Os conflitos envolvendo terra e as comunidades
tradicionais e povos originários se tornaram uma constante na Amazônia. Neste 4
de agosto completa um ano do Massacre do Abacaxis, em que indígenas e
ribeirinhos na região do Rio Abacaxis e Rio Marimari, entre os municípios de
Nova Olinda do Norte e Borba, no Estado do Amazonas, foram assassinados.
Ao se completar um ano, para combater a impunidade,
tem acontecido o seminário “Um ano do massacre do Abacaxis: Haverá justiça?”,
em que a Arquidiocese de Manaus, o Conselho Indigenista Missionário, Comissão
Pastoral da Terra e outras entidades civis tem promovido uma reflexão com a
participação de indígenas e ribeirinhos e representantes de diferentes
entidades sociais e eclesiais.
O Seminário tem sido momento para cobrar justiça, mas
também para relatar as consequências de um conflito que permanece latente. A
principal consequência é que “perdemos essa liberdade dentro do nosso próprio
território”, segundo Jair Reis, liderança do povo Maraguá. Ele denunciava “as
invasões de caça, de pesca, de madeireiro, de garimpeiro”, e junto com isso, a
instauração no meio do povo do terror, o medo e as ameaças, denunciando que
“não podemos fazer nada”, se perguntando se “haverá justiça para isso”, pois
“passou um ano e nada foi resolvido”. Esse é um relato que também tem sido
partilhado pelas lideranças das comunidades ribeirinhas da região e do povo Munduruku, relembrando o acontecido um ano atrás.
Do Seminário participaram a deputada Joenia Wapichana,
que pediu a apuração das ilegalidades, denunciando as violações de direitos
indígenas que estão acontecendo no Brasil, e o deputado José Ricardo, mostrando
a vontade do poder público de promover leis para revogar os direitos indígenas
reconhecidos pela Constituição Federal, e o fato de que o Brasil tem “um
governo que de forma deliberada age contra os povos indígenas, desmontando as
estruturas públicas”.
Em representação do Conselho Nacional de Direitos
Humanos, Yuri Costa, que definiu o Seminário como “um ato para continuar na
luta por justuça”. Desde o Ministério Público no Estado do Amazonas, Fernando
Merloto Soave falava sobre as omissões do poder público, algo muito presente
nas comunidades amazônicas, sendo o caso abordado uma referência nesse sentido.
Também desde o Ministério Público Federal em Brasília, Felício Pontes chamava a
analisar a atividades que estão colocando em risco as populações tradicionais
na Amazônia, afirmando que o desejo das comunidades de viver em harmonia com a
natureza foi a causa do massacre do Rio Abacaxis.
A Igreja tem estado junto desde o início, segundo Dom
Leonardo Steiner, citando o acompanhamento do CIMI, CPT, SARES e Arquidiocese
de Manaus. O arcebispo de Manaus definiu a situação do Rio Abacaxis como “um
momento extremamente difícil, difícil porque o Estado que deveria proteger,
viola, destrói, mata”, denunciando que “a Polícia Militar, ela existe para
proteger, não para matar”, afirmando que todos sabemos “o que aconteceu e quem
são os culpados”, esperando o agir da justiça, que definiu “não como direito,
mas como a equidade necessária para a tranquilidade social, para haver relações
sociais equânimes”.
Dom Leonardo pediu que o Seminário possa ajudar a
acordar a sociedade, destacando o esforço dos organismos da Igreja “para não
deixar silenciar essa tragédia que aconteceu”. O arcebispo espera que
“permaneçamos ativos, acordados e recordando sempre de novo a necessidade de
que as pessoas sejam responsabilizadas e os corpos sejam encontrados”. Por
isso, ele insistiu em que “nós não podemos deixar morrer essa questão, não
podemos deixar desaparecer”.
O Seminário foi momento para numa celebração ecumênica
fazer memória das vítimas, que além de contar com representantes de diferentes
igrejas, congregou lideranças indígenas e familiares das vítimas, recordadas na
celebração. Foi momento para denunciar o sofrimento do povo e os abusos de autoridade
tão presentes na Amazônia, de mostrar solidariedade e que as comunidades e
familiares das vítimas não estão sozinhos.
No ato ecumênico, conduzido pelo padre Paulo Tadeu
Barausse, o pastor Marcos Antônio Rodrigues, da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana de Manaus, afirmava que o Rio Abacaxis poderia ser lembrado como lugar
do sofrimento dos pobres. Segundo o pastor, “as águas do Rio Abacaxis se
mancharam porque nós não soubemos cuidar daqueles e daquelas entre nós que precisam
que a justiça se faça presença e vida na vida deles”. A voz trémula dos
familiares foi mais um testemunho de uma dor ainda presente na vida dos moradores
de uma região e de um povo que pediu justiça em nome de Deus.
Numa carta pública, lida no final da celebração, onde
foi lembrado que “o Massacre Abacaxis é um exemplo emblemático da violência das
forças policiais no Estado, e também de impunidade quando a violência ocorre
contra as pessoas mais vulneráveis”, denunciando abertamente “um Estado que
mata, tortura, que vinga sob a mesma justificativa dissimulada de reprimir o
tráfico de drogas”. A carta tem denunciado as marcas ainda gravadas na alma do
povo, da falta de respostas diante da perda dos entes queridos, da falta de
respeito pelos direitos fundamentais, da tortura e humilhação por parte da polícia,
do aumento da violência e das invasões.
Diante de tudo isso, as organizações que assinam a carta têm mostrado seu repúdio e insistido em que “não há polícia, não há governo e não há descaso que possam derrubar quem está unido na luta por justiça”. Por isso, mais uma vez pediram o esclarecimento do acontecido e a devolução dos corpos desaparecidos. Por isso, refirmaram o afastamento de toda a cúpula da segurança pública do Amazonas diretamente envolvida nas violações.
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