terça-feira, 17 de setembro de 2019

O desafio da vida urbana nas comunidades cristãs na Amazônia

Por Diác. Francisco Andrade de Lima
Secretário executivo Regional Norte 1 - CNBB]

Apesar de vermos e ouvirmos falar de uma Amazônia de Natureza exuberante, de muitos povos: indígenas, ribeirinhos, quilombolas... a Amazônia cada vez mais vai sendo devastada, e os povos “empurrados” para as cidades, ou a forma de vida das cidades vai chegando nas comunidades mais longínquas. Isso vai dando uma característica para a região amazônica que é a predominância da maioria das pessoas morando nas cidades e, consequentemente, um alto percentual sofrendo as dificuldades da urbanização desordenada, agravada pela fragilidade das políticas públicas e outras iniciativas estatais que poderiam favorecer a vida na cidade.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em sua 57ª Assembleia Geral, aprovou as Novas Diretrizes para a Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, incluindo já no Objetivo Geral, o aspecto urbano: “Evangelizar no Brasil, cada vez mais urbano”. Para os Bispos do Brasil “não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação” (DGAE 31).

Também o Sínodo para a Amazônia no Instrumentum Laboris, dedica dois capítulos, um na segunda parte (julgar) e outro na terceira parte (agir) sobre os desafios da evangelização no mundo urbano. Sugere que precisamos aproveitar do que o mundo urbano oferece de positivo para a evangelização, e a partir da evangelização nas cidades possamos irradiar também para as demais comunidades, daí a necessidade de termos uma pastoral que trabalhe em comunhão, para que assim se possa de fato atingir os mais pobres e excluídos das cidades que na maioria dos casos são provenientes das comunidades ou regiões remotas, seja da própria região, seja migrante que vindos de situações de conflitos, fugindo da fome e tantas outras mazelas levam ao crescimento urbano em nossa Amazônia.

Quando chegam cidades trazem se deparam com grandes desafios, a Campanha da Fraternidade de 2016, sob o tema “casa comum, nossa responsabilidade”, que versava sobre o saneamento básico, revelou o grande déficit quanto a este direito nas cidades localizadas no perímetro amazônico. A região correspondente a Amazônia legal tem em média 8% de esgoto coletado e destes 16% é tratado. Existem também dificuldades quanto ao acesso à agua potável, condições de moradia digna e tratamento de resíduos domésticos, industriais e hospitalares. Outro fato preocupante no que se refere aos habitantes da cidade diz respeito as diferentes situações de violência que tem atingido sobretudo a juventude, os negros, os indígenas e as mulheres.

As referências citadas acima revelam o grande desafio das cidades da região para a Igreja. Pergunta-se como marcar presença em uma realidade tão plural, complexa, onde estão em atuação diferentes interesses e jogos de forças, reflexo do que acontece em âmbito maior. Muito do que é a sociedade, seja esta nacional e mundial, se desenvolve e decanta-se na grande cidade. Aí se desenvolvem as relações, os processos e estruturas que constituem as formas de sociabilidade. O espaço urbano indica o que acontece em dimensões mais amplas, no todo da humanidade. Os fenômenos urbanos estão ligados a outros fenômenos em escala planetária. Demanda a necessidade de uma leitura atenta do que acontece na cidade e suas implicâncias na vida das pessoas com as quais nos envolvemos pelos compromissos pastorais.

Há ainda outras variantes que podem ser observadas como influenciadoras da “vida na cidade”, especialmente porque atingem os meios populares. Um dos elementos é o espaço.

Na grande cidade o espaço tem uma influência profunda na vida da pessoa. Daí o grande peso econômico da especulação imobiliária. A superpopulação e as condições de vida desta população fazem da luta pelo espaço algo primordial na grande cidade. Neste dado há de se considerar o espaço público, o espaço da rua, podemos nos perguntar: Porque tanta gente morando na rua? Onde moram? De onde vieram? Vão ficar sempre morando nas ruas? Na exortação apostólica Evangelli Gaudiun o Papa Francisco lembra que não podemos ignorar que, nas cidades, facilmente se desenvolve o tráfico de drogas e de pessoas, o abuso e a exploração de menores, o abandono de idosos e doentes, várias formas de corrupção e crime.

Na perspectiva eclesial cabe lembrar o mundo urbano como lugar das profundas transformações sócio econômicas, culturais e religiosas que impactam a vida e que, por sua vez, interferem no agir das Igrejas. Se queremos ter uma atuação que realmente repercuta na vida do mundo urbano, teremos que corajosamente mudar a metodologia e a forma de organização da Igreja, as Novas Diretrizes da ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, propõe que atuemos em pequenas comunidades missionárias, que acolhe, mas também envia, onde o grande trabalho a ser feito é o processo de Iniciação a Vida Cristã, na perspectiva da escuta e vivência da Palavra, da partilha do pão e da caridade.

Neste espaço devemos atuar como cristãos provocando uma outra forma de relação com a cidade, marcada pela solidariedade e compromisso mútuo. São propostas históricas, contudo inovadoras porque hoje o discurso que atrai é o do individualismo, do fazer e viver por si, ignorando a coletividade. Em apoio a esta proposta lembramos a Encíclica Laudato Si que sugere outro patamar de relacionamento. Diz que sempre é possível desenvolver uma nova capacidade de sair de si mesmo rumo ao outro. Sem tal capacidade, não se reconhece às outras criaturas o seu valor, não se sente interessado em cuidar de algo para os outros, não se consegue impor limites para evitar o sofrimento e a degradação que nos rodeia. É possível, na experiência urbana, apontar outro caminho que não o fechamento individualista, nestes sentido o modelo de comunidades missionárias será uma grande alternativa para indicar um caminho diferente ao individualismo, podemos trabalhar a preocupação com o (a) outro (a). Diz o Papa na Laudato Sí: quando somos capazes de superar o individualismo, pode-se realmente desenvolver um estilo de vida alternativo e torna-se possível uma mudança relevante na sociedade. Esta intenção requer assumir mecanismos e metodologias de viabilização porque o ideal compreende os processos de concretização.

A partir do Evangelho de Jesus Cristo e do testemunho dos primeiros cristãos, que agiram na cidade, somos desafiados a este compromisso. O Papa Francisco na Evangelli Gaudiun lembra que: viver a fundo a realidade humana e inserir-se no coração dos desafios como fermento de testemunho, em qualquer cultura, em qualquer cidade, melhora o cristão e fecunda a cidade.

Sigamos, pois, as propostas das Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil, proposta pela CNBB, para o quadriênio, 2019 – 2023 que nos oferecem elementos importantes que dão indicativos para uma Evangelização no contexto urbano, o principal é que sejamos comunidades missionárias sustentadas pela Palavra, pelo Pão, Pela Caridade e pela missão.


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