A Irmã Liliana Franco define a Vida Religiosa na América Latina e no Caribe como uma narrativa confiável, como "o ícone evangélico e profético de um novo modo de ser, de fazer e de estar".
A presidenta da
Confederação Latino-americana de Religiosos (CLAR), usa três imagens para
fazê-lo: sandálias empoeiradas na arte de caminhar, um farol no meio da noite e
uma ponte que favorece a comunhão. A religiosa colombiana define a instituição
que ela representa como algo que "traz a riqueza de uma sólida espiritualidade,
inspirada nos valores do Evangelho, fruto da contemplação da Pessoa de Jesus e
da paixão por seu Reino". É uma história de testemunhas, de respostas a
gritos reais, caminhando em fraternidade, sendo uma presença nas periferias.
Esta presença é vista
por Liliana Franco como a condição, pois "somente se colocando geográfica
e existencialmente no lugar dos mais pobres, que é o lugar de Jesus, a Vida
Religiosa se reabastecerá de sentido". Por todas estas razões, diante da
celebração do Dia da Vida Consagrada, ela agradece a generosa dedicação de
tantos religiosos e religiosas, tendo consciência de que “a força e a
possibilidade da Vida Religiosa estão na riqueza do que é comum, do que é
patrimônio de todos e que nos esforçamos para dar".
O que a Vida Religiosa
representa para a Igreja na América Latina e no Caribe neste momento?
Hoje, mais do que
nunca, a Vida Religiosa neste continente não é apenas uma narrativa confiável,
mas também o ícone evangélico e profético de um novo modo de ser, de fazer e de
estar. É por isso que eu gostaria de
usar três imagens para responder à sua pergunta. Depois de quase quatro anos de serviço aos
religiosos e religiosas do Continente, encontro três imagens que expressam o
que a vida religiosa representa para a Igreja no Continente.
A primeira são as
sandálias empoeiradas na arte de caminhar.
A Igreja do Continente é desafiada por uma Vida Religiosa que permanece
inserida nos lugares mais empobrecidos, que continua a acreditar nos processos,
no germinal e no gratuito. Que não se
cansa de retórica e não se esforça para fazer manchetes na mídia, que
simplesmente se dá em simplicidade e profecia, que faz sua morada entre os
pobres, caminha com os migrantes, acompanha e escuta as vítimas, compromete-se
a educar, a curar as feridas, a trabalhar pela paz e pela justiça.
Em segundo lugar, é um
farol no meio da noite. Diante da crise de credibilidade da Igreja e passando
por sua própria noite, a Vida Religiosa, mais diminuída nos membros, mais
envelhecida, mais desgastada pelo peso da instituição, está determinada a
responder com novidade e, por isso, não deixa de se formar com a consciência de
que são necessárias melhores testemunhas, não poupa esforços para refletir, em
discernir onde se encontram os horizontes da novidade e da ressignificação. Ela mantém essa autocrítica saudável que lhe
permite superar a tentação de se tornar confortável, de se paralisar em
respostas medíocres. Ela sabe que é
portadora de uma riqueza carismática plural e isto a mantém dinâmica, conduzida
pelo Espírito, e por esta razão se agarra à esperança.
A terceira, uma ponte
que favorece a comunhão, porque consciente da diversidade que a habita, da
riqueza vocacional que recebeu e que a torna parte da Igreja: mística, missão e
profecia, a Vida Religiosa está convencida da necessidade de caminhar em favor
da comunhão. Não é uma tarefa fácil,
mas devemos investir todas as nossas energias nela, porque os aspectos
fraternos e sororais são o sinal que a sociedade espera ler na Igreja. É por isso que tantos religiosos estão ali
localizados, no lugar do trabalho em rede e da sinergia, da construção coletiva
e da pesquisa conjunta.
Em uma Igreja que quer
caminhar na sinodalidade, o que pode a CLAR, que há mais de 60 anos se esforça
para promover o trabalho em rede dentro da Vida Religiosa e da Igreja,
contribuir para esta forma de ser Igreja para a qual o Papa Francisco nos
chama?
A CLAR traz a riqueza
de uma sólida espiritualidade, inspirada nos valores do Evangelho, fruto da
contemplação da Pessoa de Jesus e da paixão por seu Reino. É também a memória
de uma forma de estar na Igreja, na qual a kenosis, a doação da própria vida, tem
precedência. A história da CLAR é
marcada por homens e mulheres que são testemunhas autênticas, verdadeiros
profetas, mártires que banharam a terra deste continente com seu sangue. Sua vida, sua morte, suas causas continuam a
ser o sangue vital que alimenta a caminhada da CLAR.
Da mesma forma, um
estilo pastoral que pressupõe ouvir a realidade, discernir os acontecimentos e
questionar diariamente a vontade de Deus.
Os ícones evangélicos da CLAR ao longo de sua história, as prioridades
de seus diferentes Horizontes Inspiradores, sempre respondem a urgências, a
gritos reais. É uma ação habitada pela
realidade. Finalmente, é uma forma de caminhar, como irmãos e irmãs, em rede,
apoiando-se uns aos outros. Unindo
forças, gerando alianças de solidariedade, alcançando uns aos outros.
A presença da Vida
Religiosa nas periferias sempre foi algo notável na América Latina e no Caribe,
uma presença acentuada durante este tempo de pandemia. Na sua opinião, o que
este tempo de pandemia significou para a Vida Religiosa no continente?
Uma minoria permaneceu
nas trincheiras de segurança e conforto.
Mas a maioria tem estado no lugar do contágio, nossas múltiplas
plataformas pastorais: educação, paróquia, saúde, assistência, colocaram a
maioria de nós na zona de risco. Na
verdade, milhares de religiosos e religiosas deram suas vidas em meio a esta
pandemia.
Para quase todos eles,
isso significou uma dose imensa de fé que lhes permite navegar no meio da
incerteza que esta pandemia trouxe. Ela
nos levou a repensar, a nos formar com novidade e a usar outras plataformas
para fazê-lo; exigiu de nós criatividade ao enfrentar desafios apostólicos, nos
colocou no território da ousadia de buscar recursos, de criar redes de
solidariedade, de tentar fazer com que a sopa seja suficiente para todos. Isso
nos levou a fazer alianças para defender os direitos dos mais pobres. Ela nos convenceu da necessidade de uma
reforma.
Em que medida esta
presença nas periferias pode ajudar a Vida Religiosa a crescer em autenticidade
e ser um melhor testemunho do Evangelho encarnado para a Igreja e a sociedade
na América Latina e no Caribe?
Esta é a
condição. Somente se estivermos
geográfica e existencialmente localizados no lugar dos mais pobres, que é o
lugar de Jesus, a Vida Religiosa se reabastecerá de sentido. Somente o Espírito nos fará reconhecer a
urgência de uma Vida Religiosa capaz de sair e atenta aos sinais dos tempos,
pronta a escutar a realidade e a se descompor, para que o que é comunitário,
fraterno e radicalmente evangélico possa acontecer.
Desvendar a identidade
missionária de nossa opção nos levará a viver nossa vocação com maior
significado e radicalismo. Cabe a nós
percorrer os territórios de missão, ser presença e profecia, companheirismo e
proximidade, nas fronteiras, como aliados do povo na defesa da vida e das
causas comuns. Com eles, com os mais
pobres, como amigos, irmãos e discípulos.
Toda vez que se
comemora uma data importante é um momento de gratidão, como presidenta da CLAR,
o que é que a senhora é grata à Vida Religiosa da América Latina e do Caribe?
Neste serviço à Vida
Religiosa do continente, muitas vezes eu contemplei as mãos de nossos irmãos
mais velhos, vi-os necessitados e misteriosamente cheios, bronzeados de
dedicação, enrugados de suavizar a existência dos outros. Mãos que se
aproximaram para abençoar e acariciar; para oferecer o que têm: uma oração, uma
expressão sincera, um legado autêntico e eterno.
Tenho visto as mãos
daqueles que estão na luta diária. Aqueles que se estendem generosamente na
sala de aula, na direção da escola, na travessia do rio, no acompanhamento da
biblioteca, no grupo bíblico, no aconselhamento pastoral, na cozinha em casa,
no acampamento com os jovens, na oficina com os camponeses, nas comissões de
luta pela justiça, na residência com os universitários, à beira do leito dos
doentes, em... Estas mãos revelam que nós, homens e mulheres consagrados,
possuímos um grande zelo apostólico e que há tantas buscas sinceras por mais da
missão, que constituem o testemunho que atualiza nossos carismas.
Abordei as mãos
daqueles que estão apenas começando e que começam a mostrar frescor, vigor,
risco, criatividade e paixão evangelizadora. Mãos de raças e cores diferentes,
que estão unidas como irmãs por Jesus e pelo Reino.
Mãos de homens e mulheres,
mãos frágeis e fortes, mãos calejadas, mãos que sabem como embalar a vida e
curar as feridas; mãos que levam o Evangelho e abrem a terra para depositar
nela sementes de esperança; mãos que assumem riscos; mãos que constroem e
sustentam; mãos que sabem que são corresponsáveis pela construção do Reino...
mãos de viúvas pobres, de semeadores cansados que dão tudo... daqueles que se
oferecem sem se pouparem em um egoísmo estéril.
As mãos de todos aqueles que, com criatividade evangélica, tornam sua
existência frutífera e realizada.
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