No 6º Domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus,
cardeal Leonardo Steiner, iniciou sua homilia dizendo que “Jesus
desce da montanha e se encontra com a multidão na planície! Monte, subida,
encontro; montanha lugar da fonte, pois lugar do encontro. Encontro com o Pai.
Jesus após ter desfrutado do convívio com o Pai, no alto da montanha, sente-se
impelido diante da multidão que o procura a anunciar a bem-aventurança. A bem-aventurança como caminho, como um caminhar juntos!
Ele veio ao mundo para transmitir a todos que todos são bem-amados, todos são o
bem querer do Pai e, por isso, bem-aventurados.”
“O
Evangelho a nos propor quatro bem-aventuranças e quatro ‘ais’. Bem-aventurados
os pobres, bem-aventurados os que tem fome, bem-aventurados os que choram,
bem-aventurados quando odiados e perseguidos. Ai de vós ricos, ai de vós os
fartos, ai de vós sorridentes, ai de vós elogiados”, lembrou o arcebispo, que questionou:
“o que Jesus está a nos ensinar com os ‘ais’ e com as bem-aventuranças?”
O
cardeal Steiner recordou que “bem-aventurados é a tradução da palavra hebraica
ashrei, mas que poderia ser traduzido por a caminho, permanecer a caminho,
perseverar no caminhar. No caminhar, no perseverar ser transformados, fazer a
aventura da pobreza, da fome, do sofrer-chorar, do ódio da perseguição; ser
bem-aventurados. É um movimento da existência humana, o caminhar na fé. Em
caminhar, o estar a caminho, seria um horizonte, pois estamos caminhando,
atravessando o vale da existência. Jamais parar, retroceder. A caminho os
humilhados, a caminho os famintos, a caminho quando odiados, exilados,
difamados. Na pobreza, na humilhação, na fome, na dor, no lamento, no choro, no
desprezo, diante do sofrimento, caminhar; no quase parar, dar mais um passo. Em
todos os momentos guiados, iluminados pela esperança que o ensinamento de Jesus
concede. Sim, pois a esperança não decepciona.”
Segundo
o arcebispo de Manaus, “quando tivermos percorrido todos os caminhos, quando
tivermos perseverado em todas as labutas, quando tivermos ultrapassado os
desânimos, somos bem-aventurados. Ser bem-aventurado, não está no começo do
caminho, mas nos tornamos bem-aventurados, nos per-fizemos bem-aventurados, ao
permanecermos com Jesus. Como se tivéssemos percorrido as Veredas do Grande
Sertão da vida. Veredas existem porque percorridas, trilhadas, mesmo que seja o
Liso Sussarão. Percorrido, temperado, provado, purificado e até vingado, é o
trilhador per-feito, per-fazido. Talvez, o dizer de Jesus no evangelho
proclamado, o percorrer a planície com suas intemperanças, desilusões, mas
permanecendo fiel no caminhar de Jesus. somos, então transformados, como que
purificados, somos todos bem-aventurados, pois permanecemos a caminho,
caminhando, de cabeça voltada para o horizonte atraente da vida com Jesus. Não
nos deixamos tomar pelo desânimo, pela desagregação; não sabemos o fim, não
entendemos o sofrer, não vislumbramos o fim, mas caminhamos.”
Então,
disse o cardeal, “Bem-aventurado poderia significar aquele que, além de entrar
bem numa aventura, vai dando tudo de si, a fim de percorrer de modo correto, do
começo ao fim. Só então se tornará bem-aventurado, realizado, satisfeito, não
tanto por ter alcançado seu objetivo, mas por ter tido a graça de perseverar,
de viver com ela, até o fim. Como no caminhar e marchar foi sendo transformado
enquanto a caminho que a graça possibilitou.”
Inspirado
em Fernandes e Frassini, comentou: “em marcha os pobres, os humilhados! Os
pobres de espírito são os humilhados do sopro. Humilhados, aqueles que na
consciência pacificada de sua miséria e de seu nada herdam a mais eminente das
graças divinas, o sopro sagrado, o Espírito Santo, o sopro de Deus. Os pobres
no espírito, os pobres no sopro, ‘os humilhados do sopro’. Os pobres são os ‘humilhados’,
mais precisamente, os ‘humildes’: aqueles cuja humildade haure o seu vigor do
Sopro Sagrado, do hálito ou alento do Senhor. Entendamos os ‘humilhados’ a
partir de ‘humildes’ e ‘humildes’ a partir do ‘Sopro’ do Senhor.”
“Estes
humildes e estes humilhados são as vítimas dos impérios do mal. Eles são
vocacionados para herdar o sopro sagrado, o que faz deles membros da comunhão
escatológica anunciadora e obreira, do mundo vindouro. Esta comunidade avança
pela estrada da felicidade ou da infidelidade, a ideia essencial é de uma
marcha avante e não de uma felicidade adquirida antecipadamente”, ressaltou.
“Jesus não teria a crueldade de declarar felizes a multidão de deserdados, de opositores condenados pelas legiões romanas, por qualquer coisa que dissessem, ao suplício da cruz ou, na melhor das hipóteses, à escravidão nas galés ou nos bordéis do império. Não chamaria de felizes os homens enviados às torturas, aos massacres, genocídios, à marginalidade da sociedade. Jesus, a exemplo do salmista, convida aos homens e as mulheres da planície, daqueles que caminham em meio às tribulações e dores a se colocarem a caminho, a caminhar, a dar passos na direção do Reino de Deus, a esperança e abre a porta, introduzindo na exigência e na dinâmica da salvação, da transfiguração. Sim, porque falar de bem-aventuranças ou de felicidade na hora da partida equivale a se condenar à inação, a nunca se pôr a caminho do objetivo desejado, o Reino de Deus”, disse o cardeal inspirado em André Chouraqui. Segundo ele, “é como se Lucas estivesse a nos dizer, em marcha, a caminho, e experimentareis o quanto sois amados e desejados por Deus. Não foi na cruz que o Pai mostrou a Jesus quanto o amava. Mais; foi no alto da cruz que Jesus confessou o quanto amava o Pai.”
“Bem-aventurados, vós que agora tendes fome, porque sereis saciados! Na verdade, em marcha, os famintos de agora! Sim, sereis saciados! A confiscação constante dos romanos havia criado um estado de miséria em fome na grande maioria do povo. A situação era de quase fome absoluta. E Jesus a dizer em marcha, os famintos de agora! Sim, sereis saciados! Como andar, caminhar, esperançar na fome? E entrevemos no ensinar de Jesus a suscitar aquela força de fome de libertação e de justiça que eram generalizadas entre os pobres. Uma fome de liberdade que era maior que o do pão”, afirmou, de novo inspirado em André Chouraqui, onde ele vê “Jesus a indicar esperança, a indicar vida, liberdade. Caso contrário não haveria pão.”
“Bem-aventurados
vós, que agora chorais, porque havereis de rir! Em marcha, os que choram agora.
Sim, vós rireis! O choro, o luto”, disse citando Santo Agostinho no Sermão da
Montanha: “é devido à tristeza que sentimos pela perda de entes amados. Ora,
todos os que se convertem a Deus perdem as alegrias fáceis deste mundo,
alegrias que tanto amavam neste mundo. Deixam de gozar aquilo que antes os
deleitava. Suas alegrias mudam de natureza e, por isso, enquanto seu coração
não se inflamar pelo amor das coisas eternas, ver-se-ão aflitos por certa
tristeza. O Espírito Santo, porém, logo os consolará. Precisamente por isso, é
chamado Paráclito, isto é, Consolador. Em lugar da alegria passageira que
perderam, ele os fará entrar na posse da eterna alegria.”
“Bem-aventurados,
sereis, quando os homens vos odiarem, vos expulsarem, vos insultarem e
amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do Homem! A caminho, ‘em marcha, quando os homens vos
odiarem, vos exilam, vos difamam, e afastam vosso nome como criminoso, por
causa do filho do homem! Rejubilai-vos, nesse dia, dançai de alegria! Eis:
vosso salário é grande no céu! Sim, isso, seus pais já fizeram contra os
inspirados’”, afirmou citando André Chouraqui.
O
arcebispo lembrou que “no final do texto de Lucas ouvimos os ais! Ai de vós.” Segundo
ele, “’Ai de’ pode ser a expressão de tristeza, como a dizer ‘infeliz’. Nos
diríamos: coitado. Infeliz quem vive de tal forma que já foi confortado, tudo
teve na vida, nada sofreu para ser um bem-aventurado. Tudo teve, nada buscou,
nada sofreu, apenas superficializou. A pessoa que vive como se tudo tivesse,
nada transformação, de maturação, de doação. Rico, pois não necessitado na sua
humanidade. Infeliz de quem na sua fartura, não se alimenta, e um dia sentirá
necessidade de sentido de vida, de humanidade, de amor. Será uma pessoa faminta
de humanidade. Parece saciada, farta, mas faminta, sem nada para além de si
mesmo. O riso de quem não sorri. O riso da desinocência, o riso do vazio; o
riso de luto, do choro sem choro. Um dia virá a ser chorado, lagrimado, com a
secura de uma existência sem sentido.”
“Ao
caminhar-perseverar, correspondem quatro interjeições de tristeza: Aos
humilhados correspondem os ricos; aos famintos, os alimentados; aos que choram,
os que riem e aos perseguidos, o poder de um mundo virtual”, lembrou o arcebispo.
Finalmente,
ele recordou que “na primeira leitura é um consolo, lenitivo, uma brisa, no
caminho da bem-aventurança”, citando o texto de Jeremias: “Bendito o homem que
confia no Senhor, cuja esperança é o Senhor; é como a árvore plantada junto às
águas, que estende suas raízes em busca de unidade, por isso não teme a chegada
do calor: sua folhagem mantém-se verde, não sofre míngua em tempo de seca e
nunca deixa de dar frutos.”
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