sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Sankofa: Aprender com o passado para ressignificar o presente na direção da construção de um futuro



Foto: Arquivo pessoal

O símbolo Adinkra da Sankofa do sistema linguístico do povo Akan da África ocidental, Costa do Marfim, Gana e Togo. O pássaro que voa para frente, mas que volta seu pescoço para trás levando um ovo no bico. Significa, voltar-se para aprender com o passado para ressignificar o presente na direção da construção de um futuro.

Eu sou da quarta geração pós 1888 da minha família. Tenho vontade de saber mais sobre meus antepassados, mas, como qualquer outro afrodescendente no Brasil, chega-se um momento da sua árvore genealógica que se torna difícil saber com exatidão qualquer coisa, como por exemplo, de qual região africana vieram, qual grupo étnico, sua língua, como se organizavam, suas festas, suas expressões do sagrado, etc.

Cada informação que você consegue, por mínima que pareça ser, para nós é como um tesouro. Em uma pequena pesquisa que fiz com base em uma fotografia de família que foi tirada por volta de 1940-45, cheguei a calcular que meu bisavô paterno possivelmente pode ser situado na primeira geração de homens livres da minha família. Natural de Minas Gerais sabe-se que ali foi lugar de grande fluxo de escravos por causa do minério.  Outra característica importante é que meu pai é um contador de histórias, lembro que na infância ele nos sentava a beira do fogão de lenha e contava histórias sempre com um ensinamento como conclusão, meu bisavô também tinha esse hábito. É interessante essa constatação porque a oralidade é muito importante na cultura africana na transmissão da sabedoria. Outra característica importante é o fato de tanto do lado paterno quanto materno sempre teve a figura das benzedeiras e rezadores. Retornar ao passado nos ajuda a tomar consciência de quem somos e para onde vamos.



Em determinado tempo da história meus antepassados foram vítimas do tráfico de pessoas.  Passaram pelo ritual de esquecimento de etnicidades, que consistia em dar nove voltas em torno da árvore do Baobá, batizados e obrigados a passar pela porta do não retorno e assim transformados em mercadorias na América. Aqueles negros e negras que nunca mais retornavam para sua terra, eram pessoas humanas com sonhos, filhos, mães, pais que cantavam, dançavam, riam e sonhavam.

Não há sistema no mundo que impeça o ser humano de voar, de transcender espaços pré-estabelecidos. Meus pensamentos vão às asas da Sankofa   e imagino meus ancestrais passando pela porta do não retorno e me pergunto, quais foram os seus sentimentos naquele momento? De certa forma, eu estava lá, pois sou minha ancestralidade, e essa raiz por mais que tenha sido vítima das mais absurdas formas de atrocidades continuam pulsantes. E meus antepassados juntamente com todos os demais que foram traficados, construíram o povo brasileiro com suor e lágrimas. Dos anciãos aprenderam a contar histórias, a sabedoria popular, rezas, benzimentos, com as babás, essas mulheres angolanas que foram as primeiras pedagogas do país que formularam as bases da sociedade brasileira, com elas o brasileiro aprendeu a dar seus primeiros passos, suas primeiras palavras, as cantigas de ninar, as cantigas de roda.

Tudo isso só é possível assumindo uma consciência da sua ancestralidade, não negar suas raízes, fazendo o movimento da Sankofa. Esse pássaro da resistência, que ressignifica o presente, voltando sua cabeça para o passado na construção de um futuro.

Michel Carlos da Silva - Seminário São José de Manaus

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