O Espírito Santo já soprava e nos convidava a escutar o clamor dos
pequenos e oprimidos quando em abril passado no final do nosso ultimo encontro
dos missionários e missionárias da tríplice fronteira decidimos fazer o próximo
momento em Atalaia do Norte. Os trágicos eventos que se sucederam foram o estopim
da explosão que revelou para o Brasil e o mundo o quanto é preocupante e
desafiadora a situação de insegurança e de descaso com os povos originários e
ribeirinhos na nossa região.
Com o intuito de antecipar uma Igreja sinodal na Amazônia fizemos nosso
encontro com o tema a Sinodalidade e o grito de tudo e de todos pelo Bem Viver
na tríplice fronteira. Nosso objetivo era escutar os indígenas e ribeirinhos,
conhecer a realidade, dialogar e propor ações missionárias dentro do espírito
sinodal para garantir a vida com sustentabilidade, dignidade, justiça e paz.
O encontro aconteceu dias 23 e 24 de agosto na paroquia São
Sebastião de Atalaia e 36 pessoas participaram. Lideranças indígenas expuseram
e partilharam conosco suas vidas, culturas e desafios. Queríamos ouvi-los para dar melhor resposta
com uma evangelização encarnada. Precisamos conhecer mais para poder amar mais
e melhor. Falaram os representantes do governo municipal, das associações dos
indígenas e das organizações de mulheres. O representante dos ribeirinhos não
pode se fazer presente.
Os desafios são grandes porque o espaço é de 8,5 milhões de hectares.
Habitado pelos mayurunas, matís, marubos, kurubos, canamaris e 23 referencias
de indígenas isolados. É a segunda maior área demarcada do país. Existem
fragilidades na vigilância pelo bom uso e preservação desse território. Falta
um acompanhamento pedagógico para o cuidado do bioma, salvaguarda da cultura e
retorno dos jovens que se formam na cidade para as aldeias. É preciso promover
a geração de renda e uma economia justa e sustentável. Muitos indígenas se
dedicam ao plantio da droga para obter dinheiro. Existe o esvaziamento das
aldeias.
O poder público não garante a segurança, a saúde, educação Muitos
indígenas evadem para as cidades onde vivem como seres “invisíveis” aos olhos
das autoridades e da população. Sua cultura, língua, pajelança, medicina,
música e os saberes tradicionais são relegados pelos mais jovens. Assim o
território é invadido pelos exploradores que encontram o espaço livre. O pedido
feito a nós foi para nos aproximar mais dessa realidade indígena, participar
das associações existentes, apoiar as iniciativas locais nas aldeias e nas
cidades, promover capacitações técnicas, o retorno da pastoral da criança e da
pastoral indigenista.
Foi realçada a importância da interculturalidade e superar o
conhecimento superficial e folclórico que temos dos povos originários. Que
precisamos todos ter mais cuidado e preocupação com a natureza. Os indígenas e
ribeirinhos precisam se organizar e trabalhar juntos no agro extrativismo
sustentável, no manejo dos lagos, sempre focados na defesa da vida. Isso exige
muito diálogo e calma para criar confiança e evitar violência. Foi relatado o
caso dos ribeirinhos implantados nas “colocações”. Sempre trabalharam, cortavam
a madeira e pescavam, mas ficavam endividados e nem casa própria tinham para
morar, porque quem levava vantagem era quem negociava a produção.
A floresta é a nossa família e todos os que a defendem são nossos
“parentes”. A natureza é nossa mãe e somos filhos dela e do Deus Tamacuri.
Somente pensando diferente seremos pessoas diferentes. O rio, ontem fonte de
vida, hoje se tornou perigoso. Um rio sem lei, dominado pelos narcotraficantes.
Os indígenas são os guerreiros da floresta, mas suas vidas e de seus líderes
são ameaçadas e o medo reina. Os indígenas querem viver em paz e em harmonia.
Tem vida, tem terra, tem água, tem alegria para todos, menos para os
garimpeiros, madeireiros, caçadores, pescadores, fazendeiros que depredam e
contaminam nossa Amazônia e os traficantes de pessoas que comercializam nossa
gente.
Os indígenas não atrapalham o progresso, mas não querem que sigamos
com a lógica de destruição, roubo e morte da época colonialista. Foi relatado o
caso do indígena que foi a São Paulo para um encontro e começou a sangrar pelo
nariz devido a poluição. Que foi preciso ir um deles para Nova York para falar
porque está acontecendo a mudança de clima e o aquecimento global. Ele lembrou
que os jornais nos Estados Unidos estamparam que era hora de “Amazoniar a
América”.
Por isso temos que lutar todos pelo bem viver de todos. Temos que
ficar de olho com as ações que causam danos para a natureza e as pessoas. O
grito dos indígenas foi também para que ajudemos a dar as condições dignas para
que possam permanecer nas suas aldeias e que essas áreas sejam efetivamente protegidas.
O clamor deles tem a esperança de que chegue aos ouvidos dos brasileiros que têm
o comando das forças armadas, que têm a missão de garantir a integridade do
nosso povo e do nosso território.
O grito lançado foi para que mais que construir e edificar igrejas,
como fazem muitas denominações religiosas, precisamos construir um habitat
saudável e amoroso e edificar pessoas novas que vivam com amor e em harmonia
com tudo e com todos. Sempre respeitando a identidade dos povos originários e a
sua força espiritual. Jesus orava, mas não vivia de joelhos. Ele não era
sacramentalista e nem tradicionalista. Por isso, não devemos satanizar os ritos
religiosos e culturais dos indígenas.
O clamor final dos expositores foi que a nossa Igreja, através de
seus organismos, faça ressonância desse grito em favor da proteção dos povos
originários e do seu território em todos os níveis nacionais e internacionais.
Foi preciso que pessoas que nos defendiam e que queríamos bem fossem mortas
para o governo acordar e ver o nosso pesadelo. Temos que fazer mais e discursar
menos. Nesse sentido e porque temos que ousar mais, primeirar, esperançar e
amorizar e ouvir bem mais nossos povos originários, foi decidido fazer uma
carta dirigida aos fiéis e autoridades das nossas Igrejas na tríplice fronteira
para ecoar o grito desse povo sofrido.
A súplica foi: não nos deixem gritar só! Não desistam de lutar por
nós! Ao final do encontro ficamos com alguns questionamentos e provocações. “Arrancaram
nossos frutos. Cortaram nossas ramas. Queimaram nosso tronco. Mas não puderam
matar nossas raízes”. Que elementos de sabedoria
ancestral e sinodalidade reconhecemos nos testemunhos e expressões indígenas
que escutamos? Que palavras e atitudes desses testemunhos podem enriquecer
nossa sinodalidade? A partir do que reflexionamos como recuperar a forma do Bem
Viver e a espiritualidade da sinodalidade? O que existe de sinodalidade no meu
discurso, na minha prática pastoral e na minha comunidade? Como antecipar o
surgimento de uma Igreja Sinodal na Amazônia? Que compromissos devemos nós,
missionários da tríplice fronteira na Amazônia, assumir na missão frente à
sociedade e à natureza?
Lembremos sempre que as lutas do povo são lutas sinodais. Não
sejamos proselitistas, mas engajados no cuidado com a vida, procurando as
sementes do Evangelho nessas terras, florestas, águas e coração desse povo.
Todos precisamos trabalhar juntos e todos, não só os indígenas, nos “integrar”
numa nova realidade de vida, justiça e paz. Sinodalidade é caminhar juntos para
buscar a vida terna nessa Casa Comum até chegar a vida eterna na Casa do nosso
Pai, Mãe e nosso Deus.
Pe. Carlos Alberto Pinto da
Silva
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