Como uma “experiência de uma escolha de Deus”, assim vê a
irmã Maria Inês Ribeiro sua vocação. A presidenta da Conferência dos Religiosos
do Brasil, no contexto do Dia da Vida Religiosa, reflete sobre a vida
consagrada num momento caótico.
A irmã Maria Inês é consciente dos desafios que enfrenta a
Vida Religiosa, insistindo na “abertura aonde a vida realmente mais necessita,
aonde realmente precisa da presença salvadora, redentora de Deus”. Por isso,
ela destaca que a necessidade “de ser profecia, de ser presença, de curar, de
redimir, de salvar, de libertar, fora disso não há sentido para a Vida
Consagrada”.
Diante disso se faz necessário sair do comodismo e buscar o
caminho para poder avançar, insiste a religiosa. Também faz um chamado a se
envolver no processo sinodal do Sínodo sobre a Sinodalidade, lançando uma
mensagem de coragem para descobrir “como ser resposta, como ser consagrados no
mundo de hoje”.
No dia 2 de fevereiro a Igreja comemora o Dia da Vida
Religiosa, um momento que representa uma recordação especial para os religiosos
e as religiosas. O que significa ser religioso, religiosa, hoje no Brasil?
A vocação religiosa significa um chamado de Deus, a nossa fé
nos coloca muito claro que é um chamado de Deus, uma experiência que fazemos do
desejo de doar nossa vida aos outros, de uma experiência de fé realmente.
Quando eu olho a minha história desde muito criança, adolescente, o desejo que
eu tinha era exatamente colocar a minha vida ao serviço dos outros, ser útil,
ser servidora, ser servidora daqueles que precisavam.
Era muito presente na minha vida, e para muitos de nós
também essa experiência de uma escolha de Deus, de um chamado de Deus, para
estar a serviço, estar realmente como pessoa escolhida, destinada, reservada. O
religioso, a religiosa, é aquele que se reserva para o Senhor e está ao serviço
das obras do Reino. Isso é ser religioso hoje, religiosa hoje.
A senhora fala de estar ao serviço, ser presença, uma
presença que deve ser para todas as pessoas. Mas diante da realidade que o
mundo e o Brasil estão vivendo hoje, a vida religiosa hoje tem um desafio
especial a ser presença nas periferias, na vida dos vulneráveis?
Nós estamos vivendo um momento caótico, um momento de caos,
de grande confusão e desordem em nossa humanidade, em nosso Brasil. E essa
situação afeta profundamente, tem consequências pastorais, tem consequências
espirituais, institucionais, econômicas, sociais, e que também nos deixam como
consagrados e consagradas, muito perplexos. Essa situação de pandemia nos
colocou a todos meio acomodados, e aqueles que são mais sensíveis, nós ficamos
meio vislumbrados e quase sem forças para enfrentar a situação.
A vida religiosa hoje está muito desafiada, com os números
pequenos que todos temos, diante de tantas situações, envelhecimento, a falta
de vocações. Nos deixa assim porque o lugar da vida consagrada, por todas as
experiências que nós vivemos, os nossos fundadores e fundadoras, todos eles
iniciaram com essa abertura aonde a vida realmente mais necessita, aonde
realmente precisa da presença salvadora, redentora de Deus.
Nossa fé nos coloca aonde o mundo precisa, nos atira, como
foi a presença de Deus no Êxodo, que está vendo esse povo que sofre. Eu vi, e
para muitos de nós é também a mesma experiência, nós estamos vendo. E temos,
graças a Deus, muitas pessoas empenhadas. Cresce entre nós um desejo muito
forte, estamos preparando a assembleia nacional da CRB e nós estamos vendo que
precisamos que ressignificar a nossa Vida Religiosa. Não vamos salvar todas as
situações do Brasil, mas nós temos que estar muito atentos, muito atentas,
aonde realmente é o lugar da Vida Consagrada, é ali que nós devemos responder
aos clamores. Se não, não tem sentido a nossa Vida Consagrada.
Aí é que carece de olharmos com mais profundidade, por que é
que não atraímos mais vocações, porque estamos fugindo a nosso carisma, estamos
fugindo a nossa presença profética. Porque comunidades, grupos, congregações,
novos grupos que estão surgindo com essa atenção aos mais pobres, pequenos,
periferias, eles estão rodeados de pessoas que querem somar com eles, somar com
elas, isto é muito visível. Realmente, o lugar da Vida Consagrada é de ser profecia, de ser presença, de curar, de redimir, de salvar,
de libertar, fora disso não há sentido para a Vida Consagrada.
A senhora fala de certa acomodação da Vida Religiosa neste
tempo de pandemia. De cara ao futuro, quais são os desafios e os novos caminhos
que a pandemia está colocando para a Vida Religiosa no Brasil?
A gente sente uma certa acomodação, primeiro é o próprio
receio, porque nós temos na Vida Consagrada uma porcentagem mais numerosa de
pessoas mais vividas, de pessoas envelhecidas. O desafio está em redefinir,
rever nossas obras, atividades, carismas. Nós vamos viver daqui para frente
como Vida Consagrada um desafio muito grande, não só em desaparecimento de
grupos, com muitos grupos em Brasil que estão terminando seus dias. Outros,
mesmo pequenos, estão entusiasmados no sentido de retomar o carisma, de rever
realmente a sua presença, esse é o grande desafio para a Vida Consagrada no
momento.
Alguns acham que é um fenómeno passageiro, outros estão
empenhados e estão realmente querendo resinificar para sermos sinais do
Evangelho, da presença de Cristo no mundo, do serviço apostólico, significativo
para os irmãos e irmãs que mais precisam de nós. O problema que nós vemos é que
não está só no individuo, está na instituição, nós estamos vendo as vezes
muitas das nossas instituições, ainda muito preocupadas com a manutenção das
obras. Obras educacionais, mas muitas estão perdendo o chão pela concorrência
de inúmeras escolas particulares.
Há pouco tempo um bispo me disse de sua preocupação porque
na sua diocese tinham fechado duas escolas católicas. A resposta que eu dei
para o bispo foi que essas irmãs poderiam ir para a periferia e ver as crianças
que estão sem escola, talvez recomeçar lá, como fez a sua fundadora, como fez o
seu fundador. E vai vir os recursos para recomeçar com aquelas poucas crianças
que estão sem escola. Esse é o grande desafio, mas qual a congregação que vai
ter a coragem de recomeçar tudo de novo, ou de ver os sinais de Deus no hoje.
A redenção acontece na nossa história, no nosso dia a dia,
no nosso cotidiano. O Senhor quer redimir, quer salvar, quer continuar sua
missão por nós hoje, agora, onde nós estamos. Então um grande desafio para a
Vida Consagrada é justamente, e vamos trabalhar na nossa assembleia, é a
ressignificação, a redefinição. Dar uma recuadinha para retomar e ver como
avançar. E aqueles que não acreditam nessa ressignificação, estão ainda mais
fadados a poder pendurar as chuteiras, fechar as portas, e dizer nada mais
temos a fazer.
A senhora fala sobre desafios, sobre um número cada vez
menor na Vida Religiosa, que por outro lado é algo que está presente na Igreja
como um todo. Diante dessa realidade, o Papa Francisco nos chama a caminhar
juntos, a ser uma Igreja sinodal, uma reflexão que está presente hoje na vida
do mundo e também do Brasil. Como a Vida Religiosa está assumindo os desafios
que o Papa Francisco está nos colocando de cara à preparação do Sínodo?
A gente está preparando, mesmo que nós estamos incentivando
que os religiosos e religiosas participem do processo de escutas em suas
paróquias e dioceses, conforme às iniciativas para a escuta. A CNBB é que vai
reunir todas as respostas, as contribuições da Igreja no Brasil, nós não vamos
oferecer como CRB, como Vida Religiosa, alguma conclusão escrita da nossa
parte, mas nós pensamos como fizemos para a Assembleia Eclesial, reunir grupos,
os superiores maiores, os formandos, os formadores, para incentivar e refletir
sobre a realidade desse caminhar juntos como Igreja.
Nós queremos porque ainda percebemos que estamos muito
encerrados em nossas instituições, em nossos conventos ainda. Por todo o
caminhar do Vaticano II ainda temos congregações voltadas para o seu interior.
A presença nossa, o trabalho nosso como Conferência é investir mais nesta
reflexão, neste caminhar juntos. A presença da Vida Religiosa numa paróquia,
numa diocese, numa periferia, ela é significativa. Tem que haver uma abertura
dos dois lados, se uma comunidade religiosa não se coloca a disposição, à
escuta, mas por outro lado a acolhida dos párocos para esse caminhar juntos, de
servir juntos na caminhada pastoral.
Nós estamos pensando, para depois do período das férias,
verificar juntos como vamos fazer para motivar nossa Vida Consagrada para uma
participação maior nesse processo sinodal, independente do que vai acontecer lá
em 2023. Nós, como Brasil, temos que retomar com muita seriedade os desafios
apontados pela Assembleia Eclesial, e tem que ser de uma forma institucional.
Quanto mais nós estarmos em sintonia com todo esse processo sinodal que América
Latina já tem feito, e que coroou com a Assembleia Eclesial, vai dar um grande
apoio à preparação do Sínodo.
Nós não vamos participar do processo porque precisa realizar
o Sínodo, mas porque participar do processo já significa estarmos nesse caminho
de crescimento como uma Igreja sinodal. É um sonho nosso, realmente termos uma
Igreja sinodal, temos sofrido com a formação do clero, como está distante dessa
Igreja sinodal. Por onde caminha realmente a nossa juventude que prepara para o
sacerdócio? A própria juventude da Vida Consagrada, por onde ela está indo?
Qual é sua mensagem para a Vida Religiosa no Brasil diante
da comemoração do Dia da Vida Consagrada?
A mensagem que eu deixo para a Vida Consagrada, é a mensagem
do próprio Jesus, que Ele diz para nós: “coragem, eu venci o mundo”. Então, nós
podemos dizer para a Vida Consagrada, coragem, nós vamos a vencer, é um
período, uma etapa. Porque nós percebemos que a Vida Consagrada, ela passa por
ciclos, teve o ciclo dos monges do deserto, depois tivemos o ciclo das ordens
mendicantes, depois vieram as comunidades apostólicas.
Agora nós vivemos um ciclo diferente, que é enriquecido, nós temos a experiência do deserto, como da periferia, e de outras situações, mas temos que encontrar hoje, num tempo de grandes mudanças, como ser resposta, como ser consagrados no mundo de hoje. É o Senhor que vai nos fortalecer nessa descoberta, nessa fidelidade criativa. Se formos fieis, com Jesus entre nós, nós teremos criatividade e conseguiremos dar nossa resposta.
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