quarta-feira, 28 de abril de 2021

Da Amazônia à Guiné-Bissau, a experiencia missionária do Padre Jaime Coimbra do Nascimento


América Latina foi tradicionalmente um continente que recebeu muitos missionários, a maioria vindos da Europa. Aos poucos a consciência missionária além fronteiras foi se fazendo presente na vida da Igreja latino-americana.

Um exemplo dessa nova dinâmica é o padre Jaime Coimbra do Nascimento, que está esperando viajar para a diocese de Bafatá, Guiné-Bissau, que no dia 31 de março perdia seu bispo, também brasileiro, Dom Pedro Zilli, vítima da Covid-19. Ele já trabalhou lá durante 6 anos, de 2005 a 2011.

Nascido na diocese de Parintins, Estado do Amazonas, ele é padre do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras – PIME, que foi quem praticamente fundou essa diocese, segundo ele afirma, pois o Instituto “tem como carisma a fundação da Igreja local”. Aos poucos o Instituto foi providenciando a estrutura da diocese e formando um clero local.

O padre Jaime diz que “por enquanto eu sou o único da diocese, como sacerdote, que respondi a esse chamado missionário e tem também algumas irmãs daquela diocese que estão em países asiáticos e africanos, até na Europa, na Itália”. Sua vocação surgiu do convívio com os missionários do PIME, “desde a minha infância e adolescência sempre me fascinou, ter deixado terra, família, língua para estar ali junto com a gente”. Esse fascínio, segundo o missionário, “foi aumentando aos poucos, e a idade de 18 anos fiz um discernimento com a diocese”.



Ele, que foi ordenado em 1999, estudou a filosofia em Manaus, no seminário da Arquidiocese, como seminarista do PIME, mas hóspede, “para fazer um discernimento para ver se de fato essa vocação que vem de Deus era missionária ou de seminarista diocesano”, para depois estudar a teologia na Itália. Afetivamente se sente incardinado na diocese de Parintins, algo que aparece nas constituições do PIME, que pedem “que onde o bispo aceitar, o candidato ao sacerdócio peça a incardinação afetiva a sua diocese de origem”.

Seus primeiros anos como padre foram como animador vocacional missionário, na Arquidiocese de Londrina, nas comissões missionarias e vocacional, um trabalho de equipe, com a presença de padres diocesanos, padres missionários, religiosas, para ajudar a Igreja do Brasil, aos poucos, ter essa abertura missionária além fronteiras.

Na sua primeira ida para Guiné-Bissau, onde passou seis anos, o missionário diz que “ali realizei plenamente a minha vocação missionária, porque um dos pilares do instituto é inspirado por Cristo missionário do Pai, o Cristo Missionário além fronteiras, fora da própria pátria, em países de maioria não cristã, por toda a vida”. Segundo o padre Jaime, “uma vez que um missionário brasileiro, italiano, filipino, é destinado para um país, aquele país passa a ser o seu país de missão, de adoção, até sua velhice, até mesmo a sua morte”.

Guiné-Bissau é um país de um milhão seiscentos mil habitantes, a maioria, 60% de religião tradicional africana, 30% são muçulmanos e 10 % são cristãos. Falando daquele tempo, o padre diz que “a gente trabalha muito na linha de frente na educação, em todas as missões nós temos escolas e posto de saúde, são as duas linhas de frente”, onde todo mundo é acolhido. Trata-se de uma Igreja muito jovem, a maioria das conversões acontecem no meio da juventude.

Em 2011 foi destinado ao seminário de teologia internacional, onde estudam os formandos do PIME do mundo todo, em Monza, Itália, uma comunidade de 50, 60 jovens, provenientes de 11 nações, onde fez parte da equipe formativa durante 6 anos. Ele define esse tempo como “uma experiência missionária, uma riqueza intercultural, intereclesial”. Após esse tempo, mesmo estando pronto para voltar para Guiné-Bissau, foi chamado de novo para trabalhar em Londrina, uma experiência que concluiu em dezembro de 2020. Agora espera que a pandemia o deixe viajar para sua missão na Guiné-Bissau, o quinto país mais pobre do mundo, sem energia elétrica, onde a maioria das pessoas vivem numa simplicidade, numa precariedade, no básico para a sobrevivência.



Na Guiné-Bissau, o missionário destaca o trabalho inter-religioso com os muçulmanos, que enriquece a todos, “onde a gente procura viver aquilo que nos une, que é lutar e exigir da parte do governo a dignidade ao povo”. Num país com muito golpe de estado, os líderes muçulmanos e católicos se reúnem quando isso acontece para verem soluções. Esse diálogo inter-religioso “se concretiza com fatos, com atitudes, a oração pela paz na Guiné e ser intermediários para uma pacificação entre os políticos da Guiné-Bissau”, afirma o padre Jaime. O importante é descobrir que o muçulmano é uma pessoa humana, segundo o padre. Ele diz que “as escolas nossas também acolhem pessoas muçulmanas, jovens, crianças, e de outras igrejas, sem proselitismo”, algo que não acontece nas escolas evangélicas.

O padre Jaime entende a vocação como dom de Deus, uma resposta que ele dá quando alguém questiona como diante das grandes necessidades que existem na Amazônia, ele é missionário na África. Ele entende isso a partir da atitude da oferta da viúva, uma Igreja que “mesmo precisando doa um dos seus membros para a missão”. Ele lembra do Documento de Puebla, onde se pede à Igreja da América Latina “doar da tua pobreza para o mundo, para a evangelização de países não cristãos”. Na Igreja do Brasil, “se estão dando passos muito significativos para se criar essa dimensão missionária a partir do Batismo, nos leigos, nos jovens, a través das várias comissões que a gente tem aqui no Brasil”.

Esse trabalho missionário se realiza partindo do, Comissão Missionária Nacional (COMINA), Comissão Missionária Regional (COMIRE), Comissão Missionária Diocesana (COMIDI), Comissão Diocesana Paroquial (COMIPA), e algo que aos poucos está surgindo nos seminários, o COMISE. Ele também fala da Juventude Missionária, Adolescência Missionária, Infância Missionária. “Tem todo um trabalho, ao meu ver muito significativo, de conscientização de que a dimensão missionária, ela faz parte da vida de um cristão a partir do seu Batismo”, afirma o missionário do PIME. Segundo ele, “em nenhuma igreja que eu já estive, na Itália, na África, acontece esse trabalho missionário”

Para que essa missionariedade se torne realidade, o padre Jaime vê necessário “fazer com que na própria paróquia seja uma paróquia missionária, que vai ao encontro das pessoas que se afastaram da Igreja, que estão distantes da Igreja”. O missionário lembra as palavras do Papa Francisco, que tanto exorta para que “seja uma Igreja em saída, que vá às periferias da própria paróquia”. Segundo ele, “numa paróquia onde a gente vê as mesmas caras durante vários anos, significa que ela está se atrofiando. Para mim é isso, ter uma missão ad intra, na própria paroquia, na própria diocese, indo ao encontro das periferias da própria diocese, paróquia, comunidade, e envolvendo-se nessa ação missionária ad intra, aos poucos vai se abrindo ad extra, que seria fora da própria pátria”.



No seu itinerário vocacional, do amor àqueles que tinha perto, o próprio amor foi se ampliando ao ponto de entender que “a Igreja de fato é católica, é universal, que pensa no povo que ainda não conhece o amor de Deus, o seu projeto, na África, na Ásia, na Oceania, na própria Europa que está hoje se secularizando”. No Brasil e na América Latina, segundo o padre Jaime, “a Igreja está dando passos significativos para a missão ad intra, na própria paróquia, mas também além fronteiras”. Ele fala dos leigos do Sul do Brasil que fazem missão na Guiné-Bissau, o que vai fomentando essa dimensão missionária na Igreja do Brasil.

Na sua experiência anterior na Guiné-Bissau, nas ilhas de Bijagos, “eu procurei levar da nossa Igreja da Amazônia, a colaboração ativa de tantos leigos e leigas que são envolvidos na Igreja, que são muito ativos na ação pastoral da Igreja”, afirma o missionário. Ele insiste em que “é claro que a gente tem que adaptar isso à realidade onde a gente está, no caso à Guiné-Bissau, e depois ir ao encontro das pessoas”. Inculcar essa dimensão missionária na Guiné-Bissau é um dos objetivos do seu trabalho, afirma o missionário do PIME, “a gente já tenta envolver a esses jovens que desejam ser cristãos na própria ação pastoral da paróquia”.

Da Amazônia, uma Igreja simples, que quer caminhar com seus recursos, mesmo não podendo, o padre Jaime quer levar o desejo de que “as pessoas lá ajudem a própria igreja a caminhar com os próprios pés”. Ele lembra que “a nossa Igreja na Amazônia recebeu muita ajuda de fora, como ainda recebe na Guiné-Bissau”. O missionário vê a necessidade de que “possa ter os próprios recursos para a manutenção pastoral, ordinária da Igreja”. Na Amazônia, as pessoas cada vez colaboram mais com o dízimo para a ação pastoral e a evangelização da Igreja, lembra o padre Jaime. Daí, ele diz que “são essas virtudes, as experiências positivas que naqueles seis anos a gente tentou levar a Guiné-Bissau, adaptando tudo a àquela realidade”.

Diante da nova experiência, “a primeira expectativa é dar continuidade na realização plena da minha vocação missionária na Guiné-Bissau, onde eu pretendo, se a saúde permitir, dedicar o resto da minha vida, tenho 49 anos, àquele povo”, afirma o missionário do PIME.

A segunda, depois de dez anos fora daquele país, “é escutar toda a situação da Guiné-Bissau, seja política, social, religiosa, escutar a Igreja local para me colocar à disposição e ao serviço dela”. A partir da sua experiência, como animador vocacional, formador no seminário, ele quer “fazer um trabalho com a juventude, sobretudo em Bissau, que tem 700 mil habitantes, quase a maioria da população mora na capital, e tem um trabalho missionário na universidade, a pastoral universitária com os jovens na capital da Guiné-Bissau”, deixando claro que tudo depende do pedido do provincial de lá. Também vê como expectativa, “continuar esse trabalho inter-religioso com os nossos irmãos muçulmanos e ser missionário com os missionários e missionárias que estão lá”. 



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1

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