domingo, 26 de março de 2023

Dom Leonardo: “Não nos escondamos e não morramos nas dificuldades e tensões”



Lembrando as palavras em que Jesus chama Lázaro para fora do túmulo, Dom Leonardo Steiner refletiu na homilia do 5º Domingo da Quaresma sobre o fato de sair do reino dos mortos. Reino dos mortos-vivos, vivos-mortos”. O cardeal apresentou o “Senhor visível aos nossos olhos, falando conosco. Os olhos que veem a presença do Senhor e os ouvidos que ouvem a voz do Senhor. A voz do Senhor que nos arranca do reino dos mortos. Ele nos deseja vivos, não mortos, nem mortos-vivos; vivos, aqueles que caminham ao encontro do Reino da Ressurreição”.

Morri! Perdi as esperanças! Nada mais tinha sentido, tudo virado sem-sentido, vida sem sentido. Sumiram os labores, as cores, os sabores. Perdi a companhia, busquei a terapia, de mim me esquecia, sempre mais, eu desaparecia”, disse o Arcebispo de Manaus, se introjetando na figura de Lázaro. 

“Me perdi, morri. Meu mundo virou um túmulo e me deixei envolver completamente pela desesperança. Atei minhas mãos e meus pés; deixei de andar, caminhar. Cobri os meus olhos nada mais via e nem descobria. Nada mais via, não mais me mexia, não mais vivia. Meu mundo era um túmulo, escuridão! Não suportava a luz, não desejava companhia, sozinho vivia. Perdi cores, perdi sabores, perdi caminhos. Não mais convivia”, refletiu Dom Leonardo em torno daquele que morre.

Nas suas palavras, o cardeal foi explicitando aquele que poderia ser o pensamento de que, está no túmulo: “assim, anunciaram a minha morte. No túmulo em que vivia, não mais vivia e putrefação me fazia. Os dias, todos os dias, os dias que somados não eram mais que 4. Pois 4 era apenas o dia em que me perdera em minha humanidade e não mais ansiava, esperava, buscava, sonhava na minha fragilidade. Quatro dias apenas diziam do meu tempo, da minha finitude, de estar apenas dentro de mim e em torno de mim. Me enterrei em mim mesmo, na fraqueza de mim mesmo, no desanimo de mim mesmo”.


É o pensamento de Lázaro que diz: “e ali jazia para desespero e desconsolo de minhas irmãs Marta e Maria. Tanto desgosto que o esforço não compensava. A elas restou o consolo, o socorro, daquele da nossa humanidade fizera sua morada, tenda, casa. Aquele que a humanidade e fragilidade fizera caminho, vida nova. Sim Ele somente Ele poderia tirar-me do reino dos mortos-vivos”.

Pensamentos que segundo Dom Leonardo dizem: “e de dentro da minha escuridão, da minha exaustão, sem percepção, nem percebi que havia retirado a pedra do meu túmulo. Como e nada via e nem percebia, não a luz de sua presença, o inefável desejo de trazer-me novamente à vida”.

Diante disso, o Cardeal Steiner chamou a enxergar a “Luz na finitude de um mundo fechado sobre si mesmo, mas possibilidade de um novo tempo e de um novo espaço em que me moveria. Envolto em meu mundo, dentro de meu mundo, na escuridão e obscuridade de meu mundo ouvi o grito, a voz forte: ‘Lázaro, vem para fora!’ E sua voz era tão forte, tão suave, tão cheia de vida, tão cheia de convite, tão cheia de amor, que me conduziu para fora do meu túmulo. A voz de meu Senhor e Deus me conduziu para fora do reino dos morto-vivos. E eu o quase morto sai com as mãos e os pés atados. Eu todo coberto com os lençóis mortuários não via pois o lençol também meu rosto cobria. Não sei como andei, mas a voz de meu Senhor e Deus era tão penetrante que perpassou todo o meu ser e os membros de meu corpo atados puseram-se em movimento”.

Diante do chamado de Jesus a desatai-o, Dom Leonardo imagina Lázaro que “desatados os lençóis, livre caminhei entre os vivos! Quando ressoou aos meus ouvidos a voz do Senhor da Vida voltei à vida, e não mais desejei o reino dos morto-vivos. Quando ressoou aos meus ouvidos a voz da Vida, abandonei a morte. mais desejava a vida, o reino dos vivos, a Vida, a Vida das Vidas. E, assim, livre não mais temi os tropeços, os dissabores, os fracassos, as perdas, as mortes. A sua voz me acompanha sempre dizendo e insistindo: sai para fora! Lázaro vem para fora! E eu ouvindo e obedecendo e caminhando e esperando, não mais voltei ao túmulo. A Ele ouvindo, nada mais de escuridão, nada mais medo, nem mesmo de vergonha, pois Ele me anima e convida vem para fora”.


 

Citando as palavras do Papa Francisco no Angelus de 05 de abril de 2014, Dom Leonardo lembrou que “Cristo não se conforma com os sepulcros que nós construímos com as nossas escolhas de mal e de morte, com os nossos erros, com os nossos pecados. Ele não se resigna a isto! Ele nos convida, quase nos ordena, que saiamos do túmulo no qual os nossos pecados nos fizeram cair. Chama-nos insistentemente a sair da escuridão da prisão na qual nos fechamos, contentando-nos com uma vida falsa, egoísta, medíocre. «Sai!», nos diz, «Sai!". É um convite à verdadeira liberdade, a deixar-nos alcançar por estas palavras de Jesus que hoje repete a cada um de nós. Um convite a deixar-nos libertar das «faixas», das faixas do orgulho. Porque o orgulho torna-nos escravos, escravos de nós mesmos, escravos de tantos ídolos, de tantas coisas. A nossa ressurreição começa por aqui: quando decidimos obedecer a este mandamento de Jesus saindo para a luz, para a vida; quando caem do nosso rosto as máscaras (...) e não encontramos a coragem do nosso rosto original, criado à imagem e semelhança de Deus”.

São promessas presentes na primeira e segunda leituras, afirmando que “talvez, por isso Santo Agostinho vê na ressurreição de Lázaro uma figura do sacramento da Penitência”, citando o texto do Sermão 139 sobre o Evangelho de São João: “Como Lázaro do túmulo, tu sais quando te confessas. Pois, que quer dizer sair senão manifestar-se como vindo de um lugar oculto? Mas para que te confesses, Deus com voz forte, te chama com uma graça extraordinária. E assim como o defunto saiu ainda atado, do mesmo modo o que vai confessar-se ainda é réu. Para que fique desatado dos seus pecados, o Senhor diz aos ministros: Desatai-o e deixai-o andar”. 

Lembrando o tempo da Quaresma, Dom Leonardo fez ver que “nos convida a nos deixarmos invadir e tomar pelo reino dos vivos. Deus nos deseja vivos e não mortos. Ele nos deu sua palavra, Ele se deixou como pão vivo, Ele deu a vida por nós na cruz, venceu a morte e instaurou o Reino da vida. Não nos escondamos e não morramos nas dificuldades e tensões. As dificuldades e tensões são apenas o convite para sairmos mais livres para dentro do reino dos vivos. Andar, ver, respirar, pois Deus nos deseja vivos!”.

Em relação à Campanha da Fraternidade, que continua a nos acompanhar no movimento de conversão a que a quaresma nos convida, Dom Leonardo citou novamente o Papa Francisco: “A alimentação é fundamental para a vida humana; com efeito, participa na sua sacralidade e não pode ser tratada como uma mercadoria qualquer. Os alimentos são sinais concretos da bondade do Criador e frutos da terra. Vêm-me à mente os nossos avós e o respeito que tinham pelo pão; beijavam-no quando o colocavam na mesa e não permitiam que nem sequer uma migalha fosse desperdiçada. O próprio Cristo, na Eucaristia, fez-se pão, pão vivo para a vida do mundo (cf. Jo 6,51)”.

 


Continuando com a cita do Santo Padre, o Arcebispo lembrou: “Respeitar os alimentos e conceder-lhes o lugar predominante que têm para a vida do homem só será possível se, além de nos interessarmos pela sua produção, disponibilidade e acesso, assim como pelas medidas técnicas do comércio agrícola, tomarmos consciência de que constituem uma dádiva de Deus, da qual somos meros administradores. (...) nossa primeira preocupação deve centrar-se no ser humano enquanto tal, considerado na sua integridade e tendo em consideração as suas necessidades reais, particularmente de quantos carecem do sustento básico para a própria sobrevivência. Caros irmãos e irmãs, neste período de crises interligadas, a mensagem de Cristo, até para os não-crentes, interpela-nos a não dar simplesmente de comer, mas a dar-nos a nós próprios ao serviço do próximo, reconhecendo e garantindo a centralidade da pessoa humana. Esta prioridade só pode ser salvaguardada, se voltarmos a acreditar na fraternidade e na solidariedade, que devem inspirar as relações entre as pessoas e entre os povos”, palavras proferidas pelo atual Pontífice em 17 de outubro de 2022.

Daí, o Cardeal Steiner disse que “o tempo da penitência desse ano nos convida a superar a desfraternidade oferecendo o nosso pouco aos que necessitam”, lembrando o lema da Campanha da Fraternidade: “Dai-lhes vos mesmos de comer!”. Por isso, afirmou que “diante de tantos conflitos, diante de tantas guerras, diante de tanta violência, também em nossa cidade, nossa tendência é nos fecharmos, perdermos a esperança, não mais ouvirmos a voz do Filho de Deus que nos diz: ‘Vem para fora’”.

Finalmente, Dom Leonardo fez um convite a que “caminhemos, irmãos e irmãs. Caminhemos na solidariedade, na caridade, na liberdade. Paz não é falta de tensões e confusões. Paz é podermos nas tensões e confusões, oferecer vida, esperança e, ao mesmo tempo, perceber quem nós somos e para onde caminhamos. Caminhamos para o Reino da Vida nova: Jesus Ressuscitado”, pedindo que “Deus nos conceda a vida nova para não vivermos no reino dos mortos, mas no Reino dos vivos!”.

 

Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Nenhum comentário:

Postar um comentário