No
32º Domingo do Tempo Comum, o arcebispo de Manaus e presidente do Regional
Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Norte1), cardeal
Leonardo Ulrich Steiner, iniciou sua reflexão destacando que a primeira leitura
“nos indicava o caminho que a Palavra de Deus deseja percorrer, o horizonte a
iluminar do caminho, o sentido dos nossos dias. Uma vida que se oferta, uma
vida de confiança.”
No
texto aparece “o profeta que pede a uma viúva água e pão, no tempo da
desgraça, da seca, da pobreza”, explicitando que “naquele tempo a condição
da viúva, assim como a do órfão, era de desprezada, vilipendiada e, se fosse
estrangeira, era duplamente menosprezada aos olhos do povo. Primeiramente,
porque, não tendo varão, nada valia, pois não tinha quem a sustentasse ou apoiasse.
Em segundo lugar, por ser estrangeira era excluída do ‘povo eleito’. E é
justamente a essa mulher estrangeira, vil, desprezada e marginalizada, que Deus
envia seu profeta. É a ela que o profeta pede e recebe.”
“A
viúva pobre pelo menos tinha um filho, mas estava por esperar a morte depois de
cozer a última poção de farinha e óleo. O tempo é de grande seca, escassez de
água, trigo, farinha, pão e azeite. Mas, a secura e a fome advinham de
Israel ter-se voltado aos ídolos, para Baal, o falso senhor da fertilidade,
divindade de origem cananeia, traindo assim a fidelidade esponsal com o seu
Deus”, conta igualmente o texto do Primeiro Livro dos Reis.
“Mas
a viúva de Sidônia, mulher fenícia, mesmo na aflição, confia na palavra do
profeta, vai e serve o estrangeiro, lhe dá tudo o que tinha para comer. Na
sua confiança e entrega, no seu desapego e cuidado para com o estrangeiro, a
sua vida se transforma, encontrar sentido, horizonte para caminhar no tempo da
secura e da pobreza”, destacou, citando o texto bíblico. Segundo o arcebispo de
Manaus, “a viúva que na sua generosidade socorre, é socorrida; na sua
gratuidade, gratuidade recebe”.
“Na
viúva estrangeira e desprezada, o profeta encontra a fé que não encontrara em
Israel; um sinal de que a fé não é, por princípio, um fenômeno particular,
restrito a determinados indivíduos, comunidades e povos. A fé é um vigor
gratuito que verte do, ou no, coração de toda a pessoa, em toda a humanidade,
tocada por Deus. Do abismo das possibilidades da vida, a fé pode emergir
sempre de novo e em todo o lugar, ali onde se acende a centelha da graça da ‘boa-vontade’,
da vontade boa, per-fazida, da bem-querência”, disse o cardeal Steiner. Ele
lembrou que a fé dessa mulher será recordada por Jesus com certa comoção no
Evangelho de Lucas, ao ser rejeitado em sua terra, Nazaré. Diante disso,
lembrando as palavras de Fernandes e Fassini, o cardeal afirmou: “Quanto podemos
aprender com a viúva que serve o profeta na confiança de sua palavra.”
“O
Evangelho ilumina admiravelmente a generosidade da transparência da viúva”, ressaltou
o presidente do Regional Norte1. Segundo ele, “Jesus mesmo é despertado, pois
admirado com a grandeza suave e cândida de uma mulher sem nada, mas que oferece
a sua oblação. Jesus sentado defronte
do cofre das esmolas, ‘observa como o povo deitava a esmola;
muitos ricos depositaram grandes quantias’. A pobre viúva, delicadamente
oferta duas pequenas moedas, a menor moeda romana no tempo de Jesus. O
gesto percutiu de tal forma que Jesus sentiu necessidade de mostrar aos seus
discípulos a transparência da oferta. É a mesma alegria que o seu Coração
experimenta quando nos entregamos a Ele totalmente”, disse o cardeal Steiner,
citando a São Gregório Magno.
“Por isso, admirado e comovido, chama os discípulos
e confessa: ‘esta pobre viúva deitou mais do que todos os que lançaram no
cofre; Porque todos deitaram do que tinham em abundância; ela, porém, pôs, da
sua indigência, ofereceu tudo aquilo que
possuía para viver’”, lembrou o cardeal. Ele
destacou que “Jesus
sabia que uma viúva era a última, aquela que nada tinha, aquela que perdia,
quase sempre, até os filhos. Se existia alguém que era pobre-pobre era a
viúva. Colocar duas moedas sem valor não era grande coisa. Mas, Jesus
observa que ela colocou o seu sustento,
ofereceu tudo aquilo que possuía para viver. Deu tudo o que não poderia
dar. Deu de si, deu-se a si mesma.”
“A
medida da viúva foi calcada, sacudida, transbordante. Nós diríamos gratuita. Como
não tinha o que dar, deu aquilo que não tinha. As moedas sem valor é o que
ela não tinha. O seu amor era tão grande, ela era desejosa de dizer que O amava
que deitou o que não tinha. Talvez, dissesse silenciosamente: Senhor, nada
tenho! O que sou te dou: pobre, deserdada, viúva. Como só tenho a Ti, eis-me
aqui, aceita-me com o nada dessas duas moedas. Soltura de confiança, por isso
de gratuidade!”, afirmou o arcebispo de Manaus.
Santo
Agostinho, lembrou o cardeal Steiner, “nos ensina que a viúva fez a
oferenda do amor, com uma grande confiança na Providência divina, e Deus
recompensou-a com certeza ainda na vida aqui na terra”, citando o texto do
Sermão 107: “Eles ofertaram muito do muito que tinham, ela deu tudo o que
possuía. Tinha muito, pois tinha Deus no seu coração. É mais possuir Deus
na alma do que ouro na arca. Quem deu mais do que essa pobre viúva que não
reservou nada para si?”, sublinhando que “nada restou, tudo entregou, deu-se a
si mesma na confiança do amor.”
Segundo
o arcebispo, “na oferta de si mesma, a viúva nos faz volver nosso olhar para
o mistério da entrega na cruz. Deus que em Jesus se oferece, sem reservas,
sem se recusar, dá tudo para que nos sintamos amados e salvos. Deu-se a si
mesmo para que pudéssemos participar do seu amor redentor. Como a viúva que na
sua aparência e socialmente é uma pessoa abandonada, frágil, vulnerável, às
vezes angustiada devido à pobreza e penúria que vive, só e abandonada, assim
Jesus que na cruz grita, porque angustiado, abandonado. No entanto, busca
consolo e conforto: ‘nas tuas mãos eu entrego o espírito’; as últimas moedas do
respiro são entregues ao Pai. Tudo na doação da liberdade, da liberalidade, da
gratuidade. Nesse amor que fomos salvos e libertos!”
Na
carta aos Hebreus “a nos ensinar que Jesus Cristo com sua morte e Ressurreição ‘não
entrou num santuário feito por mão humana, imagem do verdadeiro, mas no próprio
céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor’ (Hb
9,24). Jesus é a oferta e a oferenda, que uma vez por todas, fez de si
mesmo ao Pai, até a morte e morte de Cruz, em favor de todo o universo”, disse
o cardeal Leonardo Steiner.
“A
viúva do Evangelho, o Crucificado, nos despertam para darmos não da abundância,
das sobras, com ostentação e em vista de glórias e benesses, mas darmos,
ofertarmos, entregarmos o que nos é necessário para sobreviver”, segundo o
presidente do Regional Norte1. Ele disse que “também nós de modo simples e
transparente, sem nenhuma ostentação, como convém a quem ama de fato, somos
provocados fazermos a nossa oferta! A esmola pode ser pequena,
insignificante, mas é expressão da nossa vida, da nossa pessoa, do nosso amor
na fragilidade. Como a viúva, ela que se entrega inteiramente na oferta das
moedas, como Jesus que se oferta ao Pai, possamos seguir a Deus vivendo do
mesmo modo.”
Em
palavras do cardeal, “a viúva remete a Jesus crucificado, e Crucificado nos
envia ao encontro da nossa fragilidade. A viuvez de nossa fragilidade e
finitude! Na nossa fragilidade e pecado, permanecermos fiéis a Deus. Nos
aproximarmos sempre e depositamos diante de Deus o que somos. Se não temos o
que ofertar, ofereçamos a moedinhas da nossa fraqueza, fragilidade, e na
fraqueza e na miséria, o nosso amor. Deus ‘jamais despreza a súplica do órfão,
nem da viúva, quando desabafa suas mágoas’. E da desmedida amorosa e
misericordiosa do Senhor que vela e cuida do órfão e da viúva, a desmedida que
habita e é o templo, advém o consolo e a confiança.”
Ele
lembrou, com as palavras de Fernandes e Fassini, que “a esmola era pequena,
insignificante, mas o dom é total.
Enfim, ela entregava como Deus que se entrega e doa. Deus não dá como os
que muito tem, de sua abundância, a modo de grande benfeitor; não nos dá do que
tem, mas doa a Si mesmo, sua Pessoa, aquilo ou naquilo que Ele é: Deus, Amor,
Doação, Compaixão, Misericórdia. Por isso, em se dando todo, pessoalmente a
nós, em vez de dar-nos ‘coisas’ ou dons espirituais, nos transforma Nele mesmo:
tornando-nos ‘deuses’”.
Finalmente,
o cardeal Steiner sublinhou que “as viúvas da Palavra de Deus nos levam ao
encontro do Filho amado que se entregou, ofertou até a morte e morte de cruz, é
para todos salvação e transformação. Como a viúva que no seu nada dando-se a
si mesma, possamos ser uma verdadeira oferta agradável e livre.”
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