A passagem do Evangelho do Primeiro Domingo da Quaresma leva Dom Leonardo Steiner a se questionar: “Como é possível que o Filho de Deus seja tentado?”, respondendo que “Ele se prepara para iniciar a sua missão como anunciador do Reino dos céus”. Segundo o Arcebispo de Manaus, “a tentação a nos indicar a experiência da fé em nossa condição humana, na finitude. É a experiência da realidade humana, confrontada com a decisão de buscar a vida nova; é o confronto que pode iluminar o caminho da fé pela verdade do Evangelho, pela morte e ressurreição de Jesus”.
O Cardeal Steiner define a tentação como “a experiência da fé em nossa limitação, em nosso mundo”, e junto com isso como “a experiência de, na limitação, nos abrirmos para a graça da vida nova oferecida por Jesus e que o Evangelho sempre nos aponta: a liberdade, o amor do Pai”. Ele insiste em que “temos muitas tentações!”, relatando alguns exemplos, que mostram a tentação como “uma realidade humana, um acontecer humano”. Do ponto de vista moral, a tentação é vista como “a experiência que fazemos de nos confrontarmos com uma situação, pessoa, objeto, e entramos numa decisão”.
Dom Leonardo insiste em que “a tentação pode levar ao pecado, mas não é pecado”. Citando Santo Agostinho, ele diz que “a tentação pode nos fortificar no caminho do seguimento de Jesus”, uma experiência que nos é apresentado no Evangelho de hoje. No texto a tentação aparece como “experiência da transparência de Jesus na relação com o Pai. Jesus é tentado, é provado”. O Cardeal nos faz ver que “na narrativa das três tentações Jesus é confrontado com a fome, com o poder e com o não abandono de Deus. A tentação da fome de transformar a pedra em pão; a tentação do domínio de assumir o poder dos reinos; a tentação de não ser abandonado por Deus, sendo servido e acolhido pelos próprios dos anjos”.
“Jesus sai do deserto mais forte, sai das tentações mais lúcido. Ele sai mais transparente da experiência do deserto, isto é, das tentações do deserto. O Filho do Pai não tenta o Pai, não é tentado pelo Pai, mas por aquele que divide, o diabo. É tentado e na tentação se reencontra como Filho no Pai”, insiste o Cardeal. Ele questiona “na aridez, no confronto com a nossa temporalidade, no deserto, nos 40 dias de nossa vida, não estamos sempre na tentação do fechamento e do enclausuramento em nossa realidade e na tentação contínua de querermos ultrapassar, transcender a nós mesmos as nossas dificuldades e tensões? Não estamos na tentação de fugir do deserto, isto é, do confronto com nossa realidade nua e crua, dura, ofegante, pesada e tentarmos, num passe de mágica, querer transcender, ir para além, a partir de nós e não enfrentarmos na raiz as limitações?”. Dom Leonardo responde que “nas tentações de Jesus nos é apontada a medida grandiosa da tentação como prova, como confronto, como busca do que somos não a partir de nossas forças, mas de Deus”.
Segundo o Arcebispo, “no início da Quaresma, a palavra de Deus nos indica o caminho da tentação como a experiência da nitidez de sermos filhas e filhos do Pai Celeste”. Elequestiona: “não seria a tentação, a provação, o medir-se com nossa realidade desértica, e no jejum, na oração, na esmola, crescermos, assim, na nossa responsabilização e transparência do que somos na nossa raiz, sem nos deixarmos dividir e sem deixarmos decair o sentido inigualável de sermos busca do Reino definitivo. A tentação não como peso que carregamos, mas como chance e possibilidade de abrir toda a nossa pessoa à verdade do Pai?”.
O Arcebispo de Manaus faz ver se “não seria o tempo da Quaresma o tempo em que examinamos melhor o sentido da nossa vida e percebemos o quanto na tentação, isto é, o quanto, na experiência concreta do Evangelho, guiados pelo Espírito, podemos chegar à plenitude da vida cristã? Não seria a tentação, guiados pelo Espírito, chance de termos olhos abertos e límpidos, como Jesus, e tentarmos em cada tentação, vermos melhor as coisas do alto?”. Daí ele destaca que “a tentação pode elucidar e optar pela grandeza sem igual da vida amorosa com o Pai”, insistindo em que “para o cristão a tentação é a possibilidade, sempre renovada, de confronto, de maturação, para deixar-se guiar pelo Espírito. Tentação é fazer a experiência de quem apreendeu a amar como Jesus ama e é amado pelo Pai. Por isso, rezamos em cada Pai nosso: não nos deixeis cair da tentação”.
“A tentação pode nos levar a pecar. Como dizemos cair em pecado. O Evangelho de hoje nos ensina que Jesus na tentação vai clareando a sua relação com Pai e clareando a sua missão. Sai do deserto purificado, fortificado”, segundo Dom Leonardo. Ele lembrou que “iniciamos na quarta-feira das cinzas nosso caminho quaresmal. Ao recebermos as cinzas nos dispusemos a sondar com mais disposição e alegria o nosso viver de cristãos”.
Refletindo sobre esse caminho, o Cardeal o define como “precioso e rico para nos encontrarmos com a razão de nossa fé, a razão de ser cristão, de sermos católicos. Esse tempo como o tempo favorável de conversão, pessoal, comunitário, social e ambiental. Uma conversão uma mudança de vida na sua totalidade. Ao ressoarem hoje aos nossos ouvimos o jejum de Jesus no deserto nos damos conta da necessidade de nos abrirmos, para nos deixarmos sondar pelo Mistério da nossa salvação, o Mistério do amor”.
Em relação à Campanha da Fraternidade, Dom Leonardo faz ver que “fraternidade e fome é a realidade que a Igreja no Brasil nos propõe para reflexão, confronto, discussão e oração no tempo da quaresmal. A fome que não deixa acontecer a fraternidade, a fome que demonstra que não somos fraternidade. Por isso o lema buscado em Mateus: “Dai-lhes vos mesmos de comer” (Mt14,16)”.
O Cardeal Steiner lembrou as palavras do Papa Francisco em relação à fome, questionando: “como permanecermos indiferentes e insensíveis, como seguidores e seguidoras de Jesus, com 33 milhões de brasileiros que enfrentam a fome?”. Diante disso, ele pediu: “não cairmos na tentação de fecharmos os olhos para não vermos a fome dos irmãos”.
Dom Leonardo lembrou também o esforço feito nas nossas comunidades, a ajuda oferecida por pessoas, que ele vê como admirável. Segundo ele, é “admirável, pois a fome não nos deixa indiferentes. Sentimos a responsabilidade de irmãos, de irmãs”. Ele denuncia que “no entanto, a questão é estrutural. O sistema econômico ignora, descarta os pobres, não os insere na sociedade, não os dignifica”. Por isso, ele cobra a necessidade de “políticas públicas que possibilitem trabalho e permitam a todos participar com dignidade e modo justo na sociedade e na Igreja”.
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