Pacaraima,
uma pequena cidade na fronteira com a Venezuela, era um local desconhecido, que
se tornou manchete dos jornais com o início da migração venezuelana. A cidade
mudou o rosto, em dez anos sua população dobrou, e hoje 50 por cento são venezuelanos.
Pacaraima é local onde a Igreja alarga sua tenda cada dia, se tornando casa
de acolhida, mas ao mesmo tempo lugar de diversas formas de exploração, com
episódios que são claros exemplos das dificuldades que enfrentam os migrantes
em muitos lugares do planeta.
Uma realidade de sofrimento e esperança
A missão
que a Comissão Episcopal Especial para o Tráfico de Pessoas da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), está realizando em Roraima, com visitas à
Guiana e a Venezuela, permite conhecer uma realidade que encerra muitas
macelas, situações de sofrimento que muitas vezes não aparecem, mas
acontecem, provocando aflição em pessoas que carregam histórias de vidas
feridas.
Em
Pacaraima, uma cidade marcada pelas filas, por pessoas deambulando nas ruas,
a acolhida é realizada pelo poder público, principalmente pelo exército
brasileiro, por organismos internacionais e por diversas instituições, dentre
elas a Igreja católica. São diversos os espaços de acolhida, destinados a diversos
públicos, dentre eles povos indígenas, mulheres com crianças, famílias, idosos.
O refúgio dos povos indígenas abriga cinco povos diferentes chegados da Venezuela,
fugindo da fome, da violência, do garimpo e de muitas outras situações adversas.
No Brasil eles querem constituir comunidades indígenas, onde os diversos povos possam
reconduzir sua vida.
A Igreja acompanha os migrantes
A Casa São
José, abrigo para mulheres e crianças, foi criado em 2020 pelas Irmãs de São
José de Chambery. As condições em que se encontravam as mulheres, que sofriam
diversas formas de maltrato, exploração e tráfico de pessoas, levou as
religiosas, sem nenhum recurso, nem ajuda, a iniciar uma verdadeira aventura.
Aos poucos as ajudas chegaram, primeiro da Operação Acolhida do Governo
Brasileiro, que até hoje fornece alimentação, e depois de muitas pessoas, de
diversos lugares do Brasil e do mundo, sensibilizadas depois da invasão do
abrigo em 2021. Um tempo de “muito sacrifício, muito choro”, diz nas lágrimas a
religiosa que coordena o espaço, junto com voluntárias venezuelanas, que
conhecem melhor a cultura das mulheres que lá chegam. Atualmente a passagem é
mais rápida, no máximo um mês, no início algumas mulheres ficavam até seis
meses, porque não tinham aonde ir.
As irmãs de
São José de Chambery também acompanham a primeira associação de migrantes venezuelanos
no Brasil no ramo da panificação, a Padaria São José, um sonho de ter pão em
todas as mesas, de levar o pão às comunidades mais necessitadas, mais
distantes de Pacaraima. Um sonho que foi iniciado no salão da paróquia e onde
depois de dois anos trabalham sete pessoas, que tem seu espaço de atendimento,
ajudando os venezuelanos que cada dia entram pela fronteira. Criar essa
associação não foi fácil, mas o apoio da diocese de Roraima fez possível sua
legalização.
Outros dois
projetos da Igreja católica são o Projeto Porta Aberta, com capacidade
para 50 pessoas, que acostumam ficar duas semanas, acolhendo aqueles que
esperam a interiorização no Brasil. Oferece café da manhã, almoço e janta, e
desde novembro de 2023 passaram mais de 120 famílias. Igualmente o projeto com
idosos, que durante o dia oferece diversas atividades aos idosos, ambos
projetos coordenados pelo padre Jesus Fernández de Bobadilla.
Indiferença diante da migração e o tráfico de pessoas
Dessa
missão participam o bispo de Picos (PI) e membro da comissão, dom Plinio José Luz
da Silva, que, diante do tráfico dos seres humanos, denuncia “a indiferença
da sociedade, também da Igreja, em diversas regiões”. Diante disso, o bispo
afirma que estamos diante de “algo que é escondido, mas que existe, e ele
precisa ser considerado e combatido”. Um assunto que quando é falado, “não dá nenhum
impacto, o pessoal não quer discutir sobre esse determinado assunto, entrar nos
fatos”. Ele destaca que na própria CNBB não se fala nesse assunto, ele mesmo
veio conhecer a comissão agora que foi convidado para fazer parte, “mas não
tinha conhecimento desse trabalho que era feito”, sublinhando “o desconhecimento
e por tanto desinteresse” sobre a temática.
Diante
dessa realidade, “eu vejo a necessidade da divulgação para prevenir”. Do
mesmo modo que outras realidades que tem a ver com os pobres e a injustiça
social são debatidas pelas Pastorais Sociais, o bispo de Picos insiste na necessidade
de divulgação, de que nos subsídios da CNBB para as diversas campanhas, seja
contado a realidade, como acontece em Roraima, onde “as pessoas ficam vulneráveis
diante da migração, as pessoas ficam desfavorecidas de todos os recursos”, o
que faz com que as organizações criminosas encontrem a oportunidade para usar os
migrantes como mercadoria.
Dom Plinio
destaca a necessidade de a comissão conhecer a realidade para saber enfrentar
os ataques à vida, essa chaga na vida das vítimas. Ele afirma que “esta
missão, ela enriquece a gente com um conhecimento para que possa argumentar
para a sociedade aquilo que a gente conhece”, o que demanda da comissão
estar “permanentemente nessa investigação”, em vista de divulgar fatos nos
meios de comunicação, o que ele considera fundamental, “as pessoas precisam
tomar conhecimento do que está acontecendo e possam reconhecer em volta da
realidade local, casos que são ocultos”.
Defender a vida sempre
Como
Igreja, “nós precisamos defender a vida, desde a sua concepção até o fim
último”, como missão da Igreja, segundo o bispo. Ele destaca que “essa
vida, ela está realmente envolta na realidade”, afirmando que “o maior
sofrimento do povo é gerado por uma sociedade da indiferença, da divisão de
valores, da falta de oportunidades de viver dignamente, principalmente os mais
pobres, os mais vulneráveis, que são os primeiros a sentir esse impacto”. Ele
denuncia iniciativas dentro da Igreja católica que “praticamente excluem de sua
missão essa parte de olhar a pessoa como um todo, na sua dignidade”.
O bispo enfatiza
que “há situações em que só a gente falar na palavra pobre, já são
discriminadas por grupos religiosos que fazem seu trabalho na parte intimista”,
algo aparece na linguagem que leva as pessoas a pedir, “para mim, para minha
família, não se abre espaço para a fraternidade, para a solidariedade”. Diante
disso, ele considera a Campanha da Fraternidade como “um exemplo positivo de
que a Igreja realmente se preocupa com a pessoa como um todo, principalmente
nesse momento em que ela fica vulnerável em seus direitos, sua dignidade”.
Histórias
de vida, de pessoas acompanhadas pela Igreja, que escuta de forma atenta para
poder identificar as dores, as violências, que ajuda os migrantes a conhecer
seus direitos e as ameaças. Migrantes que na fronteira entre o Brasil e a
Venezuela, muitos deles em condições muito precárias, em ocupações, muitas
vezes lideradas por mulheres, que reconhecem e agradecem o apoio da Igreja
católica.
Parabéns pelo brilhante trabalho das Irmãs de São José e pela iniciativa da CNBB de enviar uma comissão conhecer a realidade na fronteira. Que o apelo de Dom Plínio ecoe na sociedade em geral e na Igreja em particular.
ResponderExcluirProf⁰ Mildamar, de Boa Vista RR