domingo, 9 de junho de 2024

Dom Leonardo: “Fugimos e nos escondemos da verdade para o entretenimento com o vazio, com o nada”


No 10º Domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus e presidente do Regional Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, cardeal Leonardo Steiner iniciou sua reflexão dizendo que o Evangelho proclamado nos apresenta um caminho: Fazer a vontade de Deus. A vontade de Deus que conduz, renova e restaura a vida humana até à consumação, pois nos integra como irmão e irmãs, como mães”.


Segundo dom Leonardo, “a liturgia de hoje nos convoca a celebrar o movimento que nos leva à nossa união originária com Deus, conosco mesmos, com os irmãos, com todas as criaturas, rompida por Adão e Eva no paraíso. A vontade de Deus que Jesus nos apresenta é o início e o retorno à origem da nossa humanidade perdida, pois realização e plenificação da vida, como Jesus que fez a vontade do Pai, até à morte e morte de Cruz”.


“O livro do Gênesis, a nos recordar nosso afastamento, nosso escondimento, uma espécie de fuga de Deus. Recorda o rompimento originário, o pecado original. Original porque se apresenta no modo de ser da origem. Origem, o que faz iniciar, que principia, que continua orientando, direcionando, impelindo, em todo o devir, até o seu fim. Original, pois, houve um distanciamento, um rompimento com a Origem de toda a criação: Deus”, sublinho o arcebispo.


A primeira leitura, afirmou o presidente do Regional Norte1, “recorda a nossa origem: fomos gerados por Deus, segundo sua imagem e recebemos o sopro da vida divina, abençoados. Papa Francisco, nos ensina que o texto mostra a imensa dignidade da pessoa humana ‘que não é uma coisa, mas alguém’. É capaz de se conhecer, de se possuir e de, livremente, se dar e entrar em comunhão com outras pessoas, com todos os seres. Cada um de nós é fruto de um enamoramento de Deus. Cada um é querido, querida, cada um de nós é amado, amada, cada um é necessário. Graças a essa origem, a existência humana vive de três relações fundamentais, ligadas entre si: Deus, próximo e terra. Recorda, também que, com o pecado, essas três relações vitais foram rompidas e corrompidas. A harmonia entre o criador, a humanidade e toda a criação, foi destruída por termos pretendido ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecer-nos como criaturas limitadas (cf. LS, 65-66). Não seguimos a sua vontade: nos apossamos do fruto proibido”.





“Adão, o homem, escondeu-se de Deus. Distanciou-se daquele que o gerou, daquele é o Um, o Bem, o único Bem, o Sumo Bem, a Origem”, disse inspirado em Francisco de Assis. “Ao dessintonizar com o desejo amoroso de não experimentar a fruta proibida, o homem não seguiu a vontade de Deus. Assim, dividido, tomado pela vergonha, rompido com Deus, sua origem, foge, se esconde. Foge de si mesmo, do outro e do próprio Criador. Esconde-se e entra em decadência, isto é, perde a cadência, o ritmo de Deus, de sua origem. Perde, também, o ritmo, a cadência das criaturas, desaparece a fraternidade com a obra criada. Em vez de amigas, companheiras, irmãs tornam-se concorrentes e, por vezes, inimigas, visibilizado na serpente do paraíso. Assim, o homem entra num ritmo cada vez mais acelerado e exacerbado para o nada vazio, negativo, aniquilado. Vem a nudez, o distanciamento, a ruína. Aquilo que era um paraíso torna-se um jardim abandonado quando não um deserto de desolação, sem dono e entregue à própria sorte”, destacou, seguindo o dito por Fernandes e Fassini. Segundo ele, “o homem distanciou-se, não permaneceu na cercania do Mistério que o envolvera”.


O homem foge, se esconde, mas Deus busca, procura: ‘depois que Adão comeu da fruta da árvore, o Senhor Deus o chama: ‘Onde estás?’. É o apelo de um Pai que busca o gerado que se distanciou, para que volte ao convívio, ao amor gerativo e vivificador. Deus é fiel a si mesmo, por isso busca aquele que Ele gerara segundo sua imagem e à sua semelhança. Deus oferece o semblante para que ele volte e fique face a face com Ele”, ressaltou o cardeal.


“Da busca amorosa de Deus nasce a confissão do homem: eu me escondi!”, segundo Dom Leonado. Ele disse que “Santo Agostinho nas suas ‘Confissões’, re-conhece a miséria da própria vida vivida como fuga, mas na busca que Deus faz do pecador, irrompe o louvor ao Deus misericordioso que sempre o buscou: também no pecado me procuravas! A confissão, assim, tem o sentido de começo do retorno, início do caminho para o Mistério de sua origem”.


Falando sobre a realidade atual, o cardeal afirmou que “hoje, vivemos de modo cada vez mais acelerado e agitado. E, no deserto que criamos para nós mesmos, temos medo e fugimos da própria sombra, das próprias pegadas. Assim, sem jovialidade, sem alegria contida e prazerosa, para com a riqueza da finitude, fugimos para um infinito ilusório, sem comunhão com nada e com ninguém: o infinito do produzir e consumir, do cobiçar e conquistar de qualquer jeito e a qualquer custo; do angariar méritos, do obter riquezas, poderes e glórias sem horizonte, nos escondemos até de nós mesmos. Uma ilusão, um engano, um engodo. Fugimos e nos escondemos da verdade para o entretenimento com o vazio, com o nada, a não verdade. Nos damos conta que estamos nus, mas não percebemos que perdemos as vestes da filiação divina, as vestes do amor, da solidariedade, do perdão. Poderá o homem parar de fugir, entrar na sombra do mistério, e aí assentar-se? Eis o desafio que nos persegue desde nossa queda originária!”, disse inspirado em Fernandes e Fassini.



“O rompimento do homem com sua Origem, a integridade com todo o criado, recebem no Evangelho de Marcos proclamado, uma expressão extraordinária: ‘Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’. Na vontade de Deus tudo volta à graça originária, tudo se irmana, sintoniza, harmoniza; uma comunhão; visibilização do Reino de Deus: irmão, irmã, mãe!”, afirmou o arcebispo de Manaus.


No texto proclamado, Dom Leonardo destacou que “Jesus encontra-se rodeado de seus discípulos e da multidão que o procura, desejosa de consolo e conforto, de palavras aliviadoras e curas integradoras. Ao mesmo tempo, a sua bondade, consolo, alívio, superação do mal, passa pela tentação e confusão de ser acusado de agir em nome do demônio. Os fariseus não suportam o novo anúncio, a beleza da convivência paradisíaca, o Reino de Deus. Por isso, descem de Jerusalém e acusam a Jesus: ‘Ele tem Belzebu em si” e: “É pelo chefe dos demônios que ele expulsa os demônios!’ (Mc 3,22). Mesmo os familiares o procuram pelo receio de que perdeu o juízo”.


Citando o texto do Evangelho que diz: “Tua mãe e teus irmãos estão lá fora à tua procura. Ele respondeu: Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos? E olhando ao seu redor, disse: Aqui estão minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”, dom Leonardo Steiner disse que “no primeiro soar a resposta de Jesus é dura, chocante, quase incompreensível. Como pode um filho, um irmão falar desse jeito de sua mãe e seus familiares!? A resposta, no entanto, é clarividente: o Reino de Deus, o novo Povo de Deus, as novas relações humanas, principalmente para aqueles que querem segui-lo, estão para além dos vínculos de parentesco, de sangue e de familiaridade. Para além significa para a raiz, a origem, o Reino de Deus”.


“Quem é minha mãe?”, é visto pelo arcebispo como algo que mostra que “a pergunta a demostrar que o parentesco natural, carnal, no Reino de Deus, pouco vale. No Reino de Deus, vale a nova criatura tornada realidade em Maria. Ela ilumina a vida nova da vontade de Deus, pois bem-aventurada por causa de sua fé abraâmica, por ter escutado a Palavra na obediência da fé, guardando, recolhendo, meditando em seu coração. A Palavra que se fez carne e nela veio habitar entre nós. Ela foi mais feliz por levar Cristo em seu coração do que em sua carne”, disse inspirado em Santo Agostinho, ressaltando que “ela fez a vontade do Pai. É isso que Jesus louva nela”.





Fazer a vontade de Deus é algo tão grandioso e sublime a ponto de transformar todos em filhos e filhas de Deus. Faz nascer uma maternidade gerativa, cuidadora, onde todos os seres estão irmanados. Vontade, poderia significar um bem-querer, gratuito, misericordioso, generoso, livre, como o é Deus. Viver da mesma Bondade pura e fontal, visibilizado na História da Salvação, no mistério da encarnação, na cruz, no Crucificado. Fazer a vontade de Deus é o novo caminho indicado por Jesus no Evangelho que abre para todos o caminho para chegarem ao Pai. É o caminho que percorremos para retornar à nossa Origem”.


Diante disso ele questionou, “e nos perguntamos por que essa agressão e morte de irmãos e irmãs? Por que essa devastação do meio ambiente que nos deixará, sem água, sem terra, sem frutos, sem beleza, sem poesia? Quando vamos acordar para o convite que Jesus nos faz no Evangelho de hoje: Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.


Na segunda leitura, o cardeal destacou que “a retomar a profundidade do fazer a vontade de Deus (2Cor 4,13-18; 5,1). Paulo aos Coríntios ensina que as dificuldades de seu ministério, o eleva e o conduz pelo caminho da proximidade, não do escondimento: ‘atribulados, mas não vencidos... perseguidos, mas não desamparados ... derrubados, mas não aniquilados...’ (2Cor 4,8-9)”. Ele questionou: “Qual, então a razão que o sustenta e o anima na tribulação?”, citando o texto: “Porque voltamos os nossos olhares para as coisas invisíveis e não para as coisas visíveis”! Diante disso, o cardeal disse: “E qual é este olhar senão o da fé atrativa que visibiliza a realização plena do Reino de Deus, a vontade de Deus. Tudo na certeza de que ‘Aquele que ressuscitou Jesus nos ressuscitará também com Ele e nos colocará ao seu lado, juntamente convosco’ (2Cor 4,14)! A realização plena, a consumação do caminho da vontade de Deus”.


Finalmente, lembrando o ensinamento de Paulo: “Por isso, não desanimamos!”, disse que “quem faz a vontade como Jesus, permanece na sintonia amorosa do Pai. Caminhemos na esperança da vida nova”.




Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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