quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Encontro fraterno de formação dos missionários/as da Tríplice Fronteira: Brasil- Peru- Colômbia


O Espírito Santo já soprava e nos convidava a escutar o clamor dos pequenos e oprimidos quando em abril passado no final do nosso ultimo encontro dos missionários e missionárias da tríplice fronteira decidimos fazer o próximo momento em Atalaia do Norte. Os trágicos eventos que se sucederam foram o estopim da explosão que revelou para o Brasil e o mundo o quanto é preocupante e desafiadora a situação de insegurança e de descaso com os povos originários e ribeirinhos na nossa região.

Com o intuito de antecipar uma Igreja sinodal na Amazônia fizemos nosso encontro com o tema a Sinodalidade e o grito de tudo e de todos pelo Bem Viver na tríplice fronteira. Nosso objetivo era escutar os indígenas e ribeirinhos, conhecer a realidade, dialogar e propor ações missionárias dentro do espírito sinodal para garantir a vida com sustentabilidade, dignidade, justiça e paz.

O encontro aconteceu dias 23 e 24 de agosto na paroquia São Sebastião de Atalaia e 36 pessoas participaram. Lideranças indígenas expuseram e partilharam conosco suas vidas, culturas e desafios.  Queríamos ouvi-los para dar melhor resposta com uma evangelização encarnada. Precisamos conhecer mais para poder amar mais e melhor. Falaram os representantes do governo municipal, das associações dos indígenas e das organizações de mulheres. O representante dos ribeirinhos não pode se fazer presente.

Os desafios são grandes porque o espaço é de 8,5 milhões de hectares. Habitado pelos mayurunas, matís, marubos, kurubos, canamaris e 23 referencias de indígenas isolados. É a segunda maior área demarcada do país. Existem fragilidades na vigilância pelo bom uso e preservação desse território. Falta um acompanhamento pedagógico para o cuidado do bioma, salvaguarda da cultura e retorno dos jovens que se formam na cidade para as aldeias. É preciso promover a geração de renda e uma economia justa e sustentável. Muitos indígenas se dedicam ao plantio da droga para obter dinheiro. Existe o esvaziamento das aldeias.



O poder público não garante a segurança, a saúde, educação Muitos indígenas evadem para as cidades onde vivem como seres “invisíveis” aos olhos das autoridades e da população. Sua cultura, língua, pajelança, medicina, música e os saberes tradicionais são relegados pelos mais jovens. Assim o território é invadido pelos exploradores que encontram o espaço livre. O pedido feito a nós foi para nos aproximar mais dessa realidade indígena, participar das associações existentes, apoiar as iniciativas locais nas aldeias e nas cidades, promover capacitações técnicas, o retorno da pastoral da criança e da pastoral indigenista.

Foi realçada a importância da interculturalidade e superar o conhecimento superficial e folclórico que temos dos povos originários. Que precisamos todos ter mais cuidado e preocupação com a natureza. Os indígenas e ribeirinhos precisam se organizar e trabalhar juntos no agro extrativismo sustentável, no manejo dos lagos, sempre focados na defesa da vida. Isso exige muito diálogo e calma para criar confiança e evitar violência. Foi relatado o caso dos ribeirinhos implantados nas “colocações”. Sempre trabalharam, cortavam a madeira e pescavam, mas ficavam endividados e nem casa própria tinham para morar, porque quem levava vantagem era quem negociava a produção.

A floresta é a nossa família e todos os que a defendem são nossos “parentes”. A natureza é nossa mãe e somos filhos dela e do Deus Tamacuri. Somente pensando diferente seremos pessoas diferentes. O rio, ontem fonte de vida, hoje se tornou perigoso. Um rio sem lei, dominado pelos narcotraficantes. Os indígenas são os guerreiros da floresta, mas suas vidas e de seus líderes são ameaçadas e o medo reina. Os indígenas querem viver em paz e em harmonia. Tem vida, tem terra, tem água, tem alegria para todos, menos para os garimpeiros, madeireiros, caçadores, pescadores, fazendeiros que depredam e contaminam nossa Amazônia e os traficantes de pessoas que comercializam nossa gente.

Os indígenas não atrapalham o progresso, mas não querem que sigamos com a lógica de destruição, roubo e morte da época colonialista. Foi relatado o caso do indígena que foi a São Paulo para um encontro e começou a sangrar pelo nariz devido a poluição. Que foi preciso ir um deles para Nova York para falar porque está acontecendo a mudança de clima e o aquecimento global. Ele lembrou que os jornais nos Estados Unidos estamparam que era hora de “Amazoniar a América”.

Por isso temos que lutar todos pelo bem viver de todos. Temos que ficar de olho com as ações que causam danos para a natureza e as pessoas. O grito dos indígenas foi também para que ajudemos a dar as condições dignas para que possam permanecer nas suas aldeias e que essas áreas sejam efetivamente protegidas. O clamor deles tem a esperança de que chegue aos ouvidos dos brasileiros que têm o comando das forças armadas, que têm a missão de garantir a integridade do nosso povo e do nosso território.



O grito lançado foi para que mais que construir e edificar igrejas, como fazem muitas denominações religiosas, precisamos construir um habitat saudável e amoroso e edificar pessoas novas que vivam com amor e em harmonia com tudo e com todos. Sempre respeitando a identidade dos povos originários e a sua força espiritual. Jesus orava, mas não vivia de joelhos. Ele não era sacramentalista e nem tradicionalista. Por isso, não devemos satanizar os ritos religiosos e culturais dos indígenas.

O clamor final dos expositores foi que a nossa Igreja, através de seus organismos, faça ressonância desse grito em favor da proteção dos povos originários e do seu território em todos os níveis nacionais e internacionais. Foi preciso que pessoas que nos defendiam e que queríamos bem fossem mortas para o governo acordar e ver o nosso pesadelo. Temos que fazer mais e discursar menos. Nesse sentido e porque temos que ousar mais, primeirar, esperançar e amorizar e ouvir bem mais nossos povos originários, foi decidido fazer uma carta dirigida aos fiéis e autoridades das nossas Igrejas na tríplice fronteira para ecoar o grito desse povo sofrido. 

A súplica foi: não nos deixem gritar só! Não desistam de lutar por nós! Ao final do encontro ficamos com alguns questionamentos e provocações. “Arrancaram nossos frutos. Cortaram nossas ramas. Queimaram nosso tronco. Mas não puderam matar nossas raízes”. Que elementos de sabedoria ancestral e sinodalidade reconhecemos nos testemunhos e expressões indígenas que escutamos? Que palavras e atitudes desses testemunhos podem enriquecer nossa sinodalidade? A partir do que reflexionamos como recuperar a forma do Bem Viver e a espiritualidade da sinodalidade? O que existe de sinodalidade no meu discurso, na minha prática pastoral e na minha comunidade? Como antecipar o surgimento de uma Igreja Sinodal na Amazônia? Que compromissos devemos nós, missionários da tríplice fronteira na Amazônia, assumir na missão frente à sociedade e à natureza?

Lembremos sempre que as lutas do povo são lutas sinodais. Não sejamos proselitistas, mas engajados no cuidado com a vida, procurando as sementes do Evangelho nessas terras, florestas, águas e coração desse povo. Todos precisamos trabalhar juntos e todos, não só os indígenas, nos “integrar” numa nova realidade de vida, justiça e paz. Sinodalidade é caminhar juntos para buscar a vida terna nessa Casa Comum até chegar a vida eterna na Casa do nosso Pai, Mãe e nosso Deus.


Pe. Carlos Alberto Pinto da Silva

 

 


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