A Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER)
celebrou de 12 a 16 de julho seu 33º Congresso Internacional, que teve como tema
“Religião, Laicidade e Democracia: cenários e perspectivas”. Com cerca de 800
pessoas inscritas, conferencistas nacionais e internacionais e mais de 440
apresentações acadêmicas, o congresso tem sido um momento importante na
reflexão sobre uma questão que cada vez cobra maior destaque na realidade
brasileira e mundial.
Segundo Cesar Kuzma, presidente da SOTER, “tentamos
trabalhar as urgências do nosso tempo no âmbito social, no âmbito político-democrático,
na responsabilidade que toca às Igrejas cristãs e às religiões em geral da
defesa da laicidade, na defesa da democracia, na defesa dos direitos humanos,
apontando caminhos, apontando horizontes, apontando novas perspectivas”.
O congresso partiu dos diferentes cenários em que a
sociedade brasileira se encontra, agora marcados também “pela pandemia, pela
destruição do estado democrático de direito, pela fragilidade nas nossas democracias,
pela perda de direitos sociais e também humanos, pelo desmonte das políticas
públicas e pelo grande desastre que vem ocorrendo também em nível ambiental”, segundo
o presidente da SOTER.
Dentro dessa pluralidade de cenários, o 33º Congresso
da SOTER foi um momento para refletir, que partiu da abordagem de Pedro Ribeiro
de Oliveira, que buscou “apresentar-nos uma visão panorâmica no qual nós
estamos inseridos”, segundo Kuzma. A palestra de Boaventura de Boaventura de
Sousa Santos, que trabalhou a questão da laicidade e da democracia, mostrou a
diferença entre os diferentes espaços, valorizando “a importância da Teologia
da Libertação na América Latina, na luta histórica que ela teve na defesa da
própria democracia”, afirma Kuzma.
Na leitura sobre os diferentes momentos, o teólogo fala
sobre os aportes de Frei Betto e
Jucimeri Isolda Silveira, destacando os direitos
humanos, “que se tornam cada vez mais frágeis na atual conjuntura social que
nós vivemos”. Ele destaca a celebração que aconteceu pelos 50 anos da Teologia
da Libertação, que considera um momento brilhante, afirmando que a SOTER segue
essa linha, e “tem na opção pelos pobres o grande enfoque da sua proposta e de
seus objetivos”, insistindo em que “a linha libertadora faz parte da natureza
da própria SOTER”, algo que foi feito de forma coletiva. Com a presença de
diferentes instituições foi, segundo o presidente da SOTER, “um momento
marcante, brilhante, que emocionou a todos”.
Esse momento contou
com os aportes de 5 teólogos e teólogas que são considerados referentes na
reflexão teológica latianoamericana e da Teologia da Libertação: a brasileira Maria
Clara Bingemer, o chileno Sergio Torres, o teólogo luterano brasileiro Roberto
Zwetsch, Geraldina Céspedes do México, e o também brasileiro Luiz Carlos Susin.
A professora italiana Serena Noceti abordou a questão
da responsabilidade das Igrejas cristãs na defesa do estado democrático, desde elementos
da Fratelli tutti e o Conselho Mundial de Igrejas. Desde os aportes do Papa
Francisco, foi refletido sobre a economia, com a presença de Ladislas Dowbor, e
a ecologia, com a reflexão de Afonso Murad, perspectivas que segundo Kuzma, “se
somam à questão da democracia, da laicidade, do direito, do bem comum, ou da
Casa Comum, que é uma expressão que acabou fazendo parte dos nossos discursos”.
O Congresso da SOTER foi momento para reconhecer com o
prêmio João Batista Libânio, a trajetória da teóloga Ivone Gebara, valorizando,
segundo o presidente da SOTER “uma caminhada de luta que não se faz sozinha, se
faz de modo coletivo, se faz com outras pessoas”. Seguindo o tema do congresso,
Cesar Kuzma insiste em que “dar o prêmio a Ivone, com a história que ela tem, com
a dinâmica de espiritualidade com a qual ela vive, e na ternura de sua voz e
pelo fato de ser mulher, isso foi algo muito emocionante e muito bonito”.
O congresso foi encerrado na sexta-feira com a
palestra de Ivone Guevara, onde abordou a questão da responsabilidade das religiões
no Estado, para a defesa da laicidade a da democracia. A teóloga colocou a
importância de as religiões caminhar em conjunto com a sociedade. Finalmente, Maria
Isabel Varanda e Rudolf von Sinner, apontaram pistas, horizontes, fazendo uma releitura
do evento e apontando possíveis caminhos, “sem a intenção de nos oferecer, mas
convidando a um caminhar continuo, coletivo, em busca de novos horizontes, de
novas perguntas, de novos espaços”, segundo o professor Kuzma.
Segundo o presidente da SOTER, “o congresso superou
todas as expectativas”, inclusive em número de participantes. Ele destaca que o
fato de ser virtual permitiu o acesso de pessoas de varias partes do Brasil, da
América Latina e de outros países. Mesmo virtualmente, “conseguimos espaços
onde a afetividade, a ternura, a humanidade, se fizesse presente”, afirmou
Cesar Kuzma. Teve momentos para homenagear as vítimas da Covid-19 e a diretoria
da SOTER emitiu uma nota por ocasião do Encerramento do 33º Congresso.
A nota manifesta “a nossa preocupação e o nosso
repúdio em relação à deterioração da democracia no Brasil, que se traduz não só
no ataque contínuo às Instituições Democráticas e ao Estado de Direito, mas
também no aumento da repressão e da violência policial, no aprofundamento da
desigualdade social e da fome, na destruição ambiental, na agressão aos povos
indígenas, seus direitos e vidas, nos atos sistemáticos de racismo que revelam
a condição do racismo estrutural presente em nossa sociedade, na afirmação do
sexismo e no crescimento do feminicídio”.
Desde a SOTER é denunciado que “o negacionismo foi e é
responsável por grande parte do número de mortos pela atual pandemia da
COVID-19, que já ceifou mais de 530 mil vidas no Brasil”. Ao mesmo tempo, a
nota insiste em que “este mesmo negacionismo agravou a crise econômica, levando
a um enorme contingente de pessoas desempregadas e ao aumento da fome e da
miséria”.
O texto condena que “neste contexto, as Religiões,
sobretudo certas expressões do Cristianismo, nem sempre têm tido um papel
profético, crítico e libertador”, denunciando que “ao contrário, alguns grupos
têm instrumentalizado a Religião, negado o caráter laico do Estado e promovido,
ou reforçado, a deterioração de nossa democracia em nome de Deus, inclusive
afirmando e praticando a intolerância religiosa”.
Por isso, consideram urgente “reafirmar que as
Religiões devem estar a serviço da vida e não da morte”. Nesse sentido, a
diretoria da SOTER destaca que “o Cristianismo possui uma longa trajetória e,
em nosso país, foi fundamental, juntamente com outras Tradições Religiosas, na
luta pelos direitos humanos e pela redemocratização do Estado e da Sociedade”. Finalmente,
conclamam “todas as lideranças religiosas a se colocarem na defesa
incondicional da plena democracia, dos direitos humanos e da justiça social”.
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