Enxergar só aquilo que desperta interesse na gente, ou
aquilo que os outros nos deixam enxergar, sempre é um risco. Existe um gadget,
geralmente usado nos cavalos, mas que parece que também é usado por algumas
pessoas, que impede os animais enxergar o que está fora do campo de visão que
interessa ao dono, é o tapa-olhos.
Isso sempre existiu e sempre foi usado, em todas as
culturas, lugares e momentos históricos, mas parece que ultimamente o uso
aumentou, ou a gente tem mais facilidade para percebe-lo. Bem é verdade que no
Evangelho de Lucas conta uma cena similar, onde aparece alguém que estava
jogado na beira do caminho, muito machucado, mas ignorado pela maioria dos que
lá passaram.
A Esplanada dos Ministérios de Brasília foi nesta
terça-feira, 7 de setembro, Dia da Pátria, local de grandes concentrações. Era
gente que queria cumprir com sua obrigação de defender seus ideais políticos e
sociais, quem sabe também religiosos, parece que cegos ou sem querer enxergar a
situação de um país onde o número daqueles que estão jogados na beira do
caminho aumenta a cada dia.
Uma foto onde aparece um homem jogado na calçada,
provavelmente um morador de rua, com certeza mais uma vítima da falta de
emprego, de comida e de tantas outras coisas que cada vez mais atinge a milhões
de brasileiros e brasileiras, se fez viral nas redes sociais e nos aplicativos
de mensagens. Pelo que aparece na foto, ninguém quis enxerga-lo, também não
aqueles que como o sacerdote ou o escriba do texto de Lucas são considerados
modelos de cidadãos por aquela parte da sociedade sustentada nos “bons
princípios”.
Alguns comentários, a internet deu a possibilidade de
todo mundo opinar, protegidos pela distância e o anonimato, nos mostram os
princípios que fundamentam o ideal de sociedade de algumas pessoas. São claros
exemplos de aporofobia, definida como a aversão a pobres que se expressa pelo
preconceito e pela discriminação contra pessoas pobres. Quando pobre é visto
como sinónimo de vagabundo, a sociedade tem que refletir sobre os valores que
vive e transmite.
A família, a escola, também as igrejas, devem refletir
sobre os valores que fomentam e transmitem aos outros. O fundamento do
cristianismo é o amor, a misericórdia, a compaixão, uma atitude que deve estar
presente na vida das pessoas, especialmente quando nos deparamos com aqueles
que hoje estão jogados na beira do caminho. Quando a gente sai na rua com tapa-olhos,
deixamos de enxergar o sofrimento alheio, e isso nos afasta de Deus e de nós
mesmos, pois também nós deixamos de sermos humanos.
O que fazer para sentir a necessidade de enxergar, de
escutar, de viver a compaixão? Como fazer realidade a necessária mudança social
que nos impeça nos afastarmos daqueles que sofrem? Como viver a verdadeira
religião, que nos leva a enxergar Deus naquele que tem fome, que tem sede, que é
estrangeiro...? É tempo de parar e pensar, mas sobretudo de tirar os tapa-olhos
e enxergar. É só querer e entender que a gente ganha bem mais.
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