No 10º
Domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte1
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, cardeal Leonardo Steiner iniciou
sua reflexão dizendo que “o
Evangelho proclamado nos apresenta um caminho: Fazer a vontade de Deus. A
vontade de Deus que conduz, renova e restaura a vida humana até à consumação,
pois nos integra como irmão e irmãs, como mães”.
Segundo dom Leonardo,
“a liturgia de hoje nos convoca a celebrar o movimento que nos leva à nossa
união originária com Deus, conosco mesmos, com os irmãos, com todas as
criaturas, rompida por Adão e Eva no paraíso. A vontade de Deus que Jesus nos
apresenta é o início e o retorno à origem da nossa humanidade perdida, pois
realização e plenificação da vida, como Jesus que fez a vontade do Pai, até à
morte e morte de Cruz”.
“O livro do Gênesis, a nos recordar nosso afastamento, nosso
escondimento, uma espécie de fuga de Deus. Recorda o rompimento originário, o
pecado original. Original porque se apresenta no modo de ser da origem. Origem,
o que faz iniciar, que principia, que continua orientando, direcionando,
impelindo, em todo o devir, até o seu fim. Original, pois, houve um
distanciamento, um rompimento com a Origem de toda a criação: Deus”, sublinho o
arcebispo.
A primeira leitura, afirmou o presidente do Regional Norte1, “recorda a
nossa origem: fomos gerados por Deus, segundo sua imagem e recebemos o
sopro da vida divina, abençoados. Papa Francisco, nos ensina que o texto mostra
a imensa dignidade da pessoa humana ‘que não é uma coisa, mas alguém’. É capaz
de se conhecer, de se possuir e de, livremente, se dar e entrar em comunhão com
outras pessoas, com todos os seres. Cada um de nós é fruto de um enamoramento
de Deus. Cada um é querido, querida, cada um de nós é amado, amada, cada um é
necessário. Graças a essa origem, a existência humana vive de três relações
fundamentais, ligadas entre si: Deus,
próximo e terra. Recorda, também que, com o pecado, essas três relações
vitais foram rompidas e corrompidas. A harmonia entre o criador, a humanidade e
toda a criação, foi destruída por termos pretendido ocupar o lugar de Deus,
recusando reconhecer-nos como criaturas limitadas (cf. LS, 65-66). Não seguimos
a sua vontade: nos apossamos do fruto proibido”.
“Adão, o homem,
escondeu-se de Deus. Distanciou-se daquele que o gerou, daquele é o Um, o Bem,
o único Bem, o Sumo Bem, a Origem”, disse inspirado em Francisco de Assis. “Ao
dessintonizar com o desejo amoroso de não experimentar a fruta proibida, o
homem não seguiu a vontade de Deus. Assim, dividido, tomado pela vergonha,
rompido com Deus, sua origem, foge, se esconde. Foge de si mesmo, do outro e do
próprio Criador. Esconde-se e entra em decadência, isto é, perde a cadência, o
ritmo de Deus, de sua origem. Perde, também, o ritmo, a cadência das criaturas,
desaparece a fraternidade com a obra criada. Em vez de amigas, companheiras,
irmãs tornam-se concorrentes e, por vezes, inimigas, visibilizado na serpente
do paraíso. Assim, o homem entra num ritmo cada vez mais acelerado e exacerbado
para o nada vazio, negativo, aniquilado. Vem a nudez, o distanciamento, a
ruína. Aquilo que era um paraíso torna-se um jardim abandonado quando não um
deserto de desolação, sem dono e entregue à própria sorte”, destacou, seguindo
o dito por Fernandes e Fassini. Segundo ele, “o homem distanciou-se, não
permaneceu na cercania do Mistério que o envolvera”.
“O homem foge, se
esconde, mas Deus busca, procura: ‘depois que Adão comeu da fruta da árvore, o
Senhor Deus o chama: ‘Onde estás?’. É o apelo de um Pai que busca o gerado que
se distanciou, para que volte ao convívio, ao amor gerativo e vivificador. Deus
é fiel a si mesmo, por isso busca aquele que Ele gerara segundo sua imagem e à
sua semelhança. Deus oferece o semblante para que ele volte e fique face a face
com Ele”, ressaltou o cardeal.
“Da busca amorosa de Deus nasce a confissão do homem: eu me
escondi!”, segundo Dom Leonado. Ele disse que “Santo Agostinho nas suas ‘Confissões’,
re-conhece a miséria da própria vida vivida como fuga, mas na busca que Deus
faz do pecador, irrompe o louvor ao Deus misericordioso que sempre o buscou:
também no pecado me procuravas! A confissão, assim, tem o sentido de começo do
retorno, início do caminho para o Mistério de sua origem”.
Falando sobre a
realidade atual, o cardeal afirmou que “hoje, vivemos de modo cada vez mais
acelerado e agitado. E, no deserto que criamos para nós mesmos, temos medo e
fugimos da própria sombra, das próprias pegadas. Assim, sem jovialidade, sem
alegria contida e prazerosa, para com a riqueza da finitude, fugimos para um
infinito ilusório, sem comunhão com nada e com ninguém: o infinito do produzir
e consumir, do cobiçar e conquistar de qualquer jeito e a qualquer custo; do
angariar méritos, do obter riquezas, poderes e glórias sem horizonte, nos
escondemos até de nós mesmos. Uma ilusão, um engano, um engodo. Fugimos e nos escondemos da verdade para o entretenimento
com o vazio, com o nada, a não verdade. Nos damos conta que estamos nus,
mas não percebemos que perdemos as vestes da filiação divina, as vestes do
amor, da solidariedade, do perdão. Poderá o homem parar de fugir, entrar na
sombra do mistério, e aí assentar-se? Eis o desafio que nos persegue desde
nossa queda originária!”, disse inspirado em Fernandes e Fassini.
“O rompimento do
homem com sua Origem, a integridade com todo o criado, recebem no Evangelho de
Marcos proclamado, uma expressão extraordinária: ‘Quem faz a vontade
de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’. Na vontade de Deus tudo
volta à graça originária, tudo se irmana, sintoniza, harmoniza; uma comunhão;
visibilização do Reino de Deus: irmão, irmã, mãe!”, afirmou o arcebispo de
Manaus.
No texto
proclamado, Dom Leonardo destacou que “Jesus encontra-se rodeado de seus
discípulos e da multidão que o procura, desejosa de consolo e conforto, de
palavras aliviadoras e curas integradoras. Ao mesmo tempo, a sua bondade,
consolo, alívio, superação do mal, passa pela tentação e confusão de ser
acusado de agir em nome do demônio. Os fariseus não suportam o novo anúncio, a
beleza da convivência paradisíaca, o Reino de Deus. Por isso, descem de
Jerusalém e acusam a Jesus: ‘Ele tem Belzebu em si” e: “É pelo chefe dos
demônios que ele expulsa os demônios!’ (Mc 3,22). Mesmo os familiares o
procuram pelo receio de que perdeu o juízo”.
Citando o texto do
Evangelho que diz: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura. Ele
respondeu: Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? E olhando ao seu redor,
disse: Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é
meu irmão, minha irmã e minha mãe”, dom Leonardo Steiner disse que “no primeiro soar a
resposta de Jesus é dura, chocante, quase incompreensível. Como pode um filho,
um irmão falar desse jeito de sua mãe e seus familiares!? A resposta, no
entanto, é clarividente: o Reino de Deus, o novo Povo de Deus, as novas
relações humanas, principalmente para aqueles que querem segui-lo, estão para
além dos vínculos de parentesco, de sangue e de familiaridade. Para além
significa para a raiz, a origem, o Reino de Deus”.
“Quem é minha
mãe?”, é visto pelo arcebispo como algo que mostra que “a pergunta a demostrar
que o parentesco natural, carnal, no Reino de Deus, pouco vale. No Reino de
Deus, vale a nova criatura tornada realidade em Maria. Ela ilumina a vida nova
da vontade de Deus, pois bem-aventurada por causa de sua fé abraâmica, por ter
escutado a Palavra na obediência da fé, guardando, recolhendo, meditando em seu
coração. A Palavra que se fez carne e nela veio habitar entre nós. Ela foi mais
feliz por levar Cristo em seu coração do que em sua carne”, disse inspirado em Santo
Agostinho, ressaltando que “ela fez a vontade do Pai. É isso que Jesus louva
nela”.
“Fazer
a vontade de Deus é algo tão grandioso e sublime a ponto de transformar todos
em filhos e filhas de Deus. Faz nascer uma maternidade gerativa, cuidadora,
onde todos os seres estão irmanados. Vontade, poderia significar um bem-querer,
gratuito, misericordioso, generoso, livre, como o é Deus. Viver da mesma
Bondade pura e fontal, visibilizado na História da Salvação, no mistério da
encarnação, na cruz, no Crucificado. Fazer a vontade de Deus é o novo caminho
indicado por Jesus no Evangelho que abre para todos o caminho para chegarem ao
Pai. É o caminho que percorremos para retornar à nossa Origem”.
Diante disso ele
questionou, “e nos perguntamos por que essa agressão e morte de irmãos e irmãs?
Por que essa devastação do meio ambiente que nos deixará, sem água, sem terra,
sem frutos, sem beleza, sem poesia? Quando vamos acordar para o convite que
Jesus nos faz no Evangelho de hoje: Quem faz a vontade de Deus,
esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
Na segunda leitura,
o cardeal destacou que “a retomar a profundidade do fazer a vontade de Deus
(2Cor 4,13-18; 5,1). Paulo aos Coríntios ensina que as dificuldades de seu
ministério, o eleva e o conduz pelo caminho da proximidade, não do
escondimento: ‘atribulados, mas não
vencidos... perseguidos, mas não desamparados ... derrubados, mas não
aniquilados...’ (2Cor 4,8-9)”. Ele questionou: “Qual, então a razão que
o sustenta e o anima na tribulação?”, citando o texto: “Porque voltamos os
nossos olhares para as coisas invisíveis e não para as coisas visíveis”! Diante
disso, o cardeal disse: “E qual é este olhar senão o da fé atrativa que
visibiliza a realização plena do Reino de Deus, a vontade de Deus. Tudo na
certeza de que ‘Aquele que ressuscitou Jesus nos ressuscitará também com Ele e
nos colocará ao seu lado, juntamente convosco’ (2Cor 4,14)! A realização plena,
a consumação do caminho da vontade de Deus”.
Finalmente,
lembrando o ensinamento de Paulo: “Por isso, não desanimamos!”, disse que “quem
faz a vontade como Jesus, permanece na sintonia amorosa do Pai. Caminhemos na
esperança da vida nova”.
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