Mais de 90 lideranças de todas as regiões do Brasil estão
reunidas nos dias 24 e 25 de março para participar do Seminário Nacional
(online) de Formação para o Enfrentamento ao Tráfico Humano. O evento conta com
a organização da Comissão Episcopal Pastoral Especial de Enfrentamento ao
Tráfico Humano da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O Seminário foi aberto com uma Audiência Pública, onde em
uma mesa de diálogo, que teve como tema “O papel da Igreja, da Sociedade, do
Estado no Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas”, representantes da Comissão dos
Direitos Humanos do legislativo, Ministério Público do Trabalho e organizações
da Sociedade Civil tem debatido, em um olhar amplo, aprofundando as realidades
que promovem o tráfico de pessoas, os mecanismos de acompanhamento e a
construção concreta de articulação e formação nas bases.
Estamos diante de um tema difícil, pois ele é “invisibilizado
pela sociedade”, segundo Dom Evaristo Spengler. O Presidente da Comissão
Episcopal Pastoral Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB lembrava
a Campanha da Fraternidade de 2014, que abordou essa temática, que levou as paróquias,
as comunidades a se perguntar se o tráfico de pessoas ainda é um problema. Cabe
lembrar, segundo o bispo da Prelazia de Marajó, que a escravidão foi legal no
Brasil até pouco mais de 100 anos atrás, e que “essa mentalidade ainda persiste
em muitas pessoas ainda, e talvez na sociedade como um todo”.
O bispo falava de uma realidade que trata as pessoas como
mercadoria e de como o tráfico de pessoas se reinventou com a pandemia, usando
muito as redes sociais, buscando aumentar o lucro para pessoas gananciosas e
sem escrúpulos. Nessa conjuntura em que o lucro domina, a pessoa vira um
objeto, algo que se faz realidade de uma forma muito sutil. Dom Evaristo
lembrou as palavras do Papa Francisco, em que diz que “o mundo não terá paz
enquanto não houver uma cultura do cuidado”.
Frente a isso, ele falou da cultura da guerra, que começa
pela competição, a concorrência, o fato de querer mais, educando para o vale
tudo, o que demanda uma nova mentalidade de solidariedade, de cooperação, da
cultura da paz que nos fala o Papa Francisco. O presidente da Comissão chamou a
todos a contribuir, também a Igreja, segundo nos lembram os documentos do
Concílio Vaticano II, algo que tem sido assumido pela Comissão Episcopal
Pastoral Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB. A mesma atitude
deve estar presente na sociedade e no Estado, em um trabalho em rede que leve a
fazer realidade uma vida digna para todos.
Os desafios para o combate ao tráfico humano no Brasil foram
abordados por Natália Suzuki da Organização Repórter Brasil. A jornalista partiu
da ideia de que estamos diante de uma questão que impacta a sociedade como um
todo. Essa é uma realidade que “deve nos incomodar profundamente, deve nos
provocar todos os dias a nos indignar e a lutarmos contra”. De fato, estamos
diante de uma temática nova na Agenda Pública, que até poucos anos atrás era só
abordado por grupos específicos. Aos poucos tem entrado dentro das políticas
públicas, algo que ainda não é algo simples, segundo Suzuki.
Estamos diante de um crime que vem camuflado com outras
coisas, dificultando os diagnósticos. Isso deve nos levar a entender que “o tráfico
de pessoas, quase sempre está relacionado com alguma outra prática criminosa”,
como algo que ajuda a entender onde está o problema, afirmou a jornalista. A
isso se junta a escassez de recursos do Poder Público, o que demanda o
envolvimento da sociedade civil e da Igreja, para ajudar a mudar o contexto,
para mudar a vulnerabilidade dos indivíduos e reduzir a desigualdade. Para isso
se torna de grande importância a incidência em nível local, trabalhar em rede, superar
o que já sabemos e fazer diagnósticos novos que levem a uma política de combate
ao tráfico de pessoas.
Uma expressão do tráfico de pessoas é o trabalho escravo,
uma temática que foi abordada pelo Procurador Italvar Filipe de Costa Medina do
Ministério Público do Trabalho, que começou sua fala definindo o trabalho
escravo como um crime, segundo recolhe a legislação brasileira. No Brasil
existem trabalhadores que são “tratados como uma coisa, desprovidos da sua
dignidade”, segundo o Procurador. Ele mostrou as diferentes modalidades de
trabalho escravo: trabalho forçado, jornada exaustiva, mostrando exemplos de
como isso se torna realidade no país, recordando também os passos dados nas
últimas décadas no combate ao trabalho escravo, onde a Igreja católica teve um
papel decisivo.
A legislação brasileira recolhe os fatos que determinam o
que constitui trabalho escravo, sendo reclamadas pelo Procurador políticas públicas
que enxerguem essa realidade. Nesse sentido, relatou alguns dos passos que já
foram dados e as atuações que estão sendo realizadas desde o Ministério Público
e a Polícia Federal, insistindo na importância de que as pessoas sejam
conscientes que essa realidade existe e que “as denúncias sejam levadas aos órgãos
competentes para que o trabalho escravo seja combatido e definitivamente
erradicado no país”.
O papel do Governo Federal no Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas foi abordado pela deputada Erika Kokay, da Comissão de Direitos Humanos
da Câmara dos Deputados. O Brasil participa de uma história que “é permeada por
um povo escravizado, são milhões de pessoas que foram arrancadas da sua própria
existência e foram escravizadas aqui no Brasil”, segundo a deputada, que
refletia sobre a coisificação e desumanização vivida por essas pessoas, algo
que foi “carregado no corpo e na alma”.
Em suas palavras refletiu sobre a condição de sujeito e a
liberdade como algo que determina a humanidade da pessoa, o que rompe o tráfico
de pessoas, que promove a visão da pessoa como mercadoria. No Brasil
desaparecem 226 pessoas por dia, muitas delas submetidas ao tráfico de pessoas,
segundo a deputada, que também refletiu sobre a discriminação como causa da
exploração sexual de crianças e adolescentes. Ela chamou a fazer um grande
movimento no conjunto da sociedade, a construir redes, buscando condições de
cuidado para todos e todas, e fomentar o protagonismo para evitar o tráfico de
pessoas.
O papel da Sociedade Civil no Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas foi a questão abordada pela Irmã Eurides Alves de Oliveira, ICM. A religiosa
começou lembrado as palavras do Papa Francisco que afirma que “O tráfico de pessoas
continua sendo uma ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na
carne de Cristo”. A membro da Comissão Episcopal de Enfrentamento ao tráfico de
Pessoas e da Rede Um Grito pela Vida vê o enfretamento do tráfico de pessoas
como um desafio urgente e necessário, um crime invisibilizado que “crucifica
milhões de pessoas em todo o Planeta”.
A erradicação é missão de todos e todas, “que acreditamos na
possibilidade de um outro mundo possível”, segundo a religiosa. Para isso se
faz necessário a superação da indiferença e da alienação, reclamando o papel do
Estado, inoperante, indiferente e totalmente silenciado nos últimos anos em
relação com o tráfico de pessoas, inclusive em retrocesso, denunciou a Ir.
Eurides.
A religiosa foi relatando os passos dados pela sociedade
civil e pela Igreja, “presente onde o Estado não está ou não quer estar”,
enfatizando a importância do trabalho de base e de incidência política. Nesse
sentido destacou a missão da Rede um Grito pela Vida, da Comissão Pastoral da
Terra, da Comissão Justiça e Paz, da Pastoral da Mulher Marginalizada, da
Associação Brasileira de Defesa da Mulher, Infância e Juventude. Por isso, a
Ir. Eurides insistiu em que “precisamos continuar incansavelmente dando visibilidade
a isso em todos os espaços”, para denunciar as causas, capacitando pessoas e
não recuando na dimensão profética, ainda mais diante de uma conjuntura que fez
com que aumentasse e se diversificasse o tráfico de pessoas.
Os participantes da Mesa de Diálogo, desde as diferentes
realidades onde cada um vive, foram acrescentando a reflexão dos palestrantes, denunciando
situações de tráfico humano presentes no Brasil afora, uma dinâmica que vai
estar presente ao longo do Seminário, que abordará em diferentes painéis ao
longo dos dois dias as Estruturas que geram o tráfico de pessoas, como agir no enfrentamento
ao Tráfico de Pessoas, e o Compromisso Pastoral no Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas.
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