Encerrou-se na noite desta quinta-feira, 6 de maio, o I Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral, que ao longo de quatro dias tem refletido a través de conferencias, seminários, painéis, comunicações, sobre o tema “Discernir a pastoral em tempos de crise: realidades, desafios e tarefas”, convocando milhares de pessoas de todos os cantos do Brasil, especialmente alunos de muitas faculdades de teologia.
Na Conferência de Encerramento, três representantes da comissão organizadora faziam um primeiro balance, analisando os Horizontes Pastorais do Congresso. O primeiro foi o professor Edward Guimarães, reconhecendo a complexidade da tarefa, ainda mais diante do que ele definia como “o turbilhão das provocações de cada conferência, seminário, painel, comunicação, narrativa de experiência pastoral, perguntas e comentários nos chats”.
Nessa perspectiva, ele destacava três elementos: o primeiro “concretizar a passagem de uma ‘fé ideia’ para uma ‘fé que se faz relação’”, afirmando, e para isso lembrava as palavras de Dom Leonardo Steiner, que “a fé cristã que se apresenta ou que se configura como ideia se torna, frequentemente, uma fé ideologizada, fundamentalista, subjetivista”. Frente a isso, insistia em que “nosso Deus é relação de amor cujo projeto salvífico universal se revela na experiência da gratuidade”. Isso demanda “diálogo, testemunho da justiça, opção pelos pobres e pelas periferias sociais e existenciais, cuidado e a defesa da vida humana e da casa comum”, afirmava o professor.
Um
segundo elemento em destaque, “se situa no nível do discernimento dos sinais
dos tempos”, e junto com isso “com a criação de novos mecanismos e com a ressignificação
dos mecanismos já existentes”, salientando a importância da sinodalidade, que
pode se concretizar na “criação de uma Assembleia, mais ainda, de uma
Conferência Eclesial da Igreja do Brasil”. Uma sinodalidade que ajude a superar
as práticas clericalistas e faça realidade uma Igreja toda ministerial. Um
terceiro elemento era situado no desafio de “pensar novos caminhos para a
Igreja na cidade”, apostando em “recuperarmos o sentido da Igreja como
sacramento do Reino e da vida cristã como comunidade de partilha da fé e da
vida fraterna”.
Entre os desafios, o teólogo destacava “promover a necessária solidariedade emergencial diante da grave crise” provocada pela Covid-19. Nessa perspectiva, “urge a concretização de uma Igreja profeticamente samaritana, capaz de coloca-se toda a serviço da vida”, afirmando que “a crise da pandemia deixou claro que não há evangelização que seja impulsionada pelo dinamismo do Reino sem que se faça a opção de colocar-se ao lado do mais fraco, dos mais pobres”. Junto com isso ressaltava o desafio de “colocar-se ao lado e em defesa dos povos originários, que hoje estão entre as maiores vítimas”, consequência da violência contra eles e da perda de direitos duramente conquistados. Daí “urge a concretização de uma Igreja profeticamente em saída e em defesa dos direitos dos povos originários”.
Um terceiro desafio, segundo o professor, é “uma Igreja que entende que fechar a porta dos templos, não significa fechar a Igreja, uma Igreja que teimosamente alimenta e sustenta a chama da esperança”. Nesse ponto, Edward Guimarães destacava a importância da Igreja, inspirada pelo Papa Francisco, que clama com toda a humanidade “um pacto emergencial pela educação global, uma nova economia, uma economia que não mata, uma economia que não é gerenciada pela lógica do lucro”. Ele falava de “uma Igreja que é capaz de sair de si, de não ser autorreferencial e dar as mãos”.
Lucimara Trevizan destacava em primeiro lugar a animação bíblica da vida e da pastoral, afirmando a Palavra como “alma da ação pastoral e evangelizadora”. Segundo ela, a “Palavra é o que anima toda a ação pastoral”, definindo-a como uma seiva, a força vivente, o hálito da vida que provém de Deus. Nesse ponto Lucimara insistia em que “é necessário que a Palavra seja a seiva que nutre, por dentro, a globalidade da vida pessoal e eclesial”, algo que se faz visível nos “serviços, organismos, estruturas”. Por isso, se faz necessário “fazer da Palavra de Deus a alma de tudo o que somos e fazemos”, de escutar e se deixar se gerar pela Palavra, destacando um elemento que perpassou vários momentos do Congresso, a Pastoral como escuta.
Um
segundo elemento, destacado especialmente por Lucimara Trevizan foi a Iniciação
à Vida Cristã, definida como “itinerário para ser e viver como cristão”, como
algo que não diz respeito somente à catequese, sendo considerada como uma realidade
muito mais ampla do que preparação aos sacramentos. Lucimara lembrava as palavras
do padre Taborda SJ diz que afirma que “iniciar é encarinhar o iniciando pela
pessoa de Jesus, pois seguir a Jesus é abrir-se a seu mistério numa relação de
amor. E o amor acontece num duplo movimento: receber e dar”. A iniciação
expressa a gratuidade da fé, é algo que “não é mero saber, soma de
conhecimentos intelectuais, mas aceitação de uma mensagem inseparável de
determinada experiência e prática, a que precisamos ser introduzidos”.
A comunicação e seus desafios foi um terceiro elemento em destaque na perspectiva de Lucimara Trevizan, fazendo referência ao seminário “A Igreja e os desafios da comunicação”, onde foi enfatizado que comunicação não se confunde com informação. A comunicação exige a cultura do encontro e implica uma Igreja em saída. Também a comunicação supõe um planejamento, e perceber a necessidade da diversidade de linguagens e conteúdo, insistindo em que é preciso comunicar com uma linguagem compreensível, ser profundo e simples, uma linguagem que comunique a vida, que é a linguagem do Amor. Junto com isso, Lucimara Trevizan destacava que a comunicação precisa libertar, desde as periferias, ser uma comunicação profética, em rede e que gera esperança, uma comunicação alinhada ao que a Igreja comunica, para resolver o desalinhamento que há entre os diferentes meios de comunicação católicos.
Uma terceira análise foi realizada por Geraldo de Mori, SJ, que fazia sua análise partindo das ideias de um livro de Bruno Forte, “A teologia como companhia, memória e profecia”. O membro da comissão organizadora diz ver a teologia como “companhia de vida com os homens e as mulheres de nosso tempo, com suas perguntas, esperanças, conquistas, sofrimentos e dúvidas”. Ele destacava, lembrando das palavras de Agenor Brighenti, na conferência de abertura, que “a Teologia é um serviço à Igreja e a Igreja existe para evangelizar”. Por isso, ela deve “ser uma Teologia pastoral”. Mais que a academia, seu lugar “são os espaços, os processos eclesiais”.
Partindo do tema do Congresso, o jesuíta fazia uma leitura da realidade atual e das raízes das crises hoje presentes. Junto com isso, lembrava o conceito de “mudança de época”, sinalizada por Dom Leonardo Steiner, que tem como origem o “pensamento calculador”. O Congresso também mostrou muitas facetas da presença eclesial no momento presente, com pistas apontadas e experiências compartilhadas que já apontam saídas para a crise na qual estamos imersos. Nesse sentido, o padre De Mori reclama maior atenção no futuro para alguns temas abordados, como o dos novos ministérios e a mulher, o da pentecostalidade e mística, o da sinodalidade.
Na
sua análise refletia sobre a lógica do “desborde” e da “saída”, do acolhimento
da lógica de Deus, que é a do “excesso”, a do “muito mais” da graça, que nos
faz entrar na dinâmica do Reino, elementos presentes nas reflexões sobre a
ministerialidade. Também mostrava a grande diversidade presente no panorama
eclesial brasileiro, algo refletido ao abordar a questão do pentecostalismo e
mística, um fenómeno presente nas periferias, entre pessoas que não encontraram
na pastoral da Igreja uma resposta aos seus anseios. De Mori também falava
sobre a sinodalidade, uma dinâmica a ser descoberta na Igreja, dizendo acreditar
que “a experiência da Igreja da Amazônia pode muito nos ensinar hoje”. Tudo
isso numa Igreja e uma sociedade “fragmentada e plural, que tende a criar ‘bolhas’,
a edificar ‘muros’ de todo tipo, tornando o outro um inimigo”.
A teologia como memória tem sido uma reflexão presente no Congresso, lembrando a tradição bíblica e do Vaticano II. Nesse sentido, a recepção do Concilio no Brasil tem sido tema de reflexão, assim como as novas sensibilidades surgidas. Segundo o jesuíta, “alguns grupos, marcados pelas inseguranças do mundo plural e fragmentado no qual vivemos, e muito articulados com as novas tecnologias da informação e da comunicação, recorrem a modelos aparentemente mais seguros do ato de fazer memória”, retomando ritos e doutrinas anteriores ao Concílio Vaticano II, se colocando contra o Papa Francisco e a CNBB. Diante desses grupos, o padre De Mori vê a necessidade de aprender com a atitude do Papa Francisco, “ele não promove e nem alimenta o desejo de ruptura, mas tenta de todas as formas manter aberto o diálogo.
Finalmente, o professor da Faculdade Jesuíta recolhia os elementos refletidos em torno à profecia, desde uma perspectiva bíblica e da teologia latino-americana. No caso do Brasil, essa dimensão profética se fez presente durante o regime de exceção, onde a Igreja tornou-se, então, como se dizia, “voz dos sem voz”, segundo o jesuíta, o que lhe deu credibilidade, mas também a levou a ser perseguida. O Congresso tem sido momento para apresentar caminhos de profecia hoje, que façam carne a opção preferencial pelos pobres, uma realidade também presente no meio juvenil, marcado por um pluralismo enorme.
Lembremos
das palavras do presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB,
na abertura do Congresso, onde disse que “precisamos de lúcidas reflexões,
assertivas indicações, configurando respostas para o caminho missionário da
nossa Igreja”. O Congresso, pela reação dos participantes, expressada nos
comentários realizados nos diferentes eventos virtuais, tem ajudado nesse
sentido, mostrando “a importância do cristianismo para um mundo que precisa se
recompor e para uma sociedade brasileira que precisa de uma reconstrução diante
de tantos desmantelamentos no mundo da política, da economia, com a gravíssima
crise sanitária da Covid-19 e outros tantos descompassos”, como Dom Walmor
Oliveira de Azevedo salientou no primeiro dia. O desenvolver do Congresso tem
conseguido aquilo que ele pedia, que “os nossos corações se abram ao diálogo,
que é tarefa da teologia pastoral”.
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