Todos sabíamos que o próximo Sínodo dos Bispos
abordaria o tema da sinodalidade, o que muitos não imaginavam é a forma como o
Papa Francisco decidiu realizá-la, com uma metodologia sem precedentes, pelo
menos em instâncias do Vaticano, mas isso não surpreende aqueles que vivem a
sua fé na América Latina.
A sinodalidade não é uma invenção de Francisco, um
homem de processos, é algo intrínseco à vida da Igreja, que nasceu naquela
primeira comunidade de seguidores e seguidoras de Jesus onde houve a coragem de
se sentar, ouvir uns aos outros, discernir e encontrar o caminho a seguir, algo
nem sempre fácil para uma Igreja perseguida, onde ser cristão era muitas vezes
pago com martírio e sempre com perseguição e exclusão social.
Esta Igreja que escuta, que está interessada no que
está acontecendo no mundo, na vida de homens e mulheres de cada momento
histórico, foi retomada no Concílio Vaticano II. Assim, uma das Constituições
que pode ser considerada fundamental no último Concílio, a que trata da Igreja
no mundo de hoje, começa por dizer: "As alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos
aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos discípulos de Cristo".
As palavras de Gaudium et Spes, como todas as contidas
nos documentos do Concílio, não ficaram por ouvir na América Latina, que pouco
depois se reuniu em Medellín para encontrar uma forma de concretizar no
continente as decisões do Concílio. O método de ver (ouvir), julgar (iluminar)
e agir foi assumido como o caminho a seguir, estabelecendo assim elementos de
uma sinodalidade que, sem ser explicitada em terminologia, foi vivida na
prática, na vida das comunidades que fizeram da caminhada sinodal uma
realidade, onde, sem a presença constante do clero, as decisões eram tomadas em
conjunto, também pelas mulheres, porque as mulheres tiveram sempre um papel
decisivo na vida destas comunidades, elas eram ouvidas no processo de tomada de
decisões.
Não podemos negar que esta forma de ser Igreja, sinodal,
pouco a pouco se desvaneceu e permaneceu em segundo plano. A retomada pode ser
datada em Aparecida, um documento construído sobre o batismo, onde é feito um
apelo para ser discípulos missionários, uma condição própria de todos os batizados.
As ideias de Aparecida irão inundando a vida da Igreja latino-americana, para
mais tarde inundar a vida da Igreja universal.
Em 2012 teve lugar o Sínodo sobre a Nova Evangelização
para a Transmissão da Fé Cristã, onde muitos dos bispos latino-americanos
levaram as ideias de Aparecida, o que pouco a pouco despertou questões nos
outros padres sinodais. Destas reflexões surgirá a exortação pós-sinodal
Evangelii Gaudium, já escrita pelo Papa Francisco, o relator geral de
Aparecida, onde muitos veem refletidas as reflexões da V Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano, incluindo as que foram postas de lado no Documento
final aprovado pelo Vaticano.
Estamos em 2013, e agora, com a chegada do Papa latino-americano,
o Papa do fim do mundo, como ele próprio disse nas suas primeiras palavras na
sede papal, a dinâmica eclesial está tomado novos rumos. É um Papa que insiste
em escutar e que mostra que tem o interesse e o tempo para ouvir, para estar no
meio do povo. Nunca esquecerei a procissão no início do Sínodo para a Amazónia,
desde o interior da Basílica de São Pedro até à Sala do Sínodo. Ali Francisco
estava, no meio do povo, sorrindo, feliz. Se um estranho chegasse, só saberia
que era o Papa porque estava vestido de branco, mas ele era apenas mais um.
Esse sínodo pode ser visto como um ensaio geral para o
processo de renovação eclesial que começou há mais de 50 anos. A maioria dos
que entraram na sala sinodal sabiam o que estava a ser cozinhado, muitos tinham
participado num processo de escuta que tinha escrutinado cada canto da Amazónia,
descobrindo assim "as alegrias e as esperanças, as tristezas e as
angústias dos homens de hoje", como nos disse Gaudium et Spes e Aparecida
retoma. E não só isso, ali estavam eles, no meio dos bispos e cardeais, os indígenas
e as mulheres, a quem o Papa ouvia com especial atenção sempre que falavam na
sala sinodal e nos encontros informais durante os intervalos, nas quais ele
continuava ouvindo, como sempre faz.
Esta dinâmica de sinodalidade, de escuta como elemento
indispensável para um bom discernimento, tem vindo a enraizar-se na vida da
Igreja. Mais uma vez, foi no continente latino-americano onde foi dado mais um
passo. Tem sido com a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe, como
anteriormente com a Conferência Eclesial da Amazônia, experiências sem
precedentes, decorrentes do discernimento do primeiro Papa jesuíta, filho do
mestre do discernimento.
Francisco não quer elites nem ideologias na Igreja,
ele quer ouvir e dialogar com parrésia para encontrar juntos o caminho a
seguir. Estamos perante uma Igreja em que todos falam e ouvem, com base na
categoria teológica do Povo de Deus. Ouvir as pessoas, mesmo aquelas que sempre
estiveram em baixo ou nas margens, já não é algo opcional ou feito para o bem
da galeria. É interessante ver como os povos indígenas dizem que no Documento
Final do Sínodo e na Querida Amazónia veem o que disseram ao longo do processo
de escuta do Sínodo para a Amazónia.
A Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe adoptou
uma metodologia semelhante à do Sínodo para a Amazônia, algo que foi transferido
para a Igreja universal. A Secretaria do Sínodo dos Bispos assumiu esta
dinâmica para o próximo Sínodo, que tem como tema "Por uma Igreja Sinodal:
comunhão, participação e missão". Quer partir das igrejas particulares, da
base, da escuta de todos, sem quaisquer escrúpulos ou restrições. "Um na
escuta dos outros, e todos na escuta do Espírito Santo", a fim de superar
qualquer "tentação de uniformidade", procurando "a unidade na
pluralidade".
A grande reforma está em curso, uma reforma que durará
no tempo, porque não é algo que vem da mente iluminada de alguém, é a voz do
Povo de Deus, e isso é algo sagrado. Todos serão ouvidos e todos terão de
ouvir. Estamos perante um novo tempo, não o tempo da democracia, mas o tempo da
sinodalidade, onde a totalidade dos batizados são protagonistas, têm uma
palavra a dizer.
A importância desse passo sinodal da Igreja se fará sentir por muitos ao longo da história. É uma mudança de base, de teor profundamente evagélico. Via o Papa do fim do mundo, o Papa Francisco!
ResponderExcluirObrigada pelos textos que sempre me envia.cada um deles alimenta minha fé e a esperança de mudança na igreja
ResponderExcluirMe atrevo a dizer que a "escuta" e muito de grupos indígenas e que o sentido dado hoje a sinodalidade vem da historia-pratica- dos mesmos grupos
O preconceito não nos deixava VER estes valores.