domingo, 23 de junho de 2024

Dom Leonardo: “Levar Jesus é a essência do discípulo missionário, dos seguidores e das seguidoras de Jesus”


Na homilia do 12º domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Steiner, iniciou suas palavras lembrando o texto do Evangelho: “Ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: Vamos para a outra margem!”. Ele lembro que a passagem do Evangelho do dia começa dizendo: “Ao entardecer… (Mc 4,35)”. Ele lembrou as palavras de Papa Francisco no meio da pandemia do Covid19 na Praça de São Pedro vazia, “onde nos consolava com estas palavras, demonstrado o que era o entardecer, o cair da tarde, mas com confiança na travessia”: “Desde há semanas que parece entardecer, parece cair a noite. Densas trevas cobriram nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se de nossas vidas, enchendo tudo com um silêncio ensurdecedor e de um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares! Encontramo-nos temerosos e perdidos. À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda.”


Segundo o arcebispo, “somos convidados à travessia, a buscar outra margem. Ao cair da tarde buscar a outra margem. Ao cair de um dia, quando começa a descer a noite, quando percebe-se findar uma possibilidade, quando as possibilidades parecem findar, buscar a outra margem. Ao cair da tarde, quando estamos a perder a luz, quando estamos para perder os olhos, quando os olhos começam a perder o ver; quando a necessidade de ultrapassar o já visto, o já compreendido, ultrapassar a segurança do tudo saber, do tudo ter, buscar a outra margem. No meio das dificuldades, no meio da tormenta, no meio do burburinho, no meio de tantos sofreres e não saberes, somos despertados pela outra margem: da liberdade, da fé, da misericórdia, da esperança, da vida do Reino. A outra margem nos atrai. A outra margem é mais que a espera de um novo dia! É travessia”.


Dom Leonardo analisou o texto de Marcos, a nos dizer que os discípulos “despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava, na barca” (Mc 4,36). Nesse versículo, o arcebispo de Manaus destaca que “eles levaram Jesus com eles. Levar Jesus é a essência do discípulo missionário, dos seguidores e das seguidoras de Jesus. Levar significa, carregar o próprio Filho de Deus que não tem casa, pois todos os homens, todas as criaturas, todos os povos são sua casa. Fazer a travessia com Jesus. Ele presente no barco; Ele a travessia: caminho, verdade e vida. Ele estará sempre na quase não presença no fundo da barca”.


No meio da travessia, diz o texto, “começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a encher-se de água” (Mc 4,37). “Os ventos, as ondas, a agitação, e os discípulos tomados pelo medo de soçobrar. Os ventos, as ondas que nos agitam, despertam sentimentos de morte de desesperança”. Se referindo à travessia dos nossos dias, dom Leonardo Steiner os identificou com “os ventos e as ondas da violência, da pandemia, da agressão, da ganância a qualquer custo, do desemprego, da fome, das águas, do negacionismo, da destruição do meio ambiente, da negação da ética; quantas ondas e ventos. Ondas a nos atingir às vezes duas de cada vez, somos tomados pelo medo de afundarmos como sociedade como pessoas dadas à convivência”.





Esse vento forte e agitado, destruidor e essas ondas violentas que nos fazem temer pela vida de nossas famílias, pela moral de liberdade e integridade. Essas ondas agitadas e ventos de ídolos do vazio, da religião mascarada e mercantilizada. Uma religião de um ritualismo vazio, sem amor aos pequenos e abandonados. Essa onda de morte e vingança que leva a encher o barco a existência, das paixões humanas e do mundo - os ídolos do poder, do domínio sobre os outros, da competição religiosa; a ansiedade pela fama e pelos aplausos do mundo. Na medida em que buscamos o outro lado essas tensões e desumanidades se apresentam como sinais de morte. Não existe travessia sem tensão, sem desconforto, sem ventos fortes e ondas agitadas. É que nos dada a graça da vida nova do reino de Deus: transformação”, enfatizou o cardeal.


Citando as palavras de Rombach, quando fala do sofrer, o arcebispo de Manaus disse: “Através da experiência da cruz o homem aprendeu a ver o sofrer de outro modo. Sempre houve sofrimento, mas ele não era sofrido. Só com o sofrer divino o homem aprendeu a captar o sofrimento como figura fundamental do ser-homem: o homem que sofre tem um direito infinito, sua figura é intocável, nem repreensão nem acusação, nem boas palavras e exortações, nem louvação e recompensa nem meras ajudas técnicas são de valia para ele. O sofredor perdeu algo de irreparável, a pátria, os seus, o sentido. Caso nele a dor se transforme em sofrer, então ele se torna um indivíduo infinito, que não é alcançado por nada mais. O sofredor tem um direito absoluto. Rente a ele não passa nenhum caminho. Nele se torna presente o ser-homem e a humanidade. Nisso reside seu serviço, sua oferenda, sua tarefa: sofrer como experiência da infinitude e ajudar como um suportar estar junto. Nessa figura em que co-pertencem sofrer e suportar-junto, as existências individuais crescem para fora e para além de si.”


A travessia é uma espécie de purificação, de conversão, de mudança de vida. Melhor é uma imersão sempre maior e mais dinâmica no Evangelho, no modo de viver de Jesus que sofreu na cruz até a morte”, segundo dom Leonardo. É por isso que “na travessia Jesus conosco! Jesus a nos levar no meio de tudo o que acontece na travessia. Ele ali no meio das tormentas, a dormir e nós esquecidos de sua presença, apesar de termos levado conosco. É no meio da agitação e do desassossego o buscamos e o vemos. E com sua presença, apesar da agitação e do odor de morte, nos entregamos à suavidade de sua presença e somos tomados pela serenidade das ondas e dos ventos.”


Citando uma homilia de Santo Agostinho, no Sermão 75, sobre o texto de Evangelho do dia, o cardeal Steiner lembrou: “Não há ninguém neste mundo que não seja viajante, ainda que nem todos desejem regressar à pátria. Nós sofremos com as ondas e as tempestades que decorrem da travessia, mas, mesmo assim, fiquemos na barca. Com efeito, se dentro da barca corremos perigo, fora dela a morte é inevitável! Aquele que nada em alto mar pode ter muita força em seus braços, mas será, cedo ou tarde, vencido pela imensidão do oceano, é devorado por ele e desaparece. Portanto, é necessário estarmos na barca, ou seja, sermos transportados pela madeira de um lenho, para poder atravessar o mar. O madeiro que carrega a nossa fraqueza é a cruz de nosso Senhor, da qual trazemos o sinal em nossa fronte, e que nos impede de ser engolidos pelo mundo. Sofremos as agitações das ondas, mas é o Senhor que nos transporta. A barca que transporta os discípulos, isto é, a Igreja, navegante, e a tempestade das provações a tomam de assalto. O vento contrário, ou seja, o demônio que faz oposição à Igreja, não se acalma, esforçando-se por impedi-la de chegar ao repouso do porto. Grande é, porém, aquele que intercede por nós. Com efeito, durante a tumultuosa navegação em que nos debatemos, ele nos inspira confiança, vem a nós e nos reconforta, a fim de que, sacudidos pela barca, não nos deixemos abater e não nos lancemos ao mar. Porque, mesmo se a barca é sacudida pelas ondas, é apesar de tudo uma barca, e somente esta barca transporta os discípulos e acolhe Cristo. Ela corre um grande risco no mar, mas, fora dela, imediatamente perecemos. Conserva-te, pois, na barca e clama por Deus. (...) Aquele que concede aos navegantes a graça de chegar ao porto, iria acaso abandonar a sua Igreja, em vez de reconduzi-la ao repouso?”





Sobre Jó, “uma das figuras que admiramos e contemplamos na Sagrada Escritura”, que aparece na primeira leitura, dom Leonardo disse que “ele experimentou a noite, a tempestade; tudo desmoronou, despareceu, a morte se fez sua vida e a sua vida parecia morrer. No meio de tantas dores e sofrimentos, buscou permanecer na proximidade de Deus. Ao lermos o livro de Jó temos dificuldade de permanecer na fidelidade da leitura para nos darmos conta do significado da travessia, a travessia do abandono, da solidão, da sensação de perder Deus. É que no meio do lago, da tempestade, tem-se a percepção de perecer. No meio de todos os despojamentos, das perdas, da tempestade que se desencadeara na sua vida, Deus responde: ‘Quem fechou o mar com portas quando ele jorrou com ímpeto do seio materno, quando eu lhe dava nuvens por vestes e névoas espessas por faixas; quando marquei seus limites e coloquei portas e trancas, e disse: Até aqui chegarás, e não além; aqui cessa a arrogância de tuas ondas?’ (Jó 38,1.8-11). É extraordinária a expressão de Jó: ‘Eu te conhecia por ouvir dizer, mas agora, vejo-te como meus próprios olhos’ (Jó 42,5). Sim amados irmãos e irmãos é na travessia que vemos Deus. É no meio das ondas agitadas, no não mais saber, de nada mais poder que começamos ver a presença misteriosa e amável de Deus.”


Na segunda leitura, o cardeal destacou que Paulo “nos recordava essa transformação inexplicável: ‘O amor de Cristo nos pressiona’. Pois, ‘Cristo morreu por todos para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou’. E por estarmos em Cristo e Cristo está conosco na barca da travessia somos ‘uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo’ (cf. 2Cor 5,14-17). Por isso: travessia, a outra margem! Amor atrai amor, nobreza obriga! Porque o Evangelho é novo modo de viver, novo sentido de ser, somos atraídos pela outra margem e sermos com Cristo”.


“Travessia é um morrer-viver; um viver-morrer: renascimento! Uma nova vida! É renascimento! ‘Tudo agora é novo.’ ‘Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?’ Aquele que está conosco sempre na travessia. Mesmo que tenhamos a tentação de não percebê-lo, Ele está. Sempre estará. É na travessia que vemos que é ‘Esse a quem o vento e o mar obedecem’. Façamos a travessia!”, finalizou o presidente do Regional Norte1 da CNBB.



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

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