A Vida Religiosa Consagrada no mundo (pós)pandêmico.
Presença solidária onde a Vida clama. Esse foi o tema de reflexão da live
organizada pelo Instituto Humanitas Unisinos. Três religiosas, Liliana Franco,
Maria Inês Vieira Ribeiro e Márian Ambrósio, ajudaram com sua reflexão a
descobrir luzes diante de uma realidade que nos supera.
Liliana Franco começou por fazer um apelo para "reconhecer
aquela presença de solidariedade onde a vida clama”. Uma pandemia que tem muitos
rostos, que está tirando as vidas e oportunidades de muitos homens e mulheres.
Uma crise que tem muitas facetas, a falta de alimentos, a falta de
oportunidades de emprego, a escassez de recursos de saúde e uma oferta
educativa deficiente. Crise migratória, que está dando forma a um novo rosto da
sociedade. Crise de corrupção, que leva ao esbanjamento para o bem privado do
que deveria ser o bem público. Crise de violência, que se manifesta em
femicídios, assassinatos de líderes sociais, disputas sobre território, tráfico
de droga, mineração, extrativismo. Crise de saúde, sendo "encurralados por
um vírus que mudou o ritmo das nossas vidas". Uma crise que nos transborda
e cujas consequências negativas estão crescendo.
Como nos situarmos diante desta crise, questionou a
presidenta da CLAR, que partiu da ideia de que a realidade é complexa, perante
a qual os homens e mulheres de fé são chamados a situar-se a partir de um olhar
de fé e esperança, a ler os fatos a partir de uma atitude crítica e profética e
de um compromisso construtivo, em discernimento, reconhecendo o que Deus nos
indica, alertando que a vida religiosa é chamada a ir até às fronteiras, a
denunciar, a sair em missão.
A religiosa perguntou-se "onde é que nós,
religiosos, temos estado nesta crise", enumerando 10 cenários. O primeiro
na confortável poltrona do espectador, com pouco sentido crítico; no fogão,
acendendo a vela para que a panela comunitária fosse suficiente para todos;
abrindo a porta da casa para que houvesse espaço para os outros; arriscando a
vida na linha da frente dos que cuidam dos doentes; penetrando no profundo da
terra, tentando responder com recursos para as comunidades amazónicas;
participando em redes e correntes de solidariedade; gerando alternativas de
formação, através da virtualidade; desenvolvendo a criatividade para continuar
a missão, com novas metodologias e recursos; rezando e convencidos de que este
é tempo; no lugar das vítimas, muitos religiosos e religiosas morreram pela
Covid-19.
"Não podemos ficar indiferentes, nem paralisados
perante esta realidade", insistiu a irmã Liliana, que perguntou "que
nova humanidade está emergindo". A presidenta da CLAR convidou a dar
pequenos passos: ter uma atitude aberta para perceber a densidade da vida que
nos rodeia, que permita "saber conviver com as incertezas",
transformar as dificuldades em possibilidades, insistindo que "cabe-nos a
nós dar testemunho de esperança perante a adversidade".
Para isso é necessário assumir os valores do
Evangelho, como horizontes de ser e agir, apostando em caminhar com outros,
abraçando a situação dos pobres e excluídos, cada vez mais numerosos,
empenhados na formação de uma consciência crítica e de responsabilidade social,
deixando ressoar as propostas de Fratelli tutti. É tempo de gerar utopia, de
aproveitar as oportunidades para gerar redes que ajudam a cuidar da vida, da
terra e das culturas. "Fazer desta crise um laboratório de aprendizagem,
que nos permita desvendar novos caminhos, despertar uma sensibilidade que nos
permita a todos nós envolvermo-nos e exercitar a compaixão". Seguindo as
palavras do Papa Francisco, apelou à criação de espaços em que haja lugar para
a diferença e universalidade, afirmando que "como vida religiosa somos
construtores desta mudança que não pode ser adiada".
Reflexão desde a dimensão pessoal, como eu me preparo
para a pandemia, se questionava a irmã Maria Inês. Fazia isso a partir do
sofrimento das pessoas, de pessoas próximas, conhecidas, denunciando “os desmandos
intoleráveis do governo do nosso país, é triste ver que o povo está pagando com
a vida as irresponsabilidades dos nossos governos”, criticando a falta de planejamento
governamental e o negacionismo, uma atitude presente inclusive entre os religiosos,
segundo a presidenta da CRB, “que nos machuca muito, porque vemos que há
pessoas que estão surdas, cegas e mudas”. Ela definia o momento atual como “o
tempo de cuidar”, de nos focarmos no essencial, lembrando que no carisma de
muitos fundadores está o chamado a “ser uma resposta onde a vida mais clama”.
A religiosa citava exemplos concretos, como Frei
Mariano, o jovem franciscano que trabalhava no Barco Hospital Papa Francisco,
no Estado do Pará, e que faleceu vítima da Covid-19; o testemunho da vida
religiosa em Roraima, onde todas as comunidades, de 25 congregações, estão
envolvidas de alguma maneira com os migrantes. O confinamento tem sido “oportunidade
para compreender melhor o nosso ser”, afirmava a irmã Maria Inês, percebendo a
necessidade de “sermos mais coerentes, mais autênticas, mais radicais”, entendendo
que estamos todos no mesmo barco, o que tem que nos levar a nos ajudarmos,
refletindo sobre o que significa a vida em comunidade para a vida religiosa.
A pandemia tem sido um tempo em que “estamos
reaprendendo a viver a proximidade”, de valorizar o olhar, o sorriso, a escuta,
de não deixarmos abater pela desesperança, pela tristeza, pelo negativismo. Um
tempo para entender que o ritmo das coisas nem sempre é aquele que esperamos,
com muitas coisas indo devagar, até paradas. Um tempo que a presidenta da CRB vê
como “uma experiência pedagógica”, que transforme o chronos em kairós, que
ajude a entender a sobriedade. Estamos ante um tempo de refletir e um tempo de
agir, de se perguntar o que buscamos, de se colocar diante do Mistério.
Um chamado a profetizar e testemunhar, esse foi o
chamado que fez à vida religiosa a irmã Márian Ambrósio, fazendo que “a nossa
vida seja um mistério, seja um lugar onde as pessoas toquem e digam Deus
existe, a esperança existe”. Ela falava de questões de fundo, que jamais podem
ser esquecidas na Vida Religiosa, “a nossa identidade e o nosso significado”,
neste tempo de pandemia, o que a Vida Religiosa está significando para o mundo:
questões recorrentes, as obras, a formação, os relacionamentos, a animação
vocacional, a falta de vocações..., para as que a pandemia não pode ser uma escusa;
e questões do momento presente, a tentação de voltar ao que nos dá segurança,
releitura dos carismas, significado dos votos, da vida em comunidade, o papel
da mulher na Igreja, a pandemia e a pós pandemia.
A ex-presidenta da CRB fazia um chamado a testemunhar
esperança para todos os machucados pela pandemia, e assim não trair a mais
fundamental vocação. Ela se perguntava se existe uma esperança para as congregações,
convidando a se perguntar quais são os sinais de futuro que estão presentes
hoje em cada congregação. Recordando o profeta Jeremias, que mostra que “há uma
esperança para o teu futuro”, levando a descobrir que a esperança é algo de
Deus. Também recordava o convite do Papa Francisco à Vida Religiosa: “abraçar o
futuro com esperança”. Isso deve levar a “aprender a abraçar a pandemia”, e
para abraçar tem que estar em pé, tem que se perguntar que causa quer abraçar e
discernir quem precisa do meu abraço, tem que abrir os braços e as mãos.
A irmã Miriam fazia um chamado à vida religiosa a
fugir do fechamento, a abraçar os vulneráveis, os machucados na pós pandemia, a
voltar como Vida Religiosa para as realidades que são suas, para seu essencial,
a fincar uma estaca da esperança, a deixar sentir o perfume do carisma que a
Vida Religiosa irradia. O desafio é assumir o jeito dos profetas e profetisas da
Bíblia, que falavam de coisas novas, insistindo em que “a profecia é sempre portadora
de esperança, abraçando, anunciando e testemunhando”. Se faz necessário,
segundo a religiosa, “corrigir a visão distorcida de Deus durante a pandemia,
um Deus que castiga o mundo”, e frente a isso “anunciar o rosto do Deus da Vida”.
Nesta dimensão da profecia, a Irmã Liliana apelou à
profecia da comunidade, mostrando a necessidade de novas experiências de
relacionamento, de superar o "clericalismo, demagogias, formas verticais
de fazer as coisas", de se colocar na condição de irmãos, de fazer um
apelo ao sinodal, de construir com os outros e na condição de irmãos, transcendendo
a idolatria do individualismo, de redescobrir razões para viver, de sair dos
pedestais e tocar mais o pó e o humano, não para teorizar.
É um tempo para “aprofundar nossas raízes”, insistia a
irmã Maria Inês, “na nossa identidade, no nosso sermos como consagrados e
consagradas”, fazendo um chamado a estar prontos e confiar, a exemplo de Maria,
na Ressurreição, testemunhando a alegria e a esperança a partir da nossa
convivência. Um chamado a “dar testemunho da vida que
clama por Ressurreição, por esperança, por alegria, por fé, por transcendência”.
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