Falando
da crença que brota do ver, iniciou o cardeal Leonardo Steiner sua homilia do Segundo
Domingo da Páscoa. “Ver a vida ressurreta brotando do lugar dos pregos e da
lança. Ver as marcas, sem tocar com os dedos, sem colocar a mão no lado. Um ver
que suscita admiração, exclamação, estupefação: ‘Meu Senhor e meu Deus!’”, ressaltou o arcebispo de Manaus.
Segundo
dom Leonardo, “na ausência de Jesus pela sua morte, os discípulos refugiam-se
no medo, entram no entardecer, deixam-se tomar pela escuridão da perda, da
morte. O horizonte que lhes havia sido revelado, desapareceu e fecharam-se as
portas da liberdade para a qual tinham sido despertados. E agora? Para onde?
Sonhos desfeitos, reino destruído, esperanças desvanecidas”.
Em
poucas palavras, “o evangelista visibiliza o ânimo e o desânimo, a
desesperança, o sombrio, que toma conta dos seguidores de Jesus. No entanto, no
anoitecer do primeiro dia da semana, com as portas fechadas, Jesus põe-se no
meio dos discípulos e saúda: ‘A
paz esteja convosco’. Na noite dos discípulos, Jesus se
presencializa, traz a paz. No meio dos transtornos daqueles dias perdidos Ele
se faz presença. É justamente ali no meio do desconforto, do medo e da penumbra
a ofuscar o horizonte, que Ele sopra sobre eles o Espírito Santo e o envia. Na paz os envia no envio do Pai. Um
envio que anuncia a paz, porque
perdão. O perdão concede a paz! A paz, o perdão que desarma, tranquiliza,
devolve o conviver”, destacou o presidente do Regional Norte1 da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil.
Lembrando o texto evangélico, o cardeal lembrou que “Tomé estava ausente, se distanciara da comunidade quando Jesus se apresentou pela primeira vez. Longe da comunidade não é encontrado pelo Ressuscitado. Ele que se distanciara e ao retornar ao seio da comunidade, recebe o anúncio: ‘Vimos o Senhor!’ Diante da boa nova, ele continua distante ao afirmar: ‘Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e puser a mão no seu lado, não acreditarei’. No entardecer, na penumbra da vida, no medo que retrai, Tomé sente a necessidade de ver”.
O arcebispo
de Manaus ressaltou, se referindo a Tomé, que “arde em desejo, é somente desejo
de ver, tomado do desejo, da visão, isto é, de um encontro. Ele era pura
ardência de encontro, muito mais que amada pelo seu amado, ele é todo desejo,
ele arde de desejo de ver, ver a marca dos pregos, tocar, apalpar: ver. O meu
mestre e Senhor foi morto e morto tragicamente enfiaram-lhe os pregos nas mães
e nos pés e abriram-lhe o lado. Quanta saudade do meu Senhor. No meio da perda
de não saber para onde, nasce o desejo de ver”.
“Se eu
não vir, diz Tomé não acreditarei. Como se dissesse: se eu não vir não tenho a
possibilidade de ser tocado pelo Ressuscitado; se eu não vir, se Ele não se
mostrar, se Ele não se der a ver, não tenho como vir à graça da ressurreição”, lembrou
dom Leonardo Steiner. Segundo ele, “Tomé deseja ver, não como um contador de
histórias; não como um cético que deseja comprovar a existência de Deus; não
como um homem de ciência que deseja comprovar que alguém de entre os mortos
está vivo; mas deseja ver aquele por quem tudo deixara para pertencer ao Reino
de Deus”.
O
arcebispo insistiu em que “um tal ver não é a comprovação da visão dos olhos,
dos sentidos, mas a visão, o ver de um encontro. Tomé é dessa estirpe. Aquela
estirpe de pessoas que ouvem, mas sabe que somente em recebendo a visão poderá
vir à fé, à alegria da fé, à exclamação da fé. Se eu não vir, se eu não colocar
o dedo, se eu não puser a mão! Como se dissesse se todo meu ser, se toda a
minha pessoa não ver, não poderei perceber a nova presença”.
Ele perguntou: “Como poderei vir à fé se Ele não se der à minha vista, se Ele não se apresentar de tal modo que todo o meu ser, toda a minha pessoa for tocada por Ele, invadida por Ele? Como vir à visão da fé, senão me tocar o vazio de suas mãos transpassadas, se não me tocar o seu lado aberto, a abertura sem medida de amor? Se meu Senhor não se tornar visível, papável, como posso vir à luz da fé?”, respondendo que “é a confissão da impossibilidade de Tomé, a confissão pública da sua incapacidade e o implorar da alma amante para que o Senhor se faça visível. É como se dissesse: todo meu ser deseja ver-te, Senhor. Mas eu, a partir de mim, não posso; posso apenas desejar, que te faças visível ao meu coração”.
“E
assim, quando toda a pessoa de Tomé está desejosa, aberta, ardendo de desejo,
toda a sua existência como olhos abertos na procura de quem já se fez visível,
de repente, inesperadamente, é tomado pela presença inaudita, transparente e
terna de seu Senhor: ‘A paz’ e
dirigindo-se a Tomé, disse: ‘Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende
a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel’. Então,
ele vem à fé: ‘Meu Senhor e meu Deus’.
Somente no encontro, no inaudito de um encontro, Jesus se faz visível,
invisível aos olhos. Tudo é, então, apenas admiração, espanto, encanto, que a
presença do Senhor concede. Admiração, espanto, encanto: gratidão”, ressaltou o
cardeal Steiner.
“O encontro com o Ressuscitado acontece quando Tomé volta à comunidade e nela permanece. É na comunidade dos discípulos que Tomé é encontrado por Jesus e é levado a professar: ‘Meu Senhor e meu Deus’! O Ressuscitado torna-se tudo para ele, o seu Deus e Senhor! Tomé permanecerá fiel, vai anunciar e gerar comunidades que visibilizam o Ressuscitado. É na comunidade que o Ressuscitado está sempre presente e nela somos encontrados pelo Ressuscitado. É nas chagas da comunidade, o lado aberto da comunidade, na relação prazerosa, no consolo, na prece, no louvor, no silêncio, que Jesus nos encontra. Na comunidade Jesus nos oferece a paz, sopra o Espírito Santo, nos perdoa e nos envia!”, disse dom Leonardo.
Citando Papa Francisco, o arcebispo de Manaus disse
que “com efeito, em Tomé, está presente a história de cada crente, de cada um
de nós, de cada fiel: há momentos difíceis, nos quais a vida parece desmentir a
fé, nos quais entramos em crise e precisamos tocar e ver. Mas, como Tomé, é
precisamente aqui que descobrimos o coração do Senhor, a sua misericórdia.
Nestas situações, Jesus não vem ter conosco de maneira triunfante nem com
provas contundentes, não realiza milagres espetaculares, mas oferece sinais
calorosos de misericórdia. Consola-nos com o mesmo estilo do Evangelho de hoje:
oferecendo-nos as suas chagas. Não esqueçamos, face aos pecados, mesmo o pecado
mais horrendo, sempre temos a presença de Jesus que oferece as suas chagas”.
Lembrando as palavras do Evangelho: “A quem perdoardes os
pecados eles lhes serão perdoados”, o cardeal Steiner ressaltou que “somos despertados para reconciliação, para o
perdão dos pecados. O Ressuscitado nos encontra na reconciliação, no perdão dos
pecados. No perdão recebemos a paz e reconciliamos a nossa vida de comunidade,
nossa vida familiar. No perdão e na reconciliação Ele se mostra, Ele se
visibiliza. O sopro do Espírito Santo que recebemos”.
“O domingo da misericórdia nos faz descobrir as
chagas dos irmãos e irmãs. Sim, a misericórdia de Deus, nas nossas crises e nas
nossas fadigas, coloca-nos muitas vezes em contato com os sofrimentos do
próximo. E, se cuidarmos das chagas do próximo e nelas derramarmos a
misericórdia, renasce em nós uma nova esperança que consola e revitaliza a
nossa existência. Talvez, se tocarmos as chagas de uma irmã, de um irmão, que
sofre no corpo ou no espírito; se levarmos paz a um corpo ferido ou a um
espírito atribulado; se passarmos algum tempo ouvindo, acompanhando,
consolando, chorando com os que choram, estaremos presencializando a
Jesus-misericórdia e dizendo: ‘A paz esteja convosco!’”, disse o Papa
Francisco, no Domingo da misericórdia de 2022.
Finalmente, o arcebispo
de Manaus fez um chamado a que “sejamos Tomé nas dificuldades, nas provas, nos
dissabores, nas desesperanças, nas despedidas: desejosos de ver! Sejamos como
Tomé no entardecer, no recolhimento, no medo de não mais saber e deixar nascer
o desejo de ver”. Segundo ele, “justamente nos buracos abertos no corpo da
existência de tantos irmãos e irmãs, podemos entrever a presença do Deus vivo e
verdadeiro. Talvez seja o convite: ‘Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua
mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel.’”, insistindo em
que “sim somos convidados a ver: todo nosso ser deseja ver, porque desejo de
encontro que Ele mesmo suscita em nós”. Para isso, dom Leonardo pediu que “Ele nos conceda o
desejo de Tomé de vermos, um desejo tão suave e intenso que torne visível, à
nossa alma saudosa, a sua presença”.
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