Depois de percorrer o sonho social, ecológico e
cultural, a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM), juntamente com a Verbo Films,
acaba de lançar o vídeo do quarto e último sonho da exortação pós-sinodal
Querida Amazônia, o sonho eclesial.
Num relato conduzido mais uma vez por Mauricio Lopez,
até há poucos meses atrás secretário executivo da REPAM, vozes diferentes fazem
uma leitura da realidade do que talvez possa ser considerado o sonho "o
mais desafiante, o mais complexo, no qual há grandes esperanças, mas também
muitos caminhos a percorrer", nas palavras de Mauricio.
Estamos perante um sonho que "pede novos rostos
para a Igreja, que sejam coerentes com a diversidade cultural, que sejam
coerentes com o apelo do nosso tempo, o grito da terra e o grito dos
pobres". A Igreja da Amazônia enfrenta o desafio "de anunciar a vida,
de anunciar o Reino, de trazer o Evangelho de Jesus no coração, mas uma
dinâmica que acolhe, que respeita, que promove, que acompanha, que é fiel ao
Magistério da nossa Igreja".
Neste sentido, o vídeo insiste que "não podemos abandonar a missão da Igreja de ser fiel a si mesma, não somos apenas uma ação social que poderia ser associada a uma ONG. Somos um rosto concreto que se encarna na realidade, que quer promover e acompanhar estas diversas expressões multiformes, com todas as vozes diversas, mas com um sentido do Reino, do Evangelho, de ser Igreja, à luz do projeto de vida e querendo sempre caminhar numa dimensão integral".
A evangelização é realizada dentro das culturas, o que
leva o diácono Francisco Lima, secretário executivo do Regional Norte 1 da CNBB, a advertir que os evangelizadores não podem
"usar da sua própria cultura tentando fazer o anúncio do Evangelho a
partir da sua cultura", que devem "procurar o diálogo com a
interculturalidade entre evangelizadores e nacionalidades, com respeito e
cuidado pela casa comum", de acordo com a indígena Kichwa Gloria Grefa. É
um caminho de encarnação, procurando "aceitar o desafio com coragem e
encarnar ou inculturar a liturgia e todos os outros elementos", algo em
que o Padre José Miguel Goldaraz, missionário durante décadas na Amazônia equatoriana,
insiste. Os povos amazónicos reconhecem, como diz Gorete Oliveira, da Equipe
Itinerante, "a Igreja está se aproximando cada vez mais do nosso povo, se
aproximando do nosso jeito de ser, a nossa maneira de viver, a nossa maneira de
falar, a nossa maneira de comer, dos nossos costumes, dos nossos mitos, dos
nossos rituais”.
O grande desafio é que "as espiritualidades das
comunidades amazónicas, a sua visão do bem viver, devem também fazer parte
deste caminho inculturado", diz Mauricio Lopez. Isto torna-se realidade
numa "perspectiva de evangelização do social, a partir da perspectiva das
cosmovisões de cada um dos povos e comunidades desta Amazônia", e que isto
acontece por transbordamento, que se concretiza: "são rostos novos, é todo
um ministério, em coerência com o Evangelho e com a nossa Igreja, mas que se
alarga, que se expande, à maneira do Reino, que se expande a todas as culturas
e, portanto, a inculturação e a interculturalidade como chaves do
processo", segundo o ex-secretário da REPAM.
No campo dos sacramentos, aqueles que vivem na Amazônia
dizem que "não devemos negar ninguém", e que não podem ser usados
para "fazer negócios", para ganhar dinheiro, mas sim "para o
poder espalhar a outras pessoas, a outros irmãos e irmãs, para os poder
atrair", ideias explicadas por Eleuterio Temo, da Amazônia boliviana. Esta
mesma visão é partilhada por Maria Petronila Neto, da Amazônia brasileira, para
quem para além da inculturação dos sacramentos, ela vê a necessidade de "ser
oferecido de forma acessível para todos".
Na inculturação da liturgia e do ministério, Mauricio
Lopez coloca o rito amazónico, seguindo o exemplo de outros ritos locais, como
o congolês, que ajuda a Amazônia a marcar "os seus rostos particulares, a
criar uma verdadeira expressão litúrgica própria", algo que também tem a
ver com o ministério, que deve ser desenvolvido, explorando novos ministérios e
reconhecendo o que está "a fazer a diferença na vida quotidiana".
Mauricio vai ao ponto de dizer que para além do diaconado permanente, é
possível, eventualmente, a possibilidade de sacerdotes casados, bem como
"uma atribuição de mais papéis às mulheres, que são as que estão mais
presentes, para que não falte o acesso à Eucaristia, porque é ela quem faz a
comunidade".
"A mulher é a alma da família", disse Dom
Joselito Carreño, para quem "uma Igreja, a família de Deus na Amazônia,
sem a presença ativa e participativa das mulheres, não lhe poderíamos chamar
uma Igreja cristã católica”. Na Amazônia, tal como "são as mulheres as
primeiras a anunciar aos discípulos que o Senhor havia ressuscitado", diz
o padre Adelson Araujo dos Santos, "são as mulheres as pioneiras, as
primeiras a chegarem, a ajudarem a comunidade local a se organizar e a fundar
aí uma Igreja particular", o que nos desafia a "dar este
reconhecimento de maior espaço as mulheres, também nas decisões". Sobre
este ponto, "não é clericalizar as mulheres, mas é reconhecer seu lugar e
seu direito de contribuir nas decisões", insiste Doris Vasconcelos, para
compreender que "na Amazônia profunda, leigos e leigas, mergulhados entre
conflitos e contradições, são protagonistas de vivências de um outro projeto de
sociedade", como sublinha Bené de Queiroz.
É uma questão de compreender e assumir que "o
modelo pastoral na Amazônia tem de ser marcadamente laico", segundo
Mauricio López, algo presente nas comunidades eclesiais de base "que nos
deram tanta vida a nível da América Latina, e também a nível da Amazônia".
Mauricio dá outros exemplos, como a REPAM que tornou possível "gerar
processos de resposta conjunta a situações em que não podemos fazê-lo
sozinhos"; a Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), "uma
iniciativa sem precedentes, fruto do discernimento sinodal, que procura
articular formalmente as diversas presenças da Igreja, para um plano pastoral
como um todo"; as equipes itinerantes, "presenças que acompanham a
vida"; as mulheres, "que são as que sustentam a missão da Igreja na Amazônia";
os ministérios especiais, "para que possam assumir papéis de serviço
significativos".
Um elemento fundamental é o encontro, que a Irmã
Liliana Franco define como "o único caminho para a humanização", que
exige "transformar-nos em especialistas no encontro, na construção de
comunidades eclesiais vivas, dinâmicas, credíveis e empenhadas na transformação
da realidade", procurando "viver a partir da lógica da
encarnação".
Neste sentido, "há tudo a ser feito no meio desta
pandemia, no coração deste mundo crucificado", insiste Mauricio Lopez, que
sublinha mais uma vez que o caminho é transbordar, assumir o "sensus
fidei", a fé do povo de Deus, sem ideologias particulares. Na sua opinião,
"a Amazônia precisa de uma resposta concreta", convidando todos a
fazer seus os sonhos do Papa Francisco, "a afirmar o que já tem vida e a
desenvolvê-la, a tentar promover o que ainda não está desenvolvido".
Recordando o que ele chama os pecados do Sínodo, ele reconta, para além do
pecado contra a Amazônia, "o pecado da auto referencialidade". Por
esta razão, diz que é tempo "para esta nova ministerialidade, para um novo
trabalho para a Igreja, para toda a Amazônia", que "já está a
iluminar toda a Igreja universal, já está a gerar processos que são
irreversíveis".
Nenhum comentário:
Postar um comentário