sábado, 3 de setembro de 2022

Dom Luis Marín: "Na sinodalidade sou a favor da ‘política das três pes’: paciência, perseverança e presença"


O Sínodo sobre a Sinodalidade está a avançar e acaba de completar a sua primeira fase, a chamada fase diocesana. Isto sem esquecer que "a sinodalidade nunca acaba, porque pertence à Igreja na sua essência". Dom Luis Marín de San Martín, subsecretário do Sínodo, fala-nos sobre isto.

Expressando a sua gratidão pelo caminho percorrido, "uma excelente base para avançar", salienta "o entusiasmo que existe sobretudo entre os leigos pela proposta sinodal", o que o impressiona. Mas ao mesmo tempo reconhece que "ainda há muito clericalismo: se o pároco, ou o bispo, for favorável, a sinodalidade prossegue, e se não for, pode impedi-la".

São dificuldades que se deparam com o que ele chama a "política dos três pes": paciência, perseverança e presença. Para os enfrentar, o que nem sempre é fácil, "a primeira coisa é cuidar e aprofundar a experiência de Cristo", para superar o individualismo egoísta, o que segundo o subsecretário do Sínodo "é um verdadeiro escândalo", e para nos ajudarmos uns aos outros.

Um caminho no qual "é necessário tomar decisões que talvez sejam arriscadas, tomar medidas, procurar sempre como servir melhor". É uma questão de assumir que "toda a Igreja está a evangelizar, pois é comunitária e sinodal", que "a exigência de testemunhar Cristo é para cada cristão, todos nós devemos evangelizar", superando o pessimismo e o medo. Também superar a tentação do igualitarismo e o desejo de avançar com base nas maiorias, salientando que o caminho a seguir é a comunhão.

Está agora a começar uma nova fase, a fase continental, algo novo na história dos sínodos, que tomará medidas que conduzirão ao Instrumentum Laboris para a Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, que se realizará em outubro de 2023. O Secretariado do Sínodo manifestou a sua vontade de "esclarecer, acompanhar e ajudar em tudo o que for necessário".



A primeira etapa do Sínodo, a etapa diocesana, acaba de terminar. Sabendo que ainda não viu em profundidade tudo o que chegou, quais são as suas primeiras impressões?

Concluímos a fase diocesana, mas a primeira coisa a lembrar é que a sinodalidade nunca acaba, porque pertence à Igreja na sua essência. A Igreja é sempre sinodal, em todas as suas realidades e em todas as suas manifestações. A conclusão da fase diocesana não significa o fim do processo sinodal, nem mesmo no que diz respeito à realidade diocesana ou nacional. As conferências episcopais, dioceses e paróquias devem continuar a trabalhar e a desenvolver os temas que aparecem nas respectivas sínteses. As sínteses são um ponto de partida, não um ponto de chegada.

Podemos dizer que, em geral, a chama da sinodalidade foi acesa. De fato, 98% das Conferências Episcopais nomearam uma pessoa de referência sinodal e quase a mesma percentagem delas enviou a síntese. Uma percentagem tão elevada nunca foi atingida em sínodos anteriores. Estamos muito gratos a todos aqueles que tornaram isto possível, especialmente às equipes sinodais e a todos aqueles que levaram a sério esta oferta de graça e colaboraram.

Certamente, no que diz respeito às conferências episcopais, o processo tem corrido muito bem. Mas ainda há muito a fazer. Precisamos de refletir sobre como melhorar a audição, a abertura, a inclusão, o discernimento, o testemunho, etc. Estas são questões que precisamos de considerar e que nos devem ajudar a continuar ao longo do caminho, corrigindo onde for necessário. Mas não há dúvida de que temos uma excelente base para avançar, para continuar a avançar.

Outros aspectos a destacar, em termos de realizações e desafios?

Estamos perante um precioso testemunho de vitalidade na Igreja, de comunhão na fé, que não muda, mas é melhor compreendido e aprofundado como uma experiência do Cristo vivo. Ao mesmo tempo, existe uma abertura progressiva à pluralidade, à integração das diferenças como enriquecimento mútuo. Somos desafiados a desenvolver a dimensão espiritual e orante em todo o processo, que é verdadeiramente uma dimensão de escuta e discernimento no Espírito Santo. E o desafio da comunidade, da fraternidade eclesial, que o eixo da vida da Igreja seja o amor, a caridade. Ninguém é supérfluo.

Outro tema muito positivo é o entusiasmo que existe, especialmente entre os leigos, pela proposta sinodal. É impressionante. Infelizmente, porém, há grupos ou indivíduos que não encontraram canais de escuta e participação. O cenário básico para o desenvolvimento da sinodalidade é a paróquia. A maioria deles tem funcionado muito bem. Mas noutros, o pároco ignorou ou bloqueou o processo. Isto mostra-nos que ainda há muito clericalismo: se o pároco, ou o bispo, for favorável, a sinodalidade vai em frente, e se não for, pode bloqueá-la. Devemos avançar para outro estilo, outra forma de viver a eclesialidade: da dimensão do serviço e não do poder, da participação e da corresponsabilidade.

Além disso, há grupos, especialmente os que se encontram à margem ou na periferia, que nos enviaram as suas sínteses diretamente para a Secretaria do Sínodo. Muitos já chegaram. Alguns mostram a sua desconfiança a nível paroquial ou diocesano. O que fizemos, na maioria dos casos, foi redirecionar todo este material para a respectiva Conferência Episcopal, para que possa ser integrado. Quando tal não foi possível, retomámos as sínteses no nosso material para estudo e discernimento.

Gostaria também de destacar a bela experiência de comunicação, escuta, intercâmbio e relacionamento que temos tido, desde a Secretaria do Sínodo, com os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo, com os patriarcas orientais, com tantos bispos, com os representantes da vida consagrada e movimentos laicais, com os dicastérios da Cúria Romana. Tem sido e continua a ser imensamente rico. Pessoalmente, esta experiência ajudou-me a conhecer e amar mais a Igreja, a diferenciar o essencial do acessório ou circunstancial, a valorizar o que une, a ser solidário com as Igrejas em peregrinação no meio das dificuldades e da dor, a ter consciência da urgência da evangelização. Fez-me crescer como cristão, religioso e bispo.



Face a estes desafios, como convencer aqueles que têm mais dificuldade em entrar nesta dinâmica?

Todos temos de compreender e aceitar que a sinodalidade é algo que pertence à Igreja. A Igreja "é" sinodal. Não é uma originalidade, o Papa Francisco não a inventou. Basta ir aos textos dos Padres da Igreja, à história da Igreja, especialmente nos primeiros tempos do cristianismo: aí encontramos a sinodalidade. A comunhão está presente no caminho como uma dimensão constitutiva. Talvez sob outros nomes, de várias formas, mas está presente. Ajuda-nos a perceber que não somos espectadores, mas protagonistas; mas também nos confronta com a nossa responsabilidade: posso ser um canal para a ação do Espírito ou posso impedi-la. Se eu não participar, se eu bloquear e impedir a participação, devo estar consciente de que as consequências são graves e os danos são grandes.

Como lidar com as dificuldades? Sou a favor da “política dos três pês”. A primeira coisa é a paciência. A Igreja não muda de um dia para o outro. Estamos perante um processo a longo prazo de renovação profunda da Igreja. Os nossos tempos não são os tempos de Deus. Cabe-nos a nós semear com humildade e amor, com disponibilidade e coragem. Se semearmos desta forma, a colheita certamente virá, quando o Senhor quiser. Em segundo lugar, perseverança. Não nos cansemos. Obstáculos e dificuldades são desafios a serem vencidos em conjunto, a começar por Cristo. É uma questão de perseverança, de tomar medidas, de tomar decisões, sempre orientadas para a autenticidade e coerência como cristãos. Em terceiro lugar, a presença. Não se trata apenas de um processo intelectual, administrativo ou estrutural. É experiencial, afeta-nos como pessoas e requer presença. É por isso que devemos estar próximos, acompanhar: o bispo aos seus sacerdotes, os sacerdotes aos grupos e os leigos, etc. Todos nós fazemos o caminho juntos. E isto deve ser uma realidade.

Estamos a caminhar para uma Igreja muito mais integrada e inter-relacionada, uma Igreja de escuta e participação, de comunhão e dinamismo.

Numa sociedade em que a Igreja participa, também nos seus problemas e dificuldades, como podemos assumir estas três pestes quando as pessoas se cansam imediatamente de fazer coisas, quando queremos tudo para ontem e quando as relações de hoje se tornaram virtuais em vez de cara-a-cara?

Sem dúvida que a primeira coisa é cuidar e aprofundar a experiência de Cristo. Devemos perguntar-nos: eu, como cristão, experimento o Cristo Ressuscitado, numa relação pessoal com ele? Vamos então fazer, mas recordemos que a nossa atividade deve ser evangelizadora, ou seja, uma testemunha de Cristo, um reflexo de Cristo. E isto não pode ser improvisado, porque ninguém dá o que não tem. Em segundo lugar, e relacionado com isto, devemos reforçar a dimensão comunitária da fé, a sua realidade fraterna. Não "virtualmente", mas no encontro pessoal que leva à união dos corações, à comunhão. O outro não é uma imagem ou um holograma, mas uma pessoa infinitamente amada por Deus.

O individualismo egoísta é um verdadeiro escândalo. Assim como a polarização ideológica, com as suas tristes consequências de confrontação e agressão entre cristãos. A desunião e os insultos tornam impossível dar testemunho de Cristo, porque sem amor, estamos separados dele. Devemos, portanto, recuperar a dimensão comunitária da nossa fé. E para isso é essencial abrirmo-nos à caridade. Os cristãos são irmãos e irmãs, o outro é meu irmão, minha irmã, mesmo que ele ou ela pense de forma diferente. Será isto tão difícil de aceitar?

Devemos tentar ajudar-nos uns aos outros, porque estamos unidos pelo amor a Cristo, pelo amor à Igreja. Se houver verdadeira comunhão, então viveremos a Eucaristia, que celebra o Cristo Ressuscitado na comunidade, que está unida como a Família de Deus. E seremos credíveis. Tertuliano, na sua Apologia contra os gentios, comenta que os pagãos ficaram espantados e questionados com o amor que existia na comunidade cristã: "Vejam como se amam uns aos outros". É um desafio, mas vale a pena porque é essencial.




Poderíamos dizer que a Praedicate Evangelium é o mapa, o GPS que nos guia no caminho da sinodalidade?

Na verdade, o GPS é o Espírito Santo que nos guia. Recentemente, um irmão do episcopado disse-me que quando tomamos o caminho errado, o próprio GPS reprograma. Se seguirmos o caminho errado ou o bloquearmos, o Espírito Santo consegue colocar-nos de novo na direção certa. E se nos enganarmos novamente, ele reorienta-nos de volta para Cristo.

A Praedicate Evangelium promove a renovação profunda da Cúria Romana, que é fundamental para anunciar a Boa Nova. Já no preâmbulo encontramos dois eixos sinodais para a reforma. Primeiro, a evangelização: a Cúria Romana está lá para evangelizar, para trazer a Boa Nova. Não se trata apenas de uma estrutura burocrática. Segundo a comunhão: com o seu serviço ao Papa e ao Colégio dos Bispos. Trata-se de reforçar o trabalho em rede, o trabalho de equipe, a corresponsabilidade. É todo um programa, um compromisso corajoso que não deve permanecer apenas no papel. O seu objetivo é mudar os corações e as mentalidades. O desafio é sempre a autenticidade, a coerência.

Como é que isto pode ser conseguido? É necessário tomar decisões que podem ser arriscadas, tomar medidas, procurar sempre maneiras de servir melhor. O primeiro impulso foi dado. Precisamos de pessoas que estejam em sintonia com isto. Precisamos também de oração, escuta mútua, diálogo, instrumentos que ajudem a concretizar e desenvolver estes princípios. Estamos todos a aprender. Na Secretaria do Sínodo, estamos em diálogo com os dicastérios da Cúria. É uma experiência muito boa e estamos muito gratos por ela.

Como podemos falar de uma evangelização sinodal, de todos nós sentindo o chamado a evangelizar e compreendendo que é algo que vem do sacramento do Batismo e não do sacramento da Ordem ou de uma consagração na Vida Religiosa? Como podemos ajudar a tornar esta evangelização sinodal uma realidade?

A evangelização é outra dimensão que pertence à essência da Igreja. Toda a Igreja está a evangelizar, uma vez que é comunitária e sinodal. A evangelização não se limita a algumas pessoas mais corajosas ou determinadas que, seguindo uma vocação específica, vão para terras distantes, enquanto o resto de nós vive, mais ou menos, no cinzentismo quotidiano. A exigência de dar testemunho de Cristo é para cada cristão, devemos todos evangelizar, começando por tantas áreas da nossa sociedade que são alheias ao Evangelho.

A este respeito, duas questões são particularmente preocupantes para mim. Um é o pessimismo, que se resolve em constante lamentação: tudo está errado, o Ocidente abandonou Deus, estamos numa sociedade decadente, há tantos problemas. E o que é que fazemos? Muitas vezes limitamo-nos a queixar-nos, a lamentar-nos, a chorar, se não a atacarmo-nos uns aos outros, mas sem tomar medidas para curar as raízes e encontrar soluções eficazes entre todos nós. O segundo é o medo, que nos bloqueia. Queremos evitar problemas, temos medo de nos empenhar, evitamos críticas por irmos contra a maré. E por isso optamos frequentemente pelas trincheiras ou fechamo-nos, procurando segurança. Mas fecharmo-nos significa morte, porque tudo o que se fecha em si mesmo morre: pessoas, grupos, comunidades...

Devemos abrir-nos ao optimismo de Cristo Ressuscitado e, a partir dele, sair, proclamar, testemunhar, comunicar a alegria, o entusiasmo por aquele que enche as nossas vidas, dá sentido a elas e muda a nossa esperança. Esta é a experiência das primeiras comunidades cristãs, pequenas comunidades, mas cheias de vida, impulsionadas pelo Espírito Santo. Assim, estes irmãos e irmãs, superando os seus problemas e deficiências, trouxeram a Boa Nova de Cristo a todo o mundo. Isto é evangelização.




Como integrar os diferentes carismas, as diferentes vocações, como superar os perigos do clericalismo ou do assembleísmo no processo sinodal?

Não há apenas uma forma de seguir Cristo, nem uma única vocação. O igualitarismo é um erro e um empobrecimento. Em primeiro lugar, a igualdade básica como batizados concretiza-se e desenvolve-se nas diferentes vocações: leigo, vida consagrada, sacerdotal.... Nenhum é melhor ou pior, mas diferente. Ao leigo não lhe é "concedido" direitos, mas deve desenvolver plenamente a sua própria vocação, com tudo o que isso significa e tudo o que isso implica. Não para substituir o padre ou o bispo - isso seria uma forma de clericalismo - mas porque a vocação para a qual foi chamado assim o exige.

Em segundo lugar, a vocação desenvolve-se num mundo concreto: devemos ter em conta o tempo, o lugar, a cultura. Não devemos medir tudo pela mentalidade e cultura europeia, ou mesmo ocidental. A Igreja é muito mais vasta e o mundo é muito mais variado. Assim, a sinodalidade abre-nos ao enriquecimento mútuo a partir daquilo a que João Paulo II chamou "unidade pluriforme".

Além disso, a sinodalidade não substitui a colegialidade episcopal, mas inclui-a. Também não há sinodalidade sem o bispo, tal como não há sinodalidade sem os sacerdotes, os leigos ou os religiosos. Cada um vive a sua própria vocação e, a partir dela, serve a Igreja. A oposição entre dons hierárquicos e carismáticos é falsa. Tal como a solução da assembleia, a anulação dos carismas por meio de votos e maiorias, de uma perspectiva política ou sociológica, também é falsa. Cristo é muito mais, a Igreja é muito mais: é comunhão. A partir dela entendemos e desenvolvemos a pluralidade como enriquecimento.

E agora, quais são os próximos passos a serem dados pela Secretaria do Sínodo?

Vamos iniciar a fase continental, tendo consciência, como disse, de que é também necessário que cada episcopado desenvolva o que foi reunido na síntese da fase diocesana. O programa para a fase continental, que está a ser introduzido como uma novidade no processo, é o seguinte:

No mês de setembro, na Secretaria do Sínodo, com uma equipe internacional de 25 pessoas, procederemos à leitura, reflexão e discernimento sobre as sínteses enviadas. Elaboraremos então o Documento de Trabalho para a fase continental, que será enviado a todas as dioceses e conferências episcopais.

Entre novembro de 2022 e março de 2023, o Documento será trabalhado em cada realidade continental. Existem sete: África, América Latina e Caribe, Ásia, Estados Unidos e Canadá, Europa, Oceania e as Igrejas do Médio Oriente. Cada conferência episcopal continental nomeou uma equipe de coordenação e elaborou um programa de trabalho. O reflexo de cada continente será refletido num documento.

Os encontros continentais preveem uma assembleia eclesial, na qual se recomenda que toda a riqueza do Povo de Deus seja representada, seguida de uma assembleia episcopal. Uma vez aprovado, o documento será enviado à Secretaria do Sínodo até 31 de março de 2023.

Com os sete documentos enviados, a Secretaria do Sínodo redigirá o Instrumentum Laboris para a Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, que se realizará em outubro de 2023.

Quais são os objetivos desta fase continental? Estão incluídos no tema de todo o processo: "Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão". A primeira é considerar as particularidades de cada continente, as suas necessidades específicas, as suas possibilidades, para refletir sobre o Documento de Trabalho a partir das características específicas da realidade continental. A segunda é ligar a riqueza de cada continente em benefício da Igreja universal: continuar a fazer progressos no fortalecimento da relação entre os episcopados de cada continente, nas suas próprias estruturas e com a Igreja universal, procurar formas de se ajudarem mais uns aos outros e de se enriquecerem mutuamente para alcançar uma Igreja que viva e expresse a sinodalidade.

Na Secretaria Geral do Sínodo estamos disponíveis para esclarecer, acompanhar e ajudar em tudo o que for necessário. Caminhamos juntos, confiando no Espírito. Com profunda gratidão e, sinceramente, com grande entusiasmo.



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Nenhum comentário:

Postar um comentário