Um dos
grandes legados do Concílio Vaticano II foi a concepção da Igreja como o Povo
de Deus, uma imagem muito presente no pensamento do Papa Francisco, que está
sempre determinado a fazer com que as decisões do último Concílio sejam
adotadas na Igreja. Ele está ciente da dificuldade, mas permanece firme em seu
propósito e não perde uma oportunidade de mostrar sua posição.
Um forte chamado de atenção
O que ele
experimentou na quarta-feira, durante a 18ª Congregação Geral da 16ª Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, pode ser definido como um claro chamado
de atenção, por causa do tom, com aquele tom "portenho" que ele usa
quando quer deixar as coisas claras, e por causa do momento em que o fez, antes
do início das discussões sobre o Documento de Síntese que dará a conhecer os
elementos presentes nesta primeira sessão da Assembleia Sinodal, que começou em
4 de outubro e será encerrada no domingo, dia 29.
Parece que teve
gente que ficou engasgada com as palavras. Podemos imaginar os rostos daqueles
que experimentam "batinas e chapéus ou alvas e vestes de renda" nas
alfaiatarias eclesiásticas de Roma. O fato de Francisco não gostar de tais
coisas ficou claro em sua aparição pública logo depois de ser eleito Papa, uma
posição que ele expressou repetidamente, apesar da pouca atenção que alguns,
também presentes na Sala do Sínodo, dão a isso.
O flagelo do clericalismo
Palavras
com as quais ele quer combater o clericalismo, do qual ele disse muitas vezes
que é um pecado, ressaltando que "é um chicote, é um flagelo, é uma forma
de mundanismo que contamina e danifica o rosto da esposa do Senhor; escraviza o
santo povo fiel de Deus". Um clericalismo que se traduz em uma Igreja que
é "o supermercado da salvação", onde os sacerdotes são "meros
empregados de uma multinacional".
O Sínodo da
Sinodalidade quer promover "a Igreja como o povo fiel de Deus, santo e
pecador", a Igreja que Francisco gosta de pensar. A grande questão é o
poder, quem está no comando, quem decide e o método usado para isso. Não se
trata de uma questão de autoridade, o problema é o poder ao qual alguns se
apegam para que a vontade deles, e não a de Deus, seja feita. Uma Igreja na
qual as pessoas se empurram, pisam umas nas outras, se acotovelam para poder
subir na escada, para poder comandar, não para servir.
A Igreja de comando e controle
Nessa
Igreja de ordem e controle, "o povo simples e humilde que anda na presença
do Senhor (o povo fiel de Deus)" é deixado para trás, é ignorado, só
interessa como mão de obra barata. O "povo santo e fiel de Deus" a
caminho, santo e pecador, não conta quando se trata de tomar decisões, não é
ouvido, porque é considerado ignorante. Eles não estão interessados em como
acreditam, mas no que acreditam, na Doutrina em detrimento da Caridade, presente
na viúva pobre do Evangelho.
Todos nós,
inclusive os membros da hierarquia, somos batizados e deve ser o batismo o sacramento
fundamental. Uma Igreja de homens e mulheres que se expressa em "dialeto
feminino", uma Igreja da qual Francisco diz ser mulher e é desafiada a
assumir as atitudes das mulheres, pois "a mulher do povo santo e fiel de
Deus é um reflexo da Igreja. A Igreja é feminina, ela é esposa, ela é
mãe".
Assumindo a Igreja como o povo santo e fiel de Deus
Quando
realmente descobriremos a necessidade de uma Igreja Povo de Deus, uma Igreja em
que o batismo nos torna iguais? Quando deixaremos para trás uma Igreja em que
alguns ministros "maltratam o povo de Deus, desfiguram a face da Igreja
com atitudes machistas e ditatoriais"? Quando pediremos perdão por tanto
desprezo, maus-tratos e marginalização pelo clericalismo institucionalizado?
A esperança
é que este Sínodo, especialmente o tempo que transcorrerá entre as duas sessões
da Assembleia, possa nos ajudar a assumir a Igreja de que Francisco gosta, a
Igreja que é o povo santo e fiel de Deus. Isso exigirá o envolvimento de todos
os batizados e batizadas, mas também que aqueles que puderem fazê-lo sejam
aspersores e não funis.
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