quarta-feira, 30 de março de 2022

Ir. Valmí Bohn: “Lutar por justiça e por políticas em prevenção do tráfico humano, são desafios constantes”


No dia 30 de março de 2007 nascia, como uma iniciativa da Conferência dos Religiosos do Brasil, a Rede um Grito pela Vida. Após 15 anos de caminhada é momento de “louvor e agradecimento por toda a caminhada feita”, segundo a Irmã Valmí Bohn, SDP, atual coordenadora da Rede.

Tem sido um tempo de colocar-se a caminho, buscando “ajudar a resgatar as vidas que estão sendo ameaçadas”, especialmente “as mulheres, crianças, adolescentes e pessoas que são traficadas e exploradas”, afirma a religiosa da Divina Providência. Segundo ela, com a maior visibilidade da rede, conquistada aos poucos, “vai se tornando cada vez mais visível a necessidade do ser humano assumir o seu papel de cuidar da vida de outro ser humano”.

A religiosa destaca a figura do Papa Francisco como aquele que “conseguiu trazer para a sociedade mundial esse desafio, esse problema da exploração, do abuso, do tráfico humano, de pessoa vendendo pessoa”. Junto com isso, insiste na “missão de sensibilizar, de capacitar, de informar, de denunciar, de ir tecendo redes e parcerias nessa luta por justiça e por políticas em prevenção do tráfico humano”. Para isso convida a “se abrir para ouvir e acolher os gritos das crianças, jovens, mulheres aliciadas para o tráfico humano e exploração sexual e laboral”.



A Rede um Grito pela Vida está completando 15 anos, como a gente poderia definir esse caminho assumido principalmente pela Vida Religiosa do Brasil?

A gente pode resumir de uma forma de louvor e agradecimento por toda a caminhada feita. Em nosso trabalho sempre partimos de uma mística que é inspirada no projeto de Jesus, que convida para abrir as portas, para sair, para atravessar as ruas, para atravessar o rio, para atravessar as nossas fronteiras pessoais e ir ao encontro dos outros.

Essa saída, leva a colocar-se a caminho, nos leva a querermos sempre de novo ajudar a resgatar as vidas que estão sendo ameaçadas. Também temos muito presente os carismas congregacionais, os carismas que cada pessoa traz dentro de si, nessa defesa de uma posição de indignação, de compaixão, de profecia, na defesa dos direitos humanos, a gente vai tentando resgatar a vida que está aí.

Nesses 15 anos, a gente fez o papel de se colocar nesse caminho junto com as mulheres, crianças, adolescentes e pessoas que são traficadas e exploradas. É um tempo de muita graça, de muito louvor por toda a caminhada que foi feita durante esses 15 anos nos diferentes estados dos nosso país. A gente está no momento em 22 estados, com 28 núcleos. É um espaço pequeno em alguns lugares, mas que nos faz voltar à proteção, ao resgate das vidas ameaçadas.

Poderíamos dizer que a Rede um Grito pela Vida é uma expressão de uma Igreja samaritana, assumida pela Vida Religiosa. O que isso tem representado na caminhada da Vida Religiosa no Brasil?

Podemos dizer que é um espaço que a Vida Religiosa assumiu como Conferência dos Religiosos do Brasil, e a partir daí esse processo de realmente abraçar a causa na defesa da vida das mulheres e crianças. Claro que nem toda a Vida Religiosa abraça isso, porque tem também outras causas desafiantes para abraçar e assumir.

Porém, é sempre um desafio para a Vida Religiosa, assumir esse processo de se lançar e se colocar a caminho, de promover gestos concretos na defesa da vida, em todos os sentidos e em todas as circunstâncias, porque o tráfico humano tira toda a dignidade do ser humano, e um dos grandes papéis da Vida Religiosa é ajudar a resgatar essa dignidade para que a pessoa possa se reestruturar e possa reiniciar uma vida mais digna dentro de uma sociedade cruel, que explora muito hoje o ser humano em todas as dimensões.



Em que mudou a sociedade brasileira e a realidade do tráfico humano nesses 15 anos?

Com a visibilidade que a Rede vai conquistando em cada espaço, em cada instância social nos diferentes estados, nessa conquista de espaço vai se tornando cada vez mais visível a necessidade do ser humano assumir o seu papel de cuidar da vida de outro ser humano, de não ficar somente ao redor de si, mas também de ter um olhar além.

As redes sociais hoje dificultam isso também, porque a rede social, se a pessoa não cuida, ela se volta a si mesma e esquece quem está ao seu redor. A visibilidade da Rede que a gente consegue, a nível de Brasil e da América Latina, vai ajudando também as pessoas a tomarem consciência da necessidade dessa abertura, de poder olhar para o outro como um ser humano, como alguém que precisa de ajuda, como alguém que precisa de uma relação próxima para poder também ser um portador de vida para com as pessoas com que ela convive.

O tráfico humano sempre foi uma realidade escondida. Até que ponto a Rede um Grito pela e outras iniciativas similares no Brasil e no mundo estão ajudando a tomar consciência sobre isso e se realmente na Igreja e na Vida Religiosa do Brasil são realizados esforços para que esse crime seja mais visível e combatido com mais força?

Diante desses 15 anos de atividades, no começo era muito invisível o crime do tráfico humano. Hoje já, com 15 anos de atividades da Rede, nos diferentes estados, com as muitas e variadas atividades e ações concretas, tanto a nível de Vida Religiosa, como também na sociedade civil, que é um espaço que foi se conquistando aos poucos, a gente consegue marcar uma presença e tornar muito mais visível esse crime, que precisa ser olhado com muito carinho, que precisa ser olhado com muita misericórdia, com muita compaixão, para poder ajudar essas pessoas que são necessitadas e que sofrem violência das mais diferentes formas. Não só da violência do tráfico humano, mas também os outros tipos de violência que hoje rondam o tempo todo à pessoa humana.

A nível de Brasil, a gente tenta, da melhor forma, mesmo sendo grupos pequenos, dar uma visibilidade maior, também pela participação e mobilização em encontros da sociedade, e também diante de incidências políticas. Hoje o espaço da incidência política se torna mais enfraquecido devido às circunstâncias e situações do nosso país atual, em todos os sentidos, economicamente, politicamente. Com toda a crise económica que está aí, a Covid-19 também enfraqueceu essa questão do espaço das políticas públicas.

Há necessidade de a gente reaver essa efetivação das políticas para poderem ter novamente um espaço maior e quebrar um pouco esse crime do tráfico humano, da exploração, do abuso, das diferentes formas.



O Papa Francisco assumiu o combate ao tráfico humano, os refugiados e outros temas que preocupam à Rede um Grito pela Vida. Como isso tem ajudado no trabalho da Rede nos últimos anos?

O Papa Francisco conseguiu trazer para a sociedade mundial esse desafio, esse problema da exploração, do abuso, do tráfico humano, de pessoa vendendo pessoa, que é um dos crimes mais hediondos conforme a fala dele. Para nós, como Rede um Grito pela Vida, e mesmo todas as redes que trabalham na prevenção do tráfico humano, como a Rede Talitha Kum, a nível mundial, as redes a nível da América Latina, a nível do Brasil, o Papa Francisco é um exemplo de pessoa inspirada por Deus, que em todas as circunstâncias nos convida a sermos profetas e profetizas na defesa da vida.

O Papa Francisco é um ponto de referência, e a partir das orientações pastorais sobre tráfico humano, que foi divulgado em 2019, aponta pontos centrais que nos orientam e que nos ajudam neste caminho. O Papa Francisco é uma pessoa que se torna um elo entre todos os grupos que trabalham na prevenção do tráfico humano.

Diante da atual conjuntura no Brasil e no mundo, com a experiência vivida nesses 15 anos, quais os desafios que se apresentam no caminho da Rede um Grito pela Vida?

Os desafios são muitos e sempre estão aí. Nós como Rede temos o objetivo do enfrentamento ao tráfico humano, defendendo a vida, especialmente de crianças e jovens, mulheres que são vítimas do tráfico. Nossa missão de sensibilizar, de capacitar, de informar, de denunciar, de ir tecendo redes e parcerias nessa luta por justiça e por políticas em prevenção do tráfico humano, são desafios constantes.

No Brasil, é um desafio a grande extensão geográfica, toda a situação governamental do país hoje, a retirada das conquistas das políticas públicas que defendam a mulher e a criança nessas situações. Um outro desafio muito grande é o aumento da vulnerabilidade a partir da pobreza, do desemprego, a infraestrutura muito precária, principalmente das pessoas que moram nas periferias, que são as vítimas mais fáceis para o tráfico humano.

Temos também os desafios dos grandes projetos de desenvolvimento, a possível exploração da Amazônia, onde acaba se tornando um espaço que provoca o tráfico humano, especialmente para a exploração sexual. Essa abertura da possibilidade da exploração de garimpo, da questão das grandes fazendas. Toda a questão também dos grandes processos migratórios, trazendo presente a Guerra da Ucrânia, com pessoas de lá que já chegaram no Brasil. São situações e desafios muito grandes que nos envolvem.

Um outro grande desafio é que no nosso país não existe uma casa de acolhida de pessoas que são resgatadas do tráfico humano, que possam ficar um tempo determinado para poder se restabelecer e retomar a vida de outra maneira. A partir desses desafios tem outros em cada Estado, de forma diferente, de acordo com cada realidade.



Como Coordenadora Nacional da Rede um Grito pela Vida, qual seria sua mensagem para a Vida Religiosa e para a Igreja do Brasil em vista de tomar uma maior consciência sobre essa problemática e o envolvimento cada vez maior no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes e o tráfico de pessoas?

Quando a coordenação pensou um pouco essa data do dia 30 de março, trazendo toda a caminhada que foi feita, nós pensamos um logo e um tema específico para celebrar esses 15 anos, que é “No Grito da Vida nasce a Esperança”. Exatamente pelo fato de sermos pessoas que precisam ser portadoras de esperança para quem grita pela vida.

Nesse logo, a gente colocou alguns pontos centrais. No desenho aparece o ramo verde, a mão com a palma em forma de coração, os 15 anos com o logo da Rede. Esse coração enraizado, que Deus coloca dentro de nós e nos provoca a uma opção pela promoção da vida, nasce esse ramo do verde como esperança. Das mãos abertas, esse trabalho de profecia na história de cada pessoa, os dedos com cores diferentes, trazendo presente os dons diferentes da história, da vida, das raças, das culturas, e que vão criando raízes de paz, de justiça, de fraternidade.

O ramo verde no logo como a esperança do novo que brota para o alto, devido a toda circunstância de desalento que hoje as pessoas sofrem diante de tantas crises que existem, e pela luta, pela sobrevivência que as pessoas estão vivenciando.

Desafio e convite para a Vida Religiosa e os leigos e leigas, de se abrir para ouvir e acolher os gritos das crianças, jovens, mulheres aliciadas para o tráfico humano e exploração sexual e laboral. Que possamos conhecer essa realidade e esse desafio que está muito presente em nossa sociedade. Que possamos ouvir o grito da vida e sermos sinal de esperança.

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Um comentário:

  1. Muito lindo o Logo e todo o significado.
    Deus abençoe essa iniciativa, cada vez mais urgente em nosso mundo.
    Abençoe todas as pessoas, religiosas e leigos que têm entregue a sua vida para que a vida seja mais cuidada, respeitada e protegida.
    " Eu vim para que todos tenham vida..." (Jo10,10)

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