quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Dom Leonardo: “É urgente uma mudança de cultura ambiental, no mundo, mas especialmente no Brasil”


Um caminho sofrido e alentador, assim define Dom Leonardo Steiner o percurso das Conferências climáticas. Nestes dias em que acontece a COP26, o arcebispo de Manaus, que participou na COP21 de Paris, marcada pela Encíclica Laudato Si´, reflete sobre “as necessidades urgentes de mudança no modo de viver e do conviver com a terra”.

Tudo está ligado ao lucro, e “nesse sentido é urgente uma mudança de cultura ambiental, no mundo, mas especialmente no Brasil”, afirma o arcebispo. Segundo ele, mesmo diante de alguns retrocessos, “as COP são oportunidades de manter a discussão, o diálogo, a reflexão, aprofundando sempre mais a questão das mudanças climáticas”.

No Brasil, o panorama mostra “o descaso em relação ao meio ambiente, especialmente em relação a Amazônia”, denuncia o arcebispo de Manaus. Diante disso, se faz importante “a insistência da Igreja na Amazônia”, que “deve ser capaz de suscitar novos caminhos, renovar as estruturas, organizações sociais, incentivar ordenamentos jurídicos que preservem o meio ambiente, mostrar a beleza, a poesia, a arte da Amazônia”.



O Papa Francisco pede uma mudança de rumo para alcançar os objetivos do Acordo de Paris e para assegurar que decisões concretas sejam tomadas na COP26. O que os países – especialmente o Brasil – precisam fazer na COP26 para minimizar os impactos climáticos que já vivemos?

O caminho das Conferências climáticas tem sido sofrido e alentador. Os diálogos têm demonstrado as realidades gritantes e as necessidades urgentes de mudança no modo de viver e do conviver com a terra. A dificuldade maior é sempre econômica; é dinheiro. A poluição do ar, das águas, a devastação das florestas, a destruição pelo garimpo está ligada ao lucro, ao dinheiro.

Não interessa o futuro, a vida dos povos, dos pobres, o desaparecer de culturas, a beleza, a poesia, a harmonia. Nesse sentido é urgente uma mudança de cultura ambiental, no mundo, mas especialmente no Brasil. Na COP, há necessidade de metas mais ambiciosas a curto prazo, um fundo ecológico que ajude na preservação das florestas e na recomposição das mesmas, na urgente despoluição do ar e das águas (saneamento básico).

Mas talvez, se os países todos buscassem educar para a ecologia, despertar para o cuidado da casa comum, teríamos mais chance de uma terra também habitável no futuro. A ecologia está ligada a uma compreensão de dominação e lucro ou compreensão de cuidado e cultivo.



Em 2015, o senhor fez parte da delegação enviada pelo Vaticano para a 21ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21), que aprovou o maior acordo climático do mundo. A cada cúpula, as previsões são mais catastróficas e muitas das metas estabelecidas pelos países não são cumpridas. Como o senhor avalia o efeito prático das Conferências do Clima até agora?

A COP21 foi marcada pela Encíclica Laudato Sì de Papa Francisco. Presente nos debates, fundamentando a necessidade de metas. Os encontros, os debates entre delegações foram decisivos para chegar a um acordo que fosse aceito pelos países participantes. É sempre difícil negociar quando existem realidades nos diversos países que exige mudança em relação ao cuidado do meio ambiente. A França desempenhou uma liderança frutuosa e a Delegação brasileira foi muito atuante.

Apesar dos retrocessos depois da COP21, essas Conferência são importantes por manterem viva a discussão e a busca de soluções em relação às mudanças climáticas. Se formos analisar as conferências, veremos um caminho onde se vai construindo consensos e buscando metas. Temos governos que negam a necessidade de uma responsabilização em relação à casa comum, por negarem a ciência.

As COP são oportunidades de manter a discussão, o diálogo, a reflexão, aprofundando sempre mais a questão das mudanças climáticas. As ações não caminham como desejamos, nem mesmo conforme a necessidade, apesar do perigo que estamos a correr. Mas não poderão dizer que não buscamos, não tentamos superar a crise em que nos encontramos.



O governo brasileiro vem sendo criticado por sua política ambiental, principalmente pelo aumento do desmatamento nos últimos dois anos, o enfraquecimento das políticas e órgãos ambientais e a defesa da exploração de recursos naturais em terras indígenas. Em uma mudança de discurso, o governo prometeu que o Brasil eliminará o desmatamento ilegal até 2030. O senhor acredita numa atuação mais efetiva do Brasil na defesa da Amazônia?

Soa como um bom propósito. O que temos ouvido, visto e sentido é o descaso em relação ao meio ambiente, especialmente em relação a Amazônia. Não que o Cerrado esteja protegido e a Mata Atlântica, o Pantanal e outros estejam a salvo. O descaso é grave.

O que nos mantém na atenção, na discussão, na reflexão é a própria sociedade através dos povos indígenas e ribeirinhos, das igrejas, de entidades que cuidam do meio ambiente, dos meios de comunicação que percebem a necessidade de mudança de rumo. O garimpo tem sido uma destruição, não apenas das matas, mas também das águas. As populações indígenas e ribeirinhas acabarão eliminadas pelo alto índice de mercúrio no organismo devido as águas contaminadas dos rios.

As políticas, o desmonte dos órgãos ambientais, como também do órgão de relação com os povos indígenas, saltam aos olhos e demonstram que os pobres e o meio ambiente podem ser menosprezados e descartados.

 


O Papa Francisco defende um mundo “interconectado” e afirma que “não se pode agir sozinho, é fundamental o empenho de cada um para a tutela dos outros e do meio ambiente”. Como a Igreja da Amazônia pode contribuir com o debate e a construção de caminhos diante da crise ecológica?

No Compêndio da Doutrina Social da Igreja encontramos uma sabedoria que nos ajuda iluminar a pergunta: “A caridade social leva-nos a amar o bem comum e a buscar efetivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só individualmente, mas também na dimensão social que as une”. Está em jogo toda a obra criada e toda a humanidade. Somos chamados a caminhar juntos. O isolamento, a ideologia fechada leva à morte e pode levar à destruição do planeta terra.

A insistência da Igreja na Amazônia, o Sínodo da Pan-Amazônia, o texto pós sinodal Querida Amazônia, estão a indicar o caminho comum. Existe um patrimônio cultural, religioso, social, ambiental a ser cultivado. A Igreja que está na Amazônia deve ser capaz de suscitar novos caminhos, renovar as estruturas, organizações sociais, incentivar ordenamentos jurídicos que preservem o meio ambiente, mostrar a beleza, a poesia, a arte da Amazônia.

Demonstrar a agressividade despudorada em relação à Amazônia, pelo interesse econômico. Estar na atenção de que a Amazônia não serve a um grupo econômico; serve a todos os brasileiros, a toda a humanidade. Tem uma incidência enorme quanto ao equilíbrio do meio ambiente do planeta terra. Ela estará junto aos povos originários ajudando a conservar as suas culturas e aprender com eles. Buscará se inculturar e inculturar a espiritualidade, a fé. A Igreja da Amazônia caminha na esperança; de esperança em esperança! Apesar de todas as agressões e destruições, ela mantém viva a esperança de um futuro melhor, imagem do Reino que anuncia.



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1


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