América Latina foi tradicionalmente um continente que recebeu muitos missionários, a maioria vindos da Europa. Aos poucos a consciência missionária além fronteiras foi se fazendo presente na vida da Igreja latino-americana.
Um exemplo dessa nova dinâmica é o padre Jaime Coimbra
do Nascimento, que está esperando viajar para a diocese de Bafatá,
Guiné-Bissau, que no dia 31 de março perdia seu bispo, também brasileiro, Dom
Pedro Zilli, vítima da Covid-19. Ele já trabalhou lá durante 6 anos, de 2005 a
2011.
Nascido na diocese de Parintins, Estado do Amazonas,
ele é padre do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras – PIME, que foi
quem praticamente fundou essa diocese, segundo ele afirma, pois o Instituto “tem
como carisma a fundação da Igreja local”. Aos poucos o Instituto foi
providenciando a estrutura da diocese e formando um clero local.
O padre Jaime diz que “por enquanto eu sou o único da diocese, como sacerdote, que respondi a esse chamado missionário e tem também algumas irmãs daquela diocese que estão em países asiáticos e africanos, até na Europa, na Itália”. Sua vocação surgiu do convívio com os missionários do PIME, “desde a minha infância e adolescência sempre me fascinou, ter deixado terra, família, língua para estar ali junto com a gente”. Esse fascínio, segundo o missionário, “foi aumentando aos poucos, e a idade de 18 anos fiz um discernimento com a diocese”.
Ele, que foi ordenado em 1999, estudou a filosofia em
Manaus, no seminário da Arquidiocese, como seminarista do PIME, mas hóspede, “para
fazer um discernimento para ver se de fato essa vocação que vem de Deus era
missionária ou de seminarista diocesano”, para depois estudar a teologia na
Itália. Afetivamente se sente incardinado na diocese de Parintins, algo que
aparece nas constituições do PIME, que pedem “que onde o bispo aceitar, o
candidato ao sacerdócio peça a incardinação afetiva a sua diocese de origem”.
Seus primeiros anos como padre foram como animador
vocacional missionário, na Arquidiocese de Londrina, nas comissões missionarias
e vocacional, um trabalho de equipe, com a presença de padres diocesanos,
padres missionários, religiosas, para ajudar a Igreja do Brasil, aos poucos,
ter essa abertura missionária além fronteiras.
Na sua primeira ida para Guiné-Bissau, onde passou
seis anos, o missionário diz que “ali realizei plenamente a minha vocação
missionária, porque um dos pilares do instituto é inspirado por Cristo
missionário do Pai, o Cristo Missionário além fronteiras, fora da própria
pátria, em países de maioria não cristã, por toda a vida”. Segundo o padre
Jaime, “uma vez que um missionário brasileiro, italiano, filipino, é destinado
para um país, aquele país passa a ser o seu país de missão, de adoção, até sua
velhice, até mesmo a sua morte”.
Guiné-Bissau é um país de um milhão seiscentos mil
habitantes, a maioria, 60% de religião tradicional africana, 30% são muçulmanos
e 10 % são cristãos. Falando daquele tempo, o padre diz que “a gente trabalha
muito na linha de frente na educação, em todas as missões nós temos escolas e
posto de saúde, são as duas linhas de frente”, onde todo mundo é acolhido. Trata-se
de uma Igreja muito jovem, a maioria das conversões acontecem no meio da
juventude.
Em 2011 foi destinado ao seminário de teologia internacional, onde estudam os formandos do PIME do mundo todo, em Monza, Itália, uma comunidade de 50, 60 jovens, provenientes de 11 nações, onde fez parte da equipe formativa durante 6 anos. Ele define esse tempo como “uma experiência missionária, uma riqueza intercultural, intereclesial”. Após esse tempo, mesmo estando pronto para voltar para Guiné-Bissau, foi chamado de novo para trabalhar em Londrina, uma experiência que concluiu em dezembro de 2020. Agora espera que a pandemia o deixe viajar para sua missão na Guiné-Bissau, o quinto país mais pobre do mundo, sem energia elétrica, onde a maioria das pessoas vivem numa simplicidade, numa precariedade, no básico para a sobrevivência.
Na Guiné-Bissau, o missionário destaca o trabalho
inter-religioso com os muçulmanos, que enriquece a todos, “onde a gente procura
viver aquilo que nos une, que é lutar e exigir da parte do governo a dignidade
ao povo”. Num país com muito golpe de estado, os líderes muçulmanos e católicos
se reúnem quando isso acontece para verem soluções. Esse diálogo
inter-religioso “se concretiza com fatos, com atitudes, a oração pela paz na
Guiné e ser intermediários para uma pacificação entre os políticos da
Guiné-Bissau”, afirma o padre Jaime. O importante é descobrir que o muçulmano é
uma pessoa humana, segundo o padre. Ele diz que “as escolas nossas também
acolhem pessoas muçulmanas, jovens, crianças, e de outras igrejas, sem
proselitismo”, algo que não acontece nas escolas evangélicas.
O padre Jaime entende a vocação como dom de Deus, uma resposta
que ele dá quando alguém questiona como diante das grandes necessidades que
existem na Amazônia, ele é missionário na África. Ele entende isso a partir da
atitude da oferta da viúva, uma Igreja que “mesmo precisando doa um dos seus
membros para a missão”. Ele lembra do Documento de Puebla, onde se pede à
Igreja da América Latina “doar da tua pobreza para o mundo, para a
evangelização de países não cristãos”. Na Igreja do Brasil, “se estão dando
passos muito significativos para se criar essa dimensão missionária a partir do
Batismo, nos leigos, nos jovens, a través das várias comissões que a gente tem
aqui no Brasil”.
Esse trabalho missionário se realiza partindo do,
Comissão Missionária Nacional (COMINA), Comissão Missionária Regional (COMIRE),
Comissão Missionária Diocesana (COMIDI), Comissão Diocesana Paroquial (COMIPA),
e algo que aos poucos está surgindo nos seminários, o COMISE. Ele também fala
da Juventude Missionária, Adolescência Missionária, Infância Missionária. “Tem
todo um trabalho, ao meu ver muito significativo, de conscientização de que a
dimensão missionária, ela faz parte da vida de um cristão a partir do seu
Batismo”, afirma o missionário do PIME. Segundo ele, “em nenhuma igreja que eu
já estive, na Itália, na África, acontece esse trabalho missionário”
Para que essa missionariedade se torne realidade, o
padre Jaime vê necessário “fazer com que na própria paróquia seja uma paróquia
missionária, que vai ao encontro das pessoas que se afastaram da Igreja, que
estão distantes da Igreja”. O missionário lembra as palavras do Papa Francisco,
que tanto exorta para que “seja uma Igreja em saída, que vá às periferias da
própria paróquia”. Segundo ele, “numa paróquia onde a gente vê as mesmas caras
durante vários anos, significa que ela está se atrofiando. Para mim é isso, ter
uma missão ad intra, na própria paroquia, na própria diocese, indo ao encontro
das periferias da própria diocese, paróquia, comunidade, e envolvendo-se nessa
ação missionária ad intra, aos poucos vai se abrindo ad extra, que seria fora
da própria pátria”.
No seu itinerário vocacional, do amor àqueles que tinha
perto, o próprio amor foi se ampliando ao ponto de entender que “a Igreja de
fato é católica, é universal, que pensa no povo que ainda não conhece o amor de
Deus, o seu projeto, na África, na Ásia, na Oceania, na própria Europa que está
hoje se secularizando”. No Brasil e na América Latina, segundo o padre Jaime, “a
Igreja está dando passos significativos para a missão ad intra, na própria
paróquia, mas também além fronteiras”. Ele fala dos leigos do Sul do Brasil que
fazem missão na Guiné-Bissau, o que vai fomentando essa dimensão missionária na
Igreja do Brasil.
Na sua experiência anterior na Guiné-Bissau, nas ilhas
de Bijagos, “eu procurei levar da nossa Igreja da Amazônia, a colaboração ativa
de tantos leigos e leigas que são envolvidos na Igreja, que são muito ativos na
ação pastoral da Igreja”, afirma o missionário. Ele insiste em que “é claro que
a gente tem que adaptar isso à realidade onde a gente está, no caso à
Guiné-Bissau, e depois ir ao encontro das pessoas”. Inculcar essa dimensão
missionária na Guiné-Bissau é um dos objetivos do seu trabalho, afirma o
missionário do PIME, “a gente já tenta envolver a esses jovens que desejam ser
cristãos na própria ação pastoral da paróquia”.
Da Amazônia, uma Igreja simples, que quer caminhar com
seus recursos, mesmo não podendo, o padre Jaime quer levar o desejo de que “as
pessoas lá ajudem a própria igreja a caminhar com os próprios pés”. Ele lembra
que “a nossa Igreja na Amazônia recebeu muita ajuda de fora, como ainda recebe
na Guiné-Bissau”. O missionário vê a necessidade de que “possa ter os próprios
recursos para a manutenção pastoral, ordinária da Igreja”. Na Amazônia, as
pessoas cada vez colaboram mais com o dízimo para a ação pastoral e a
evangelização da Igreja, lembra o padre Jaime. Daí, ele diz que “são essas
virtudes, as experiências positivas que naqueles seis anos a gente tentou levar
a Guiné-Bissau, adaptando tudo a àquela realidade”.
Diante da nova experiência, “a primeira expectativa é
dar continuidade na realização plena da minha vocação missionária na
Guiné-Bissau, onde eu pretendo, se a saúde permitir, dedicar o resto da minha vida,
tenho 49 anos, àquele povo”, afirma o missionário do PIME.
A segunda, depois de dez anos fora daquele país, “é
escutar toda a situação da Guiné-Bissau, seja política, social, religiosa,
escutar a Igreja local para me colocar à disposição e ao serviço dela”. A
partir da sua experiência, como animador vocacional, formador no seminário, ele
quer “fazer um trabalho com a juventude, sobretudo em Bissau, que tem 700 mil
habitantes, quase a maioria da população mora na capital, e tem um trabalho
missionário na universidade, a pastoral universitária com os jovens na capital
da Guiné-Bissau”, deixando claro que tudo depende do pedido do provincial de lá.
Também vê como expectativa, “continuar esse trabalho inter-religioso com os
nossos irmãos muçulmanos e ser missionário com os missionários e missionárias
que estão lá”.
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