segunda-feira, 31 de maio de 2021

“Nós queremos continuar sendo essa Igreja que não quer se calar”, afirma Dom Ionilton na apresentação do Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2020

Seguindo um costume que faz parte da caminhada da Comissão Pastoral da Terra (CPT) desde seu nascimento em 1975, era apresentado virtualmente nesta segunda-feira, 31 de maio, o Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2020.

A apresentação começou, como acontece no caderno, um documento de 284 páginas, com uma homenagem a Dom André de Witte, presidente da CPT, falecido no dia 25 de abril, e a Dom Pedro Casaldáliga, um dos fundadores da instituição, falecido em 2020. Junto com eles, também foram lembrados os agentes da CPT falecidos em2020, muitos deles da pandemia da Covid-19.

A pandemia determinou a vida da humanidade durante o ano 2020, também os conflitos no campo, que no Brasil atingiram quase um milhão de pessoas. 2020 tem sido o ano com maior número de conflitos no campo brasileiro, com 2.054 conflitos, um 8% a mais em relação com 2019. Mas além dos números, o Caderno de Conflitos, ele registra histórias, e junto com isso mostra a violência contra a biodiversidade, que também é detentora de direitos.

O Brasil vive uma realidade marcada pelo retorno da fome, pela miséria e violência no campo, algo que está sendo referendado pelo poder público e pelo judiciário. Estamos diante de um aumento da violência contra as mulheres, mas também de um aumento das resistências, da solidariedade, onde os povos do campo tem sido exemplo de partilha diante da fome, mas também na defesa do meio ambiente, servindo como exemplo disso a proposta do Movimento Sem Terra (MST) de plantar 10 milhões de árvores.



O Caderno de Conflitos 2020 é mais um episódio de uma história de denúncias que vem desde 1975, segundo Dom José Ionilton Lisboa de Oliveira, presidente da CPT após o falecimento de Dom André. O bispo da Prelazia de Itacoatiara mostrava a importância do que significa o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino e do relato histórico do trabalho da CPT nesse campo, algo que é muito valorizado pelo mundo acadêmico, como foi constatado no webinar de lançamento.

Não podemos esquecer que a CPT é a única entidade a realizar tão ampla pesquisa em nível nacional, se tornando a grande fonte de pesquisa das instituições de ensino e da imprensa. Esse trabalho desenvolvido no Caderno de Conflitos tem como fundamento seis dimensões: teológica, ética, política, pedagógica, histórica e científica.

Segundo Dom Ionilton, “os bispos tem procurado acompanhar bem de perto e tem feito manifestações, foram duas notas recentes dos bispos da Amazônia” sobre o Projeto de Lei 510 e a Carta ao Povo brasileiro no encontro dos Bispos da Amazônia, “onde nós reafirmamos esse nosso compromisso com essa luta”, afirmava o presidente da CPT. Ele lembrava uma frase da última mensagem: “Assistimos um governo que vira as costas a estes clamores, opta pela militarização em seus quadros, semeia estratégias de criminalização de lideranças e provoca conflito entre os pequenos”.

O bispo de Itacoatiara destaca a ação na Amazônia da CPT, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), as Pastorais do Campo, as Pastorais da Mobilidade Humana, a Carita, que ele define como “atividades em que a Igreja se faz presente”. Mesmo assim, Dom Ionilton insistia em que “tanto na instituição como na Igreja Povo de Deus, ainda temos muito que avançar, ainda tem também muita resistência entre nós, ainda tem gente que não entende a nossa presença e ação neste campo de ação evangelizadora, a defesa da Terra, dos territórios, das águas e dos povos que habitam a Amazônia”.



Por isso, o bispo insistia em que “Nós queremos continuar sendo essa Igreja que não quer se calar”. Segundo o presidente da CPT, “a defesa da vida é o que mais interessa e nós temos que continuar fazendo isso”. Por isso destacava a importância do lançamento como momento em que “nós trazemos à luz esses dados”, que “vai ajudar à população brasileira e do mundo inteiro a tomar conhecimento de uma realidade que infelizmente fica muito ainda no escondimento, porque a grande mídia não tem interesse em ficar desvelando isso”, fazendo assim um chamado a “trazer à luz do dia essas informações  que com certeza vão muito contribuir para reforçar a luta e a defesa da terra, dos territórios, das águas e dos povos”.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo destacava que “a Comissão Pastoral da Terra, de modo corajoso e profético, tem caminhado ao lado dos pobres”. Segundo o presidente da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil, o Caderno de Conflitos “ajuda o nosso país a enxergar a grave realidade dos trabalhadores do campo, das águas e das florestas brasileiras”. Ele insiste em que “sem uma política eficaz voltada para os mais vulneráveis, e que reafirme a função social da propriedade e do trabalho, prevalecem os conflitos”.

O arcebispo de Belo Horizonte denunciava que “a ausência do Estado gera um caos, leva a graves danos ambientais provocados pela falta de gestão no campo, com a ocupação irregular de território por grileiros, derrubando árvores, comprometendo mananciais e rios, com impactos na fauna e na flora”. O presidente da CNBB exigia “uma adequada política de assentamentos, com gestão assertiva é imprescindível para minimizar os conflitos no campo e os danos ambientais”, lembrando o pedido da CNBB para não houver despejos em tempo de pandemia, trabalhando “para que os mais pobres, os perseguidos, tenham voz e sejam ouvidos”.

Para Dom Walmor, “não há indiferença em relação aos pobres, há economia que mata, gerando miséria no campo e em todos os lugares com a degradação ambiental, caminho para muitos adoecimentos”. Por isso fazia um chamado a que “a nossa Igreja seja sempre sinal de esperança para a vida dos pobres, ajudando o mundo a ser mais justo, solidário e fraterno”, mostrando seu apoio a cada evangelizador da CPT.



Na apresentação do caderno, realizada desde diferentes perspectivas por Paulo César Moreira, Patrícia Chaves e Sônia Guajajara, a gente destaca que os conflitos no campo no Brasil em 2020 estão focalizados na Amazônia (62,4% do total) e tem como principais vítimas os povos indígenas (42 %).

Estamos diante de “dados que nos trazem muita dor, que ajudam a perceber a gravidade da situação que a gente está passando”, segundo Paulo César. Ele falava de 2020 como o ano do fim do mundo, como um tempo em que o Governo Federal se aproveitou do caos da pandemia para poder ampliar seu projeto. Fazendo uma análise do material recolhido no Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2020, destacava que estamos diante de uma média de 6 conflitos por dia (2019 e 2020 foram os anos com maior número de conflitos), de uma realidade de aumento da fome e do desemprego.

São conflitos que se fazem presentes muitas vezes da forma mais perversa, se servindo de mecanismos que trazem ideias negativas e falsas contra os povos e comunidades, divulgados pelo Governo Federal e pela mídia, segundo Paulo César, afirmando que o Governo Federal é o principal responsável dos conflitos na Amazônia e os povos indígenas as principais vítimas.

Fazendo uma análise dos últimos dez anos, Patrícia Chaves refletia sobre a atual realidade, mostrando a través de gráficos como esses conflitos tem se deslocado do Nordeste para o Norte do Brasil, destacando a importância de uma análise e um mundo construídos desde o chão da realidade. Estamos diante de um modelo, segundo a professora de Geografia na Universidade Federal do Amapá, fruto da proposta da agricultura capitalista, que não é a que alimenta o mundo, e sim uma agricultura de exportação, que em 2020 provocou um aumento dos preços, a escassez de alguns produtos e uma situação de fome.



Em representação dos povos indígenas, vítimas principais dos conflitos no campo em 2020, Sônia Guajajara, relatava as consequências da pandemia da Covid nos povos indígenas. Com uma população inferior a um milhão de pessoas, já são 1.038 os indígenas mortos pela pandemia, mais de 800 na Amazônia, colocando a culpa dessa situação no governo e no sistema econômico.

Segundo a coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), essas mortes tem provocado um empobrecimento da cultura dos povos indígenas, que perdem as fontes da sabedoria ancestral, uma biblioteca que se vá, levando o conhecimento tradicional. Recordando o Acampamento Terra Livre deste ano, que mais uma vez aconteceu virtualmente, ela lembrava os outros vírus que atingem os povos indígenas.

Os povos indígenas são, segundo Sônia Guajajara, vítimas de uma campanha de ódio, praticada pelo próprio Governo Federal, que acaba promovendo toda essa violência que eles sofrem. Disso relatava diferentes exemplos vividos em 2020, principalmente na Amazônia. A líder indígena denunciava o estrago provocado pelo garimpo e a mineração nas terras indígenas, semeando medo e morte.

Sônia Guajajara insistia em que “o que está em jogo para os povos indígenas não é a luta por direitos, é a luta pela vida”. Ela denunciava a cooptação do Governo Federal de alguns indígenas, provocando divisão nos povos indígenas, nas famílias, “um governo que pensa o progresso a través da destruição”. Diante disso afirmava a necessidade de continuar a luta, “a gente não vai recuar, a gente não vai deixar de lutar”, dando assim continuidade à luta de tantas lideranças que lutaram pelos direitos, não deixando perder os direitos adquiridos.


Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte 1


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