O Seminário São José de Manaus forma os seminaristas das
nove Igrejas particulares que fazem parte do Regional Norte 1 da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil (CNBB). Seu reitor é o padre Zenildo Lima, que no dia 4 de
agosto, na festa de São João Maria Vianney, completa 25 anos de padre.
Ele entende o ministério em função da missão, desde a
abertura, desde uma perspectiva de encontro, numa Igreja que conversa e sabe
escutar, começando pelos seus dinamismos internos, uma Igreja dialogal, sinodal.
Os seminaristas de hoje fazem parte de uma juventude “muito
mais massacrada desde o ponto de vista humano, das suas esperanças, dos seus
sonhos”, mas também “na sua interioridade, nas suas perspectivas, nas suas esperanças,
nos seus sonhos do que a juventude do nosso tempo”, afirma o reitor do
Seminário São José.
Numa Igreja sinodal, os padres, para serem sinodais, têm
que ser envolvidos em processos sinodais, algo que segundo o padre Zenildo Lima
não acontece no seminário, onde os jovens vivem restringidos ao ambiente de seminário,
sem ter em conta “outros sujeitos também fazem parte do processo formativo
diretamente”.
O reitor do Seminário São José fala da necessidade de “pautar
uma pastoral vocacional na perspectiva da missão, e consequentemente o
engajamento ministerial, engajamento de eclesialidade, de serviço à missão,
menos pautado nesta realização pessoal, subjetivista do indivíduo, mais a gente
vai ter uma pastoral vocacional mais eficaz”.
Depois de 25 anos de sacerdote, qual a leitura que
faz?
Nesses dias eu estou pensando muito nisso, porque
estou fazendo de fato esta releitura, qual era a concepção do ministério que eu
tinha, há 25 anos atrás, e qual é a concepção do ministério que eu tenho hoje.
E essa concepção está sendo muito iluminada por aquele que vai ser o Evangelho
dessa missa que a gente vai celebrar para comemorar os 25 anos: Jesus que se
abre aos novos horizontes da missão.
Sinteticamente, se poderia dizer numa chave de
releitura, que eu compreendo hoje o ministério como uma realidade como uma
realidade muito mais aberta, muito mais dirigida a outras pessoas do que
aquelas categorias que eu pensava há 25 anos atrás.
Eu pensava em ser padre para a Arquidiocese de Manaus,
para as comunidades da Arquidiocese de Manaus, e para os católicos dessa
comunidade. Hoje, eu compreendo o ministério para a Igreja que está na
Amazônia, para a categoria de pessoas que não estão necessariamente nas
comunidades eclesiais. Tem uma abrangência, uma abertura.
Como ser padre hoje numa realidade que 25 anos atrás
estava presente na vida da Igreja, mas digamos que estava congelada, e que hoje
marca a vida da Igreja, que é uma Igreja sinodal?
Esta pergunta parece muito com a homilia que o bispo fez
no domingo da nossa ordenação. Ele perguntava qual a atualidade do ministério
do padre. A gente estava beirando o ano 2000, era 96, qual a atualidade do
ministério do padre para tempos tão diferentes. E me dei conta que se achamos
que a nossa perspectiva é de enfrentamento, cada vez mais a realidade parece
desafiadora para o ministério do padre. Se a perspectiva é de encontro, cada
vez mais, ela é interpeladora para o ministério do padre.
Nesse sentido, a Igreja sinodal é uma Igreja muito
mais de encontro do que de enfrentamento, é uma Igreja que conversa, a partir
de si mesma, sabe escutar os seus dinamismos internos. Mas também uma Igreja
que é dialogal, que conversa com essa realidade, que ela é desafiadora, mas não
é ameaçadora. Aquilo que vale para a Igreja, vale para o ministério, uma Igreja
sinodal, uma Igreja que deixa de ser uma Igreja de enfrentamento, no sentido de
se confrontar, de enfrentar tudo aquilo que a realidade está trazendo, para ser
uma Igreja de encontro.
Agora, essa experiência do encontro vai exigir dela
outros tipos de enfrentamentos, mas não aqueles que ameacem a
institucionalidade da Igreja, nem que ameacem a institucionalidade do
ministério, enfrentamentos em relação a toda a realidade que ameaça a vida. De
novo nessa linha da abrangência, sinodalidade hoje é sinal de encontro,
encontro dentro da realidade da dinâmica da Igreja, encontro da Igreja com o
mundo, Gaudium et Spes.
Ao longo dos 25 anos, a Igreja lhe confiou diferentes
serviços, já foi pároco, foi secretário executivo do Regional Norte 1 da CNBB,
e agora é reitor do seminário. Antes de ser padre, foi seminarista e hoje
acompanha a vida dos seminaristas. Qual a diferença entre os seminaristas de
hoje e os seminaristas de 25 anos atrás, entre a formação presbiteral de hoje e
aquela que vivenciou 25 anos atrás?
É uma diferença que vai na linha da diferença das
juventudes de 25 anos atrás das juventudes de hoje, do contexto de 25 anos
atrás do contexto de hoje. Não é possível que a gente faça nenhum tipo de
analogia ou de comparação valorativa, o que exige de nós é mais uma capacidade
de leitura. Há 25 anos atrás a gente vivia um contexto com uma seria de exigências
sobre nossa geração. A gente tinha que entrar mais em situações de enfrentamentos,
a gente tinha uma realidade social de bastante dureza, falo de 1989, que foi o
ano em que eu ingressei no seminário.
Hoje nós temos uma juventude que enfrenta outros
dramas. Na nossa época havia uma latência muito grande dos desafios sociais, de
conjuntura que nos rodeavam. Hoje eu vejo a juventude muito mais massacrada
desde o ponto de vista humano, das suas esperanças, dos seus sonhos. Nós somos
tentados a perceber na geração dos seminaristas de hoje uma fragilidade maior
do que a nossa, mas eu acho que seria precipitado fazer uma afirmação assim.
Talvez eu posso dizer que é uma juventude mais massacrada,
na sua interioridade, nas suas perspectivas, nas suas esperanças, nos seus sonhos
do que a juventude do nosso tempo. Então, a formação presbiteral tem que levar
em conta isso. Uma das dificuldades que eu tive no início desse serviço como
reitor do seminário, era porque todas as minhas referências eram do meu processo
formativo, que não tem mais quase nada a ver com os processos de hoje. Hoje, a gente
lida com uma outra juventude, que exige um outro cuidado.
O mais arriscado, ou esse é o discernimento que tento
de fazer, é que isso não implica que a gente diminua as expectativas do ministério
ordenado para que seja um ministério mais light, continua sendo um ministério
muito exigente. E talvez isso implica que a gente acabe exigindo demais da
juventude de hoje.
No Seminário Arquidiocesano São Jose de Manaus são
formados padres para as 9 Igrejas do Regional Norte 1 da CNBB. Como formar hoje
padres com um talante sinodal para a Igreja da Amazônia?
Eu escrevi um artigo sobre isso, que radicalmente a
formação tem que ser sinodal. Para formar um padre sinodal, é preciso que que
ele seja envolvido em processos sinodais, e querendo ou não, a nossa estrutura
de seminário, ainda é uma estrutura pouco sinodal, muito pensada e muito
terceirizada. Nós retiramos os jovens de convivências dialogais, me refiro à família,
a outras realidades, às comunidades eclesiais, e restringimos muito ao jovem a
esse ambiente de seminário.
É preciso compreender que outras pessoas e outros sujeitos
também fazem parte do processo formativo diretamente. A comunidade forma, a
Igreja local forma, as relações que se estabelecem, mesmo fora deste ninho do
seminário, ela forma também. É preciso que o seminário se torne mais dialogal,
que a formação presbiteral se torne mais sinodal, para que nós tenhamos
presbíteros mais sinodais. Senão, a gente vai propor uma ideia de sinodalidade
para o presbítero dentro de uma estrutura pouco sinodal que ainda é o seminário
diocesano.
Na Igreja da Amazônia, uma realidade muito presente
são as distâncias, e em consequência disso a solidão dos padres, sobretudo no
interior da Amazônia. São João Maria Vianney viveu essa solidão e essas lutas
internas numa realidade diferente, mas similar. Como ajudar hoje, desde a
formação inicial, mas também desde a formação permanente do clero, a enfrentar
essa realidade que os padres da Amazônia vivem em muitos ambientes?
Aqui a gente tem duas vertentes da gente enfocar essa
questão da solidão. Uma é essa realidade geográfica da região, a solidão é uma
realidade nua, crua, direta, de quem vive em comunidades distantes, de quem
vive em cidades pequenas. Esses jovens são formados nessa metrópole, e durante 7
anos vivem aqui uma dinâmica de mobilidade e de encontro muito intensa, para
depois voltar para as comunidades e viver situações de isolamento. Esse é um
dado, aquele que a própria realidade impõe para nós.
Mas também há outros dinamismos que empurram para a
solidão, o modelo como a gente aprende a conviver ou não conviver as relações
da gente, o modelo como a gente opta por estabelecer vínculos, laços com as
pessoas. A solidão se torna também um problema para os padres que estão aqui
nessa capital, de mais de dois milhões de habitantes. A gente tem que criar
estruturas mais leves, modalidades mais leves de convivência presbiteral.
O desafio da formação permanente que está emergindo nesses
últimos tempos, sobretudo pelo que a gente tem assistido na Igreja do Brasil,
com a questão do suicídio de padres, está exigindo de nós, de um modo muito
intenso a capacidade de estabelecermos relações de amizade, de proximidade.
Dentro do que a gente podia falar de caminhos mais informais, mas não menos
consistentes de convivência presbiteral.
Um outro caminho também, a gente ter uma estrutura de
Igreja mais ministerial. Enquanto a nossa ministerialidade for muito
verticalizada, isso tende também a empurrar para blocos de solidão. O
ministério do bispo é um ministério extremamente solitário, o ministério do
padre é um ministério extremamente solitário, e os leigos, que são mais
ministeriais, que são mais comunionais, acabam se segurando melhor do que nós.
Então somos nós que temos que aprender deles a entrar numa dinâmica de Igreja
ministerial, mais horizontal e menos vertical.
No Brasil o mês de agosto é o mês vocacional. Para alguém
que tem vivido e desfrutado, evidentemente com momentos de crise, que devem ter
acontecido, como animar hoje os jovens, ou a Igreja em geral, para viver a
vocação e especificamente para poder se plantear uma resposta à vocação presbiteral
dentro da Igreja?
Eu sempre acreditei, levando em conta todo aspecto subjetivo
da questão vocacional, da liberdade do sujeito, a Pastores dabo vobis fala de
encontro e liberdade, de Deus que chama e o sujeito que responde, mas a missão
é o maior paradigma vocacional que a gente tem. Quanto mais a gente pautar uma
pastoral vocacional na perspectiva da missão, e consequentemente o engajamento ministerial,
engajamento de eclesialidade, de serviço à missão, menos pautado nesta
realização pessoal, subjetivista do indivíduo, mais a gente vai ter uma
pastoral vocacional mais eficaz.
Me assusta, me preocupa um pouco, uma avalanche
vocacional muito entusiasmada por um modelo ministerial bastante subjetivo ou subjetivista,
por um modelo ministerial bastante centrado na pessoa. Eu acho que quanto mais a
gente promover uma pastoral vocacional centrada na missão, mais a gente vai ter
de fato, vocações que correspondam para a missão que a Igreja desenvolve aqui,
no lugar, como nossa região amazônica.
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