segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Dom José Albuquerque: “o tráfico humano deveria incomodar mais, deveria ser algo gritante”

 


A necessidade de ter consciência do enfrentamento do tráfico humano é algo que cada vez mais está sendo assumido na Igreja católica. A criação do Dia Mundial de Oração e Reflexão contra o Tráfico de Pessoas, que acontece todo 8 de fevereiro, na festa de Santa Bakhita, desde o ano de 2015, tem ajudado nesse caminho.

Em 2021, o tema de reflexão tem sido “Economia sem Tráfico de Pessoas”, e tem provocado muitos momentos de oração e reflexão em muitos países de mundo. Uma das instituições que no Brasil assumem esse combate é a Rede um Grito pela Vida, que conta com 28 núcleos no país. Um deles é o núcleo de Manaus, que no dia da festa de Santa Bakhita organizava um encontro virtual de oração e reflexão.

Nele estava presente Dom José Albuquerque, que começava dizendo que era “um dia de fazer memória”. Segundo ele, “estamos falando de uma realidade que não deveria existir, mas infelizmente, falar de tráfico humano é falar de uma realidade que acompanha a história da humanidade”. O bispo auxiliar da Arquidiocese de Manaus, definia o tráfico de pessoas como “a maior violação dos direitos humanos”, como algo que “deveria incomodar mais, deveria ser algo gritante”, dado que estamos diante de um fenómeno que faz “reduzir a pessoa a uma mercadoria”.

Relacionando suas palavras com o Dia do Enfermo, que acontece no dia 11 de fevereiro, o bispo lembrava as palavras do Papa, onde enfatiza que “o mundo está doente”. Para Dom José Albuquerque, “não é só uma questão do vírus que está maltratando, que está fazendo as pessoas adoecerem, ceifando vidas no mundo inteiro, mas perceber que existem outros vírus que precisam ser vencidos”.


Além da forma de vencer a pandemia, de enfrentar a situação do tráfico humano, ele destacava a necessidade de “trabalhar mais para que haja fraternidade e esperança de tempo melhores, esperança de que Deus está conosco, Cristo caminha conosco, Ele está no meio de nós, por isso que a gente não pode perder a esperança, nosso trabalho não é em vão”. Junto com isso, Dom José insistia na necessidade da denúncia, “mostrar ao mundo essa realidade é missão de todos nós”. Isso é algo que vem de Deus, pois “todas as iniciativas que visam levar esta conscientização ao mundo, é inspiração divina, é o Espírito de Deus que está conduzindo a nossa reflexão e as nossas ações”.

O bispo auxiliar de Manaus identificava as vítimas do tráfico humano com “os excluídos, vítimas de toda uma ação maléfica, todo um mecanismo diabólico que faz com que as pessoas se sintam quase que sem saídas, sem respostas, sem esperanças”. Em consequência disso, essas pessoas “se tornam presas fáceis de tantas propostas que vão violar a sua dignidade como ser humano”, enfatizava dom José.

O grande perigo, segundo o bispo auxiliar, “é que essa realidade do tráfico, ela sempre é escondida, ela não aparece nos noticiários”, fruto da “desinformação, a ignorância, a conivência dos meios de comunicação que não querem abordar esses temas”. Segundo ele, “ainda tem muita gente que se assusta e desconhece uma realidade que está presente no mundo inteiro”.

Dom José Albuquerque colocava como objetivo maior da Igreja “que cada pessoa seja amada, respeitada, cuidada”. Cuidar daqueles que estão a mercê do tráfico nos faz lembrar, segundo o bispo, da história da Salvação, onde aparece a realidade da escravidão. Algo que, segundo ele, também está presente na história da América Latina, “onde as nações foram construídas a partir de uma economia que era fundamentada no tráfico, na escravidão, na apropriação indevida de bens, não só de bens naturais, mas também de culturas e povos”.



Fazendo memória do relato do livro do Êxodo, Dom José Albuquerque afirmava que “Deus continua ainda nos nossos dias sofrendo com a gente, chorando com a gente, toda vez que cada um dos seus filhos sofre, é excluído, é traficado, morto, por causa deste grande ídolo, que sempre foi a razão de todas as guerras, de toda divisão, de toda exploração”. Por isso, ele afirmava que “mais do que nunca, nós estamos reféns da idolatria, do deus dinheiro”. O bispo denunciava que aqueles que tem dinheiro, “eles têm a pretensão de pensar que podem comprar tudo, até mesmo vidas humanas”.

O bispo destacava dois elementos importantes, a falta de informação, a falta de reflexão, e a indiferença, “a gente percebe o silêncio e muitas vezes até a omissão por parte da gente, por parte dos cristãos, por parte das organizações, dos governos”. Dom José pedia que Santa Bakhita “nos ajude a ter a coragem de falar dessas questões”, afirmando que junto com a vacina da Covid, “precisamos também da vacina da fraternidade, a vacina da esperança, a vacina do amor, do respeito às pessoas”.

Que seja um dia “que a gente renove nosso compromisso de ajudar a Igreja a cumprir sua missão, anunciar o Evangelho”, insistindo em que Cristo veio para nos libertar “das idolatrias que regem a economia nesses tempos em que o lucro, o mercado, os grandes projetos estão acima das pessoas, especialmente dos mais frágeis”. Por isso, se faz necessário “incentivar outros a abrir os olhos e denunciar”, insistindo em que as denúncias são necessárias, e a presença de mulheres e homens que sejam comprometidos em assumir a causa do tráfico de pessoas.




Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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