domingo, 2 de abril de 2023

Dom Leonardo: “O caminho na Semana Santa: nos deixarmos tomar pelo mistério da morte como plenitude da vida”


Com a celebração dos Ramos iniciamos com a Semana Santa, disse Dom Leonardo Steiner no início da homilia deste domingo. Segundo o Arcebispo de Manaus, “com o Domingo dos Ramos meditamos, contemplamos, nos confrontamos com a verdade maior de nossa : Deus feito igual a nós, Deus morrente, na morte, amante! Em Jesus de Nazaré que hoje entra solenemente na cidade de Jerusalém, celebramos Deus da nossa humanidade e fragilidade. Na nossa fragilidade e pecado, abre-se o horizonte de sermos amados até o fim”.

No relato da paixão segundo Mateus, a humanidade é tal que “sofre a condenação e a morte”, afirmou o Cardeal Steiner. Lá aparece “Deus sofredor, Deus dor, Deus que morre; Deus humildade, Deus humanidade, Deus que morre; Deus paixão, Deus sem razão, Deus que morre; Deus solidão, Deus sem ação, Deus que morre”. Ele lembrou do grito desesperado e desesperador de Jesus que ainda ecoa nos nossos ouvidos: “Meu Deus, meu Deus por que me abandonaste”. 

O Arcebispo denunciou que “ecoa ainda na voz de Jesus o grito da humanidade abandonada em não compreender o abandono do Pai em tantas situações desesperadoras. Grito e gemido de não compreender, de querer entender o porquê do abandono no sofrer. E, no entanto, como Jesus, no abandono, nos abandonamos em suas mãos. No não mais compreender, no não mais saber, também nós nos abandonamos e entregamos a Ele o nosso espírito”. 

Citando o Comentário aos Salmos de Santo Agostinho, Dom Leonardo lembrou: “Despertemos, pois, e estejamos vigilantes na fé. Consideremos aquele que assumiu a condição de servo, a quem há pouco contemplávamos na condição de Deus; tornando-se semelhante aos homens e sendo visto como homem, humilhou-se a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte (cf. Fl 2,7-8). E quis tornar suas as palavras do salmo, ao dizer, pregado na cruz: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? (Sl 21,1). Ele ora na sua condição de servo, e recebe a nossa oração na sua condição de Deus; ali é criatura, aqui o Criador; sem sofrer mudança, assumiu a condição mutável da criatura, fazendo de nós, juntamente com ele, um só homem, cabeça e corpo. Nossa oração, pois, se dirige a ele, por ele e nele; oramos juntamente com ele e ele ora juntamente conosco”.




Sobre a pergunta de Jesus: “Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?”, o Arcebispo de Manaus citou as palavras do Papa Francisco na Homilia do Domingo de Ramos de 2020: “É uma frase impressionante. Jesus sofrera o abandono dos seus, que fugiram. Restava-lhe, porém, o Pai. Agora, no abismo da solidão, pela primeira vez designa-o pelo nome genérico de «Deus». E clama, «com voz forte», «porquê», o «porquê» mais dilacerante: «Porque me abandonaste também Tu?» Na realidade, trata-se das palavras de um Salmo (cf. 22,2), que nos dizem como Jesus levou à oração inclusive a extrema desolação. Mas, a verdade é que Ele a experimentou: experimentou o maior abandono, que os Evangelhos atestam reproduzindo as suas palavras originais. Por que tudo isto? Uma vez mais… por nós, para servir-nos. Porque quando nos sentimos encurralados, quando nos encontramos num beco sem saída, sem luz nem via de saída, quando parece que nem Deus responde, lembremo-nos que não estamos sozinhos. Jesus experimentou o abandono total, a situação mais estranha para Ele, a fim de ser em tudo solidário conosco. Fê-lo por mim, por ti, por todos nós; fê-lo para nos dizer: «Não temas! Não estás sozinho. Experimentei toda a tua desolação para estar sempre ao teu lado». Eis o ponto até onde nos serviu Jesus, descendo ao abismo dos nossos sofrimentos mais atrozes, até à traição e ao abandono”.

Ao elo da primeira leitura, Dom Leonardo Steiner destacou que “no auge da dor e da destruição da humanidade Jesus entra na intimidade do Pai, exclama, grita não me abandones, de ti vim, para ti desejo voltar, não me abandones. E não o abandonou. Mais humano Deus não poderia ser. No grito de Jesus ouvimos nossa humanidade desesperada, na dor, na fome, na guerra, na morte, em fuga”. Já na segunda leitura, o Cardeal nos faz ver que Paulo “nos trazia aos nossos olhos a presença de Deus que se fez um de nós, como nós, o Deus feito homem!”

Assim é Deus-cruz no qual reluz a nossa humanidade”, afirmou seguindo as palavras de São Paulo na carta aos filipenses, insistindo em que “Deus esvaziou-se, não se assegurou na sua divindade, mas se humilhou, trilhou o caminho da morte, se fez morte. E, assim, Ele se torna para nós o nome mais sublime: Deus-homem, homem-Deus, o homem que veio dar razão à nossa finitude humana, iluminar nossas dores e desilusões”. 

É por isso, que o Cardeal insistiu em que “nada de mais nosso, mais próximo de nós, como nós, em nós que o Homem Jesus que hoje entra em Jerusalém para padecer a condenação, sofrer a paixão e morrer na cruz. Ninguém mais humano, mais homem, mais humanidade que o Crucificado”.

 


“E, n’Ele nos vemos, n’Ele nos lemos, n’Ele nos cremos partícipes da mesma sorte, isto é, da mesma morte. Na mesma morte, na mesma sorte de penetrarmos o mistério da dor e da morte. Mistério da dor e da morte no qual nos movemos todos os dias, ora com mais intensidade, ora com maior suavidade. Mas sempre envoltos por esse mistério incompreensível. E hoje ouvindo as palavras de Paulo e ouvirmos e vermos a dor, o sofrimento, a condenação, a exaustão do Filho do Homem até a morte, nos voltamos para esse mistério com maior reverência. Reverência, isto é, com maior abertura, maior acolhimento, por vermos no Filho do Homem o caminho da completa abertura e reverência em relação com o Pai. Por mais que não percebemos o caminho da liberdade”, destacou o Arcebispo de Manaus.

Esse será nosso caminho na Semana Santa: nos deixarmos tomar pelo mistério da morte como plenitude da vida, ressaltou Dom Leonardo. Segundo ele, “esse jogo de morte no qual Deus mesmo se inseriu e experimentou como grandeza, porque amor. Grandeza não de uma piedade conformista, mas de um itinerário e caminho único de quem viu no Filho do Homem, no Filho de Deus, de plena realização na fraqueza se entregar à vida, ao Pai. No abandono, nos abandonamos em suas mãos. Ali, no abandono começamos uma vida nova com o Pai”.

Lembrando a coleta da solidariedade, da Campanha da fraternidade, o Cardeal Steiner disse que “hoje oferecemos o nosso caminho de conversão, de encontro com Jesus que deu sua vida por nós. A coleta é expressão do nosso caminho quaresmal: ‘Dai-lhes vos mesmos de comer’.  Quantos irmãos e irmãs que nesse tempo quaresmal foram ao encontro dos necessitados. Quantos irmãos e irmãs continuam o caminho de caridade iniciado no tempo da pandemia. A vida, morte e ressurreição de Jesus nos atrai e nos faz consolo. Em nome de todas as irmãs e todos os irmãos que receberam e receberão ajuda, receberão o pão da caridade, a gratidão”. 

Finalmente, o Arcebispo de Manaus pediu que “o Senhor das dores nos ajude no caminho desta Semana. Ele nos mostrará na dor e na morte não o reino dos mortos, nem o Reino dos morto-vivos, nem dos vivo-mortos, mas apenas na morte o Reino dos vivos, o convívio o mais precioso e suave com o Pai”, insistindo em que “o Senhor nos conceda a graça de uma Semana Santa! Entremos com Ele em Jerusalém e experimentemos o que faz de nós o amor”.



Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

 

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