sexta-feira, 23 de junho de 2023

Cardeal Steiner: “Não se pode pensar na Igreja que evangeliza na Amazônia sem a participação dos leigos, mulheres e homens”


O encontro continental de Ameríndia, que está sendo realizado em Manaus de 22 a 26 de junho, teve a participação do cardeal Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus, que refletiu sobre a evangelização na Amazônia. O ponto de partida foi a Evangelii Nuntiandi, onde o Papa Paulo VI afirma que toda a Igreja é missionária, que a obra de evangelização é um dever fundamental de todo o povo de Deus.

Todos somos evangelizadores

Dom Leonardo lembro, seguindo o apresentado na Evangelii Nuntiandi, que “todos somos evangelizadores, todos somos testemunhas do Reino”, insistindo em que “evangelizar não é um ato individual, nem isolado”. Nessa perspectiva, as Diretrizes para a Ação Evangelizadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil falam de comunidades missionárias, onde todos os batizados são missionários e “nós experimentamos isso na Amazônia”, ressaltou o cardeal. Isso porque “a obra de evangelização é sempre uma obra de Igreja, de comunidade, a sinodalidade nos ajuda a isso, superar os modos individualistas”, afirmou.

O arcebispo de Manaus destacou a importância do Encontro de Santarém em 1972, que considera “decisivo para a evangelização da Amazônia”. Naquele encontro aparecem dois princípios: encarnação e libertação, é uma Igreja que não está de passagem, com missionários que vieram, permaneceram e aqui foram enterrados. Um bom odor que perdura, uma missão que definiu como admirável, citando muitas congregações que realizaram esse trabalho.

O cardeal vê a necessidade de assumir a realidade, mas ao mesmo tempo ser libertada, “o Verbo encarnado exige uma aproximação com a realidade”, destacou. Ele advertiu sobre a “dificuldade para levarmos em consideração as culturas”, fazendo ver que cada povo tem sua cultura e seus espíritos. A partir de Santarém a Igreja da Amazônia foi se organizando, uma Igreja que se faz carne e arma sua tenda na Amazônia, para anunciar o Evangelho como fonte e sentido da libertação, defesa da casa comum e promoção da vida quando é ameaçada pelo falso conceito de progresso, que explora, deixando assim de promover a justiça e bem-estar para todos”, segundo Dom Leonardo.



Inculturação e interculturalidade como caminho de encarnação

Em Santarém o futuro foi pensado, e com o decorrer o tempo, o Documento Final do Sínodo para a Amazônia, enfatizou ideias presentes em Santarém, insistindo em que o caminho de encarnação são caminhos de inculturação e de interculturalidade. Partindo da sua experiência como bispo na Amazônia, o cardeal disse que “entender alguma coisa leva tempo”, destacando que “a cultura é fundamental”, e que se faz necessário repensar a partir dos povos, e que para isso precisamos tempo e escutar. Na Amazônia, uma Igreja encarnada e libertadora, princípios de Santarém, é uma Igreja servidora.

O arcebispo de Manaus abordou a hermenêutica que o Papa Francisco faz em Querida Amazônia.  Nos quatro sonhos, “na medida em que se vai lendo vamos percebendo dimensões de um todo, que vai se mostrando na medida em que os sonhos se vão explicitando”. Algo que ele definiu como uma hermeneuta da totalidade, que considera fundamento de toda evangelização na Amazônia, totalidade necessária para poder ser uma presença do Reino de Deus. São sonhos que abrem horizontes, que indicam o caminho a seguir, para ser uma Igreja que possa ser transformadora e libertadora.

Essa hermenêutica da totalidade vai dando um rosto, mesmo sabendo que na Amazônia não tem um rosto só. Daí a dificuldade de concretizar um rito amazônico diante de tantas culturas, algo que mais uma vez exige muita escuta, insistindo na necessidade de um rito que não seja só litúrgico.

Evangelizar a Amazônia a partir de si mesma

Reconhecendo a importância dos tantos missionários e missionárias ao longo da história, Dom Leonardo insistiu em que a Amazônia cada vez tem mais consciência de ser evangelizada a partir de si mesma. Ele destacou a importância das comunidades que foram dinamizadas por leigos e leigas, uma Igreja laical, com muitas lideranças femininas, chamando a fazer um esforço para que ela continue assim. Seu arcebispo, lembrou a experiência da assembleia sinodal realizada na Arquidiocese de Manaus, com grande participação dos leigos, também nas decisões. É por isso, que “dinamizar a Igreja a partir de nossos presbíteros não tem como”, afirmou, lembrando que os leigos sentem essa responsabilidade. Nesse sentido, ressaltou que não se pode pensar na Igreja que evangeliza na Amazônia sem a participação dos leigos, mulheres e homens.

Uma Igreja que cuida da ecologia integral, uma decisão tomada em Santarém 2022, como recolhe o documento do encontro. O cardeal denunciou que na Amazônia, “o massacre dos povos continua, e muitas vezes isso não é conhecido”, sempre tendo a ver com a ecologia. Ele definiu a situação do Povo Yanomami como “mostra de que a humanidade tem chegado muito baixo”. Tudo isso mostra a importância de “uma Igreja que sempre está à escuta de todas as realidades, que não tem medo de dialogar, uma Igreja sinodal, todos participando, todos opinando, rezando, celebrando, ajudando a visibilizar o Reino de Deus”, o que o levou a dizer que “no Norte (do Brasil) ser Igreja é mais encarnado, mais próximo”.

Uma Igreja testemunhal

Uma Igreja dos mártires, “a Igreja da Amazônia tem muitos mártires e muitos que não sabemos”, disse. Uma Igreja testemunhal, colocando como exemplo a solidariedade da Igreja de Manaus no tempo da pandemia, algo que ele disse nunca ter visto, lembrando que “atendemos mais de 100 mil pessoas, isso pela partilha das pessoas, das empresas, às vezes coisas pequenas”, uma amostra de que “fizemos aflorar a caridade, o amor, a solidariedade no tempo da pandemia”.

Uma Igreja que na Amazônia “tem um senso de caminhar juntos, com sensibilidade para com aquilo que é nosso, da Amazônia”, destacando a fraternidade entre os bispos, a ajuda entre eles, mas também uma relação que acontece entre povo de Deus. Finalmente, lembrando as palavras do Evangelho deste domingo, que diz “Não tenhais medo”, insistiu em que o Pai do céu cuida, “uma sensibilidade presente nas comunidades da Amazônia, com expressões profundas de fé e relacionamento”.



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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