntar e contar quanto a pessoa foi significativa na
nossa vida, como ela deixou uma semente do amor”. Movida por um sentimento de
esperança, ela afirma que “a gente tem que continuar essa semente, ela vai
estar presente através das nossas recordações, das nossas saudades e de ter
ainda esse laço, de saber que ele já ocupou o lugar que lhe foi reservado lá no
céu, e nós também vamos estar um dia na mesma condição”.
Diante de tantas situações de morte, Maria Luiza afirma
que “a morte às vezes nos assusta, mas a gente tem a compreensão de que é uma
passagem para Deus, nós não sabemos quanto tempo, e a gente tem que se preparar”.
Para isso, ela afirma a necessidade de “a gente vigiar, orar, não deixar de
contemplar esse Deus maravilhoso, esse Deus que é bondoso, que é justo, que é
misericordioso”. A agente de pastoral insiste em que “não tenho medo da morte,
e sempre encarei a morte dessa maneira”, um testemunho que cobra sentido em
alguém que ficou viúva com 37 anos.
A situação vivida desde há quase um ano é vista como “uma
grande experiência de fé e de missão”. Maria Luiza, que é ministra da
Eucaristia, diz que “o que mais me doeu foi não poder mais levar a comunhão,
todos são idosos, pessoas de risco, isso me incomodou, eu não poder levar a
Eucaristia para as pessoas, mas agora todos nós estamos na mesma condição, sem
poder participar da Eucaristia, sem poder comungar concretamente o Corpo e
Sangue de Jesus”.
Diante disso, ela diz que “eu aprendi a comungar espiritualmente também, isso foi uma experiência muito grande para mim. No início eu chorava porque eu não ia comungar, chorava porque eu não podia levar a Eucaristia para quem precisava, mas depois eu aprendi que o fato de eu não poder ir, não significava e não significa que eu não comungasse. Eu comungo da Palavra, tenho consciência disso, e a Eucaristia, quando eu celebro, eu me sinto parte. Isso para mim foi um grande aprendizado”.
Grande mulher, Maria Luiza, uma igreja feita pelas mulheres que mesmo em tempos de pandemia contribuem para amenizar a dor de muita gente. Igreja das mulheres, igreja do Papa Francisco. Um caminho sinodal na pratica das comunidades.
ResponderExcluirBonito testemunho da Maria Luíza, eu a conheço desde menininha, sempre envolvida nas coisas da igreja. Quer na música, no teatro, torcendo nas atividades esportivas enfim tivesse alguma coisa na Igreja, lá estava Ma.Luíza.É uma grande mulher, foi uma grande profissional,uma esposa exemplar e uma super mãe. Nossa Igreja é muito bem servida por essa Apóstola do Senhor. Parabéns Maria!
ResponderExcluirParabéns pela matéria Pe. Luiz Miguel. Maria Luiza é exemplo de mulher dedica a igreja, a missão e a família. Deus lhe abençoe poderosamente.
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