A mega mineração está cada vez mais presente na América
Latina, com um grande aumento durante a pandemia, uma época em que os lucros
das empresas de mineração dispararam. É uma conta que é paga pelas comunidades,
pelos trabalhadores e pela natureza.
Lutar contra isso é um dos objetivos da Rede de Igrejas e
Mineração, da qual o Padre Dário Bossi é membro. Nesta entrevista ele nos fala
sobre a realidade das comunidades afetadas, os passos dados, destacando a
Caravana pela Ecologia Integral em Tempos de Extrativismo, que recentemente
percorreu vários países europeus, incluindo uma visita à Cúria do Vaticano.
O desafio é avançar em tudo o que é apontado na Laudato Sí,
que as Igrejas façam "um exame de consciência muito severo e exigente para
se perguntar até que ponto corre a Igreja o perigo de ser cumplice deste
sistema de morte que está saqueando os territórios e a natureza". Renovar
a “opção, como diz a encíclica Laudato Si´, pelos pobres e pela Mãe
Terra".
Qual é a realidade latino-americana em torno à mineração
atualmente?
A opção pelo extrativismo predatório em América Latina vem
de longe. Foi uma opção que atravessou diversos países e diversos espectros
políticos, da direita à esquerda, no continente todo. Porém, neste último
período, a crise da pandemia, o aumento da pobreza, da inflação, os impactos
que a guerra na Ucrânia tem provocado na segurança no acesso às matérias
primas, aos combustíveis fósseis, aos fertilizantes, em general ao minério,
junto com a falta de segurança dos fluxos financeiros e uma volta ao ouro como
instrumento que garante a estabilidade financeira, tem contribuído para
aumentar ainda mais o ritmo avassalador do extrativismo.
Tanto é que nos anos da pandemia, os lucros das mineradoras
em América Latina têm aumentado vertiginosamente. O que é escandaloso se a
gente for olhar a queda do Produto Interno Bruto dos países, a queda do acesso
mínimo a salários e direitos da população. O aumento da distância entre os mais
ricos e os mais pobres tem sido contribuído também pelo aumento dos lucros das
grandes mineradoras.
Quem está pagando a conta de tudo isso?
Estão pagando três grandes categorias: as comunidades, que
tentam defender seus territórios e modos de vida, os trabalhadores e a
natureza. Cada vez mais as comunidades estão sendo ameaçadas, porque a
necessidade de um extrativismo que expanda as fronteiras, o freio é a chamada
licença social, que as empresas nem sempre conseguem obter. A licença ambiental
é conferida pelos estados, que são geralmente cumplices das grandes empresas,
mas a licença social tem que ser garantida pelas pessoas que moram nos
territórios, e nem sempre isso é tão fácil de conquistar.
Frente a este conflito aumenta a ameaça, a ameaça aos
indígenas, como acontece aqui no Brasil com os projetos de liberar a mineração
em terras indígenas, a ameaça aos camponeses, ameaças às comunidades que querem
manter um outro tipo de relação com seus territórios. Também os trabalhadores
estão pagando a conta, porque a gente viu isso fortemente na pandemia, mas
repercute ainda hoje. A força de negociação das empresas frente a uma perda de
direitos, a uma perda de salários, a uma necessidade de trabalho das pessoas,
aumentou.
As pessoas tiveram que se submeter cada vez mais a descontos
na reivindicação de direitos trabalhos. A mineração foi reconhecida durante a
pandemia como uma atividade essencial, o que é absurdo, paradoxal. Se a gente
for olhar os estoques de minérios que estão estocados em muitos países, não era
tão essencial. Era possível reduzir ou até suspender por um tempo a extração
durante a pandemia.
Mas ela aumentou de ritmo durante a pandemia, o que mostra a
perda de força de negociação do trabalhador frente ao poder da empresa. Disso é
obvio que quem paga a conta é a natureza porque a expansão da mineração em
regiões até então, como territórios indígenas, áreas protegidas, parques
naturais, áreas de fronteira, que até então vinham sendo vinculadas a uma
legislação mais rigorosa, se perdeu. Tanto do ponto de vista da mineração
ilegal, do garimpo, como do ponto de vista da mineração industrial, a expansão
acaba afetando os direitos da natureza.
Está fazendo algumas denúncias que vêm sendo feitas nos
últimos anos por diferentes organizações, inclusive da Igreja católica, em
referência à mineração. Recentemente, uma caravana latino-americana visitou 6
países da Europa, fazendo essas e outras denúncias, inclusive no Vaticano. Qual
a importância que essa caravana pode ter de cara ao futuro?
A caravana quis dialogar tanto com a sociedade civil como
com as Igrejas, tinha um dúplice objetivo. Queria primeiramente levar
solidariedade do Sul Global a uma Europa que vem se sentido fortemente ameaçada
pela guerra, que é uma guerra de disputa de territórios por matérias primas.
Uma guerra que disputa canais de escoamento e de fluxo de matérias primas.
Por tanto é uma guerra que os países do Sul vivem
constantemente, talvez de modo menos visibilizado, mas constantemente efetivo,
nas mortes, na militarização dos territórios, na aliança entre exércitos,
empresas e atividades ilegais extrativas. Um Sul Global que quer mostrar sua
solidariedade a Europa e gritar que a fonte deste tipo de violência bélica não
é nada mais que o modelo de extrativismo predatório que vem se reproduzindo em
terras que até então se sentiam protegidas, seguras, em paz.
Além dessa solidariedade, a caravana quis levar a denúncia
desse modelo e das guerras vividas desse lado. Inclusive a denúncia das
consequências e perspectivas que o novo contexto de conflito internacional irá
provocar nos países do Sul Global, não só na América Latina, mas também em
África. Por último, a caravana quis fazer um apelo à solidariedade, levantar a
capacidade que a sociedade civil e a Igreja europeia sempre tiveram, e que
precisa reanimar de aliar-se às Igrejas e às comunidades latino-americanas.
Depois de 7 anos da encíclica
Laudato Si´, até que ponto ela tem sido assumida pela Igreja? Até que ponto a
Igreja tem assumido que defender a Casa Comum é uma missão que não pode ser
deixada para trás?
Estamos ainda longe de compreender
que a ecologia integral é um paradigma que desmonta o modelo econômico,
político, cultural, que até então temos promovido, e que tentamos concertar em
alguns pedaços, em algumas engrenagens que não estão funcionando. Estamos longe
de mudar o modelo de forma radical, estamos longe de descolonizar a nossas
visões, como igrejas e como sociedade para aprender que a mensagem da Laudato Si´, talvez tenha seus principais profetas em
populações minoritárias ou intuições minoritárias vividas por grupos que
não tem poder.
Porém, por outro lado há sinais de
esperança, porque a Igreja tem conseguido através do Sínodo da Amazônia,
estabelecer alguma aliança nova, trazer à tona a voz protagonistas destes
povos, reverter algum movimento que estava excluindo o protagonismo destes
povos. Estamos só no começo de um processo muito grande.
As igrejas têm que fazer
constantemente um exame de consciência muito severo e exigente para se perguntar
até que ponto corre a Igreja o perigo de ser cumplice deste sistema de morte
que está saqueando os territórios e a natureza. E até que ponto, mesmo sem ser
cumplice, sua neutralidade, suposta como equidistante, esta neutralidade
silenciosa corra o perigo de se tornar inerte, incapaz de transformar, incapaz
de tomar uma posição ao lado dessas comunidades proféticas. A conversão
ecológica que pode nascer desse exame de consciência radical é algo que nos
desafia muito.
E o que falta na Igreja para que isso
seja assumido?
Falta renovar a opção, como diz a
encíclica Laudato Si´, pelos pobres e pela Mãe Terra. Isso é radical, é
simples, mas ao mesmo tempo é essencial, não se pode camuflar com outras
escolhas pastorais. Uma escolha pastoral decidida, que coloque ao centro o
grito dos pobres e o grito da Mãe Terra, vai acarretar consequências da
organização das pastorais, das prioridades, dos grupos de trabalho, do poder na
Igreja, da coragem profética da denúncia. Se tivermos a coragem fundamental de
colocar ao centro o grito dos pobres e da Mãe Terra como sujeito.
Nesse sentido, é bom destacar o apoio
da Igreja ao Foro Pan Amazônico de Belém em julho, a importância da Igreja
cooperar com os movimentos sociais, que é um outro grande chamado do Papa
Francisco. Aqui em Latino américa, a Igreja está acolhendo esse apelo do Papa,
vai reavivar de novo esse apelo com a adesão ao Foro Pan Amazônico de Belém,
onde a REPAM se fará presente para relançar um Sínodo em um diálogo mais
aberto, mais alargado, mais ainda Pan Amazônico.
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