Na
homilia do 12º domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo
Steiner, iniciou suas palavras lembrando o texto do Evangelho: “Ao cair da
tarde, Jesus disse a seus discípulos: Vamos para a outra margem!”. Ele
lembro que a passagem do Evangelho do dia começa dizendo: “Ao entardecer… (Mc
4,35)”. Ele lembrou as palavras de Papa Francisco no meio da pandemia do
Covid19 na Praça de São Pedro vazia, “onde nos consolava com estas palavras,
demonstrado o que era o entardecer, o cair da tarde, mas com confiança na
travessia”: “Desde há semanas que parece entardecer, parece cair a noite.
Densas trevas cobriram nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se de nossas
vidas, enchendo tudo com um silêncio ensurdecedor e de um vazio desolador, que
paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no
os olhares! Encontramo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do
Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda.”
Segundo o
arcebispo, “somos convidados à travessia, a buscar outra margem. Ao cair
da tarde buscar a outra margem. Ao cair de um dia, quando começa a descer a
noite, quando percebe-se findar uma possibilidade, quando as possibilidades
parecem findar, buscar a outra margem. Ao cair da tarde, quando estamos a
perder a luz, quando estamos para perder os olhos, quando os olhos começam a
perder o ver; quando a necessidade de ultrapassar o já visto, o já
compreendido, ultrapassar a segurança do tudo saber, do tudo ter, buscar a
outra margem. No meio das dificuldades, no meio da tormenta, no meio do
burburinho, no meio de tantos sofreres e não saberes, somos despertados pela
outra margem: da liberdade, da fé, da misericórdia, da esperança, da vida do
Reino. A outra margem nos atrai. A outra margem é mais que a espera de um novo
dia! É travessia”.
Dom Leonardo analisou o texto de Marcos,
a nos dizer que os discípulos “despediram a multidão e levaram Jesus consigo,
assim como estava, na barca” (Mc 4,36).
Nesse versículo, o arcebispo de Manaus destaca que “eles levaram Jesus com
eles. Levar Jesus é a essência do discípulo missionário, dos seguidores e
das seguidoras de Jesus. Levar significa, carregar o próprio Filho de Deus
que não tem casa, pois todos os homens, todas as criaturas, todos os povos são
sua casa. Fazer a travessia com Jesus. Ele presente no barco; Ele a travessia:
caminho, verdade e vida. Ele estará sempre na quase não presença no fundo da
barca”.
No meio da travessia, diz o texto,
“começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da
barca, de modo que a barca já começava a encher-se de água” (Mc 4,37). “Os ventos, as ondas, a agitação, e os
discípulos tomados pelo medo de soçobrar. Os ventos, as ondas que nos agitam,
despertam sentimentos de morte de desesperança”. Se referindo à travessia dos
nossos dias, dom Leonardo Steiner os identificou com “os ventos e as ondas
da violência, da pandemia, da agressão, da ganância a qualquer custo, do
desemprego, da fome, das águas, do negacionismo, da destruição do meio
ambiente, da negação da ética; quantas ondas e ventos. Ondas a nos atingir
às vezes duas de cada vez, somos tomados pelo medo de afundarmos como sociedade
como pessoas dadas à convivência”.
“Esse vento forte e agitado,
destruidor e essas ondas violentas que nos fazem temer pela vida de nossas
famílias, pela moral de liberdade e integridade. Essas ondas agitadas e
ventos de ídolos do vazio, da religião mascarada e mercantilizada. Uma religião
de um ritualismo vazio, sem amor aos pequenos e abandonados. Essa onda de morte
e vingança que leva a encher o barco a existência, das paixões humanas e do
mundo - os ídolos do poder, do domínio sobre os outros, da competição
religiosa; a ansiedade pela fama e pelos aplausos do mundo. Na medida em que
buscamos o outro lado essas tensões e desumanidades se apresentam como sinais
de morte. Não existe travessia sem tensão, sem desconforto, sem ventos fortes e
ondas agitadas. É que nos dada a graça da vida nova do reino de Deus:
transformação”, enfatizou o cardeal.
Citando as palavras de Rombach,
quando fala do sofrer, o arcebispo de Manaus disse: “Através da experiência
da cruz o homem aprendeu a ver o sofrer de outro modo. Sempre houve
sofrimento, mas ele não era sofrido. Só com o sofrer divino o homem aprendeu a
captar o sofrimento como figura fundamental do ser-homem: o homem que sofre tem
um direito infinito, sua figura é intocável, nem repreensão nem acusação, nem
boas palavras e exortações, nem louvação e recompensa nem meras ajudas técnicas
são de valia para ele. O sofredor perdeu algo de irreparável, a pátria, os
seus, o sentido. Caso nele a dor se transforme em sofrer, então ele se torna um
indivíduo infinito, que não é alcançado por nada mais. O sofredor tem um
direito absoluto. Rente a ele não passa nenhum caminho. Nele se torna presente
o ser-homem e a humanidade. Nisso reside seu serviço, sua oferenda, sua tarefa:
sofrer como experiência da infinitude e ajudar como um suportar estar junto.
Nessa figura em que co-pertencem sofrer e suportar-junto, as existências
individuais crescem para fora e para além de si.”
“A travessia é uma espécie de purificação, de conversão, de mudança de vida. Melhor é uma imersão sempre maior e mais dinâmica no Evangelho, no modo de viver de Jesus que sofreu na cruz até a morte”, segundo dom Leonardo. É por isso que “na travessia Jesus conosco! Jesus a nos levar no meio de tudo o que acontece na travessia. Ele ali no meio das tormentas, a dormir e nós esquecidos de sua presença, apesar de termos levado conosco. É no meio da agitação e do desassossego o buscamos e o vemos. E com sua presença, apesar da agitação e do odor de morte, nos entregamos à suavidade de sua presença e somos tomados pela serenidade das ondas e dos ventos.”
Citando uma homilia de Santo
Agostinho, no Sermão 75, sobre o texto de Evangelho do dia, o cardeal Steiner lembrou:
“Não há ninguém neste mundo que não seja viajante, ainda que nem todos desejem
regressar à pátria. Nós sofremos
com as ondas e as tempestades que decorrem da travessia, mas, mesmo assim,
fiquemos na barca. Com efeito, se
dentro da barca corremos perigo, fora dela a morte é inevitável! Aquele que
nada em alto mar pode ter muita força em seus braços, mas será, cedo ou tarde,
vencido pela imensidão do oceano, é devorado por ele e desaparece. Portanto,
é necessário estarmos na barca, ou seja, sermos transportados pela madeira de
um lenho, para poder atravessar o mar. O madeiro que carrega a nossa fraqueza
é a cruz de nosso Senhor, da qual
trazemos o sinal em nossa fronte, e que nos impede de ser engolidos pelo mundo. Sofremos
as agitações das ondas, mas é o Senhor que nos transporta. A barca que transporta os discípulos, isto
é, a Igreja, navegante, e a tempestade das provações a tomam de assalto. O
vento contrário, ou seja, o demônio que faz oposição à Igreja, não se acalma,
esforçando-se por impedi-la de chegar ao repouso do porto. Grande é, porém, aquele que intercede
por nós. Com efeito, durante a tumultuosa navegação em que nos debatemos, ele
nos inspira confiança, vem a nós e nos reconforta, a fim de que, sacudidos pela
barca, não nos deixemos abater e não nos lancemos ao mar. Porque, mesmo se a barca é sacudida pelas
ondas, é apesar de tudo uma barca, e somente esta barca transporta os
discípulos e acolhe Cristo. Ela corre um grande risco no mar, mas,
fora dela, imediatamente perecemos. Conserva-te,
pois, na barca e clama por Deus. (...) Aquele que concede aos navegantes a
graça de chegar ao porto, iria acaso abandonar a sua Igreja, em vez de
reconduzi-la ao repouso?”
Sobre Jó, “uma
das figuras que admiramos e contemplamos na Sagrada Escritura”, que aparece na
primeira leitura, dom Leonardo disse que “ele experimentou a noite, a
tempestade; tudo desmoronou, despareceu, a morte se fez sua vida e a sua vida
parecia morrer. No meio de tantas dores e sofrimentos, buscou permanecer na
proximidade de Deus. Ao lermos o livro de Jó temos dificuldade de permanecer na
fidelidade da leitura para nos darmos conta do significado da travessia, a
travessia do abandono, da solidão, da sensação de perder Deus. É que no meio do
lago, da tempestade, tem-se a percepção de perecer. No meio de todos os
despojamentos, das perdas, da tempestade que se desencadeara na sua vida, Deus
responde: ‘Quem
fechou o mar com portas quando ele jorrou com ímpeto do seio materno, quando eu
lhe dava nuvens por vestes e névoas espessas por faixas; quando marquei seus
limites e coloquei portas e trancas, e disse: Até aqui chegarás, e não além;
aqui cessa a arrogância de tuas ondas?’ (Jó 38,1.8-11). É extraordinária a
expressão de Jó: ‘Eu te conhecia por ouvir dizer, mas agora, vejo-te como meus
próprios olhos’ (Jó 42,5). Sim amados irmãos e irmãos é na travessia que vemos
Deus. É no meio das ondas agitadas, no não mais saber, de nada mais poder que
começamos ver a presença misteriosa e amável de Deus.”
Na segunda leitura, o cardeal
destacou que Paulo “nos recordava essa transformação inexplicável: ‘O amor
de Cristo nos pressiona’. Pois, ‘Cristo morreu por todos para que os vivos
não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e
ressuscitou’. E por estarmos em Cristo e Cristo está conosco na barca da
travessia somos ‘uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é
novo’ (cf. 2Cor 5,14-17). Por isso: travessia, a outra margem! Amor atrai amor,
nobreza obriga! Porque o Evangelho é novo modo de viver, novo sentido de ser,
somos atraídos pela outra margem e sermos com Cristo”.
“Travessia é um morrer-viver; um
viver-morrer: renascimento! Uma nova vida! É renascimento! ‘Tudo agora é novo.’
‘Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?’ Aquele
que está conosco sempre na travessia. Mesmo que tenhamos a tentação de não
percebê-lo, Ele está. Sempre estará. É na travessia que vemos que é ‘Esse a
quem o vento e o mar obedecem’. Façamos a travessia!”, finalizou o presidente
do Regional Norte1 da CNBB.
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